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A vida das empregadas domésticas

The Helper” tem como protagonistas as empregadas domésticas estrangeiras que trabalham em Hong Kong. Joanna Bowers decidiu realizar o documentário por sentir que são descriminadas apesar de serem a “base” da sociedade.

Estreou há uma semana em Hong Kong e o objetivo é que passe em Macau e na China Continental, e finalmente seja comprado pelos serviços de ‘streaming’ de vídeos iTunes e Netflix. A ideia de realizar “The Helper” surgiu quando Joanna Bowers passeava por Hong Kong num domingo, o primeiro desde que se tinha mudado para a região. A realizadora britânica ficou impressionada com os milhares de mulheres espalhadas pela cidade a conviver, ao telefone com a família, a comerem, a tratar das unhas e cabelos. No fundo, a fazer na rua e sentadas em caixas de cartão o que poderiam fazer em casa. Se a tivessem. Mais de 300 mil empregadas domésticas, sobretudo das Filipinas e Indonésia, vivem nas casas das famílias para quem trabalham em Hong Kong. Domingo é normalmente o dia de folga.

“É visualmente impressionante. Percebi que não estavam integradas na sociedade e fez-me questionar o que as impedia de serem assimiladas. Senti que a vida destas pessoas tinha ser partilhada”, conta Joanna Bowers que diz ter iniciado o projeto na altura certa.

O projeto arrancou em 2015, quando a situação das empregadas domésticas em Hong Kong teve a atenção do mundo graças a Erwiana Sulistyaningsih. A empregada doméstica indonésia processou a patroa e ganhou o caso contra Law Wan-tung, condenada a seis anos de prisão por causar danos corporais graves, assédio, intimidação e por falta de pagamento de salários. Na altura, a juíza pediu ainda uma investigação às autoridades sobre as condições dos trabalhadores migrantes e alertou que os abusos podiam ser evitados se as empregadas domésticas não fossem obrigadas a viver em casa dos patrões, uma regra prevista na lei da região vizinha e criticada por ativistas.

Tendo em conta que já havia muitos trabalhos que denunciavam o lado dramático, a realizadora optou por uma abordagem “mais feliz” não deixando de parte os sacrifícios que enfrentam como deixarem os filhos em busca de melhores salários.

“Hong Kong não seria o que é se estas pessoas não existissem. São a base da sociedade”, afirma a realizadora.

Em Macau, trabalham perto de 26 mil empregadas domésticas, sobretudo das Filipinas. Melody Lu, professora de sociologia na Universidade de Macau, aponta os motivos por que são descriminadas apesar de serem cruciais para que cidades como Macau e Hong Kong funcionem. “O trabalho doméstico já por si é subvalorizado. A situação agrava-se quando é feito por alguém de um país mais pobre. Há uma postura discriminatória em relação aos emigrantes dos países do Sudeste Asiático, considerados mão-de-obra barata e sem formação”, refere.

Ainda assim, a académica pensa que a situação em Macau não é das piores já que, por exemplo, não estão obrigadas a residir com quem as contrata. “Quando vivem com a família torna-se difícil controlar as horas de trabalho e há mais margem para abusos. Muitos patrões nem permitem que tenham um dia de folga”, afirma a também ativista e professora, especializada em questões sobre trabalhadores não residentes.

Mas nem tudo são vantagens. Para aproveitar a maior “flexibilidade” e “liberdade” que gozam em Macau, acabam por se sujeitar a condições precárias, tendo em conta que o salário que ganham – cerca de três mil e quinhentas patacas por mês – não acompanha os preços elevados das rendas. “Vivem com muita gente, sem higiene e privacidade, por vezes com homens e, portanto, mais suscetíveis a abusos e violações”, aponta.

Apesar dos empregadores estarem obrigados por lei a pagar um subsídio de alojamento de 500 patacas no minímo, a socióloga defende “que não é suficiente” e acrescenta que “muitos nem pagam”. Ainda assim, Lu garante que a maioria prefere “menos dinheiro e mais liberdade”.

A possibilidade de estrangeiros virem para o território com visto de turismo e procurarem trabalho é, para a professora, outra vantagem do sistema local. Uma prerrogativa que pode desaparecer caso se avance com a alteração em discussão e que prevê que os não residentes só possam vir para Macau com visto de trabalho. ”Devia ser motivo de preocupação. Se isto é implementado, a liberdade que lhes resta desaparece. Passam a ter de pagar muito dinheiro para virem, vão ter de recorrer a agências de emprego que muitas vezes os exploram, e já estão em dívida quando começam a trabalhar. Se o Executivo quer mais regulação, tudo bem. Mas tem de garantir mais proteção legal, melhores salários e condições de vida para estas pessoas”, insiste.

Depende do Governo melhorar

O secretário-geral da Caritas diz que está nas mãos do Executivo melhorar a vida das empregadas domésticas. O contacto com as cerca de 500 mulheres que ajuda por ano deixa-lhe a certeza de que precisam de mais apoio. Paul Pun começa pelos salários. “Deviam ser atualizados. Estão completamente desajustados.”

Entre outras medidas, Pun acha que o Governo devia assegurar cuidados médicos básicos gratuitos às empregadas domésticas, atribuir bolsas de estudo aos filhos – “já que muitos não vão à escola porque os pais não podem pagar as propinas elevadas” -, e criar espaços onde pudessem viver com condições. “Chegam a ser 10 pessoas numa casa ou num quarto. Não digo que o espaço tenha de ser gratuito, mas pelo menos que as rendas sejam baixas”, defende.

O responsável entende ainda que os transportes públicos deviam ser gratuitos para todos trabalhadores. Numa altura em que o Governo considera a possibilidade de aplicar tarifas mais elevadas aos não residentes, Pun frisa que é uma medida “sem sentido” no caso dos trabalhadores. “Fazem parte da comunidade e precisam dos autocarros para ir para o emprego.”

Em resposta ao Plataforma, os Serviços para os Assuntos Laborais explicam que a lei que regula o trabalho dos não residentes está subordinada ao Regime Geral das Relações de Trabalho e que os trabalhadores estrangeiros gozam dos mesmos direitos dos locais. O Governo acrescenta ainda que os salários das empregadas domésticas têm como base a média salarial praticada na indústria. “Importa referir que as respectivas obrigações legais não impedem o empregador de oferecer melhores condições do que as que estão previstas na lei”, lê-se na resposta enviada ao jornal.

Melody Lu entende que já seria bom se o Regime Geral das Relações de Trabalho se aplicasse de facto a todos os trabalhadores de forma igual. “Não há necessidade de haver uma proteção especial. Basta que sejam tratados como qualquer outro trabalhador local e que não haja descriminação”, frisa.

Para estarem protegidos, a académica considera que também é importante criar grupos de aconselhamento jurídico que os defendam quando há conflitos com a entidade patronal. Paul Pun subscreve. “O Governo tem recursos humanos e materiais para fornecer esta ajuda e evitar que sejam exploradas”, diz.

Melody Lu deixa o alerta :“Tomam conta das nossas famílias e vêm para aqui porque têm mais liberdade e melhores condições. Se isso muda, vão-se embora e Macau vai sofrer. Estamos no mesmo barco.” 

Sou Hei Lam 

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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