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Pequim entre o isolacionismo e a afirmação como superpotência

A China quer intervir mais além-fronteiras, mas continua fragilizada por questões internas, afirmam analistas, numa semana em que o Presidente Xi Jinping confirma o estatuto de mais forte líder chinês das últimas décadas.

“Vamos assistir à reclamação da China da posição de grande potência, que será atribuída ao pensamento do atual líder”, afirmou David Kelly, diretor de pesquisa da unidade de investigação China Policy, num encontro com jornalistas, em Pequim.

Kelly falava nas vésperas do inicio do XIX Congresso do Partido Comunista da China (PCC), que esta semana reúne, na capital chinesa, os 205 mais poderosos membros do regime chinês.

Durante o mais importante evento da agenda política chinesa, que se realiza a cada cinco anos, serão eleitos os novos membros do Comité Central, e dentro deste um novo Politburo (atualmente formado por 24 membros) e um Comité Permanente (sete), a cúpula do poder na China.

O XIX Congresso prolongará o mandato do atual secretário-geral do PCC, Xi Jinping, por mais cinco anos, esperando-se ainda a inclusão das suas teorias na constituição do partido, refletindo o seu estatuto como mais poderoso líder da China desde Deng Xiaoping.

Kelly afirma que o grande legado de Xi será traçar um novo perfil para a diplomacia chinesa, ao colocar o país no centro da governação global e abdicar dos princípios vigentes desde a liderança de Deng – “manter um perfil discreto” e “nunca reclamar a liderança”.

“A China vai trazer para o mundo moderno a sua sabedoria milenar e recuperar a grandeza de outrora. Vai oferecer ao mundo uma solução chinesa”, aponta o analista, sobre a nova narrativa do regime.

“E isto vai ser atribuído a Xi, por ter criado o seu próprio pensamento. A ele se deverá uma inovação teorética ao nível de Mao Zedong, ou mesmo superior, visto que Mao não pensava em governar como uma grande potência, mas sobretudo como um país em desenvolvimento”, acrescenta.

Desde que ascendeu ao poder, em 2013, Xi Jinping visitou 58 países, e passou 193 dias no estrangeiro. Para o China Daily, jornal oficial em língua inglesa, os números não deixam dúvidas: “Nos últimos anos, a China passou de um interveniente em questões globais a líder da agenda global, sob a liderança do Partido Comunista Chinês, com Xi Jinping no centro”.

Uma série de seis reportagens, com 45 minutos cada, intitulada “Diplomacia de uma Grande Potência”, e difundida durante o horário nobre pela televisão estatal CCTV, explica os novos princípios da política externa chinesa, lançados por Xi. “Manter a paz e estabilidade no mundo é a responsabilidade e fardo que uma grande potência tem que assumir”, explica o narrador da CCTV. Desde que Xi ascendeu ao poder, a China lançou um novo banco internacional e a nova Rota da Seda, um gigante plano de infraestruturas que pretende reativar a antiga via comercial entre a China e a Europa através da Ásia Central, África e sudeste Asiático. A moeda chinesa, o RMB, deu também importantes passos para a internacionalização.

Peso regional

Pequim passou ainda a reclamar abertamente a soberania de quase todo o Mar do Sul da China, construindo ilhas artificiais capazes de receber instalações militares em recifes disputados pelos países vizinhos, apesar de o tribunal internacional de Haia ter considerado as reivindicações marítimas chinesas ilegítimas. David Kelly considera que a reclamação chinesa do estatuto de grande potência ganhou novo ímpeto com a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, e a saída do Reino Unido da União Europeia.

“Desde o segundo semestre do ano passado que a China tem sugerido que pode ocupar o espaço” alegadamente deixado vazio pelos EUA, diz. Mas a nova narrativa tem sido dirigida apenas à audiência doméstica, argumenta Kelly, questionado o que acontecerá quando for levada para uma audiência global.

Para o investigador do China Policy, o “Wolf Warrior II” (Lobo Guerreiro II), o filme mais visto de sempre na China, terá sido uma tentativa de explicar ao mundo a nova visão do país asiático sobre si mesmo: uma potência pronta a defender os seus interesses além-fronteiras. Lançado este verão, Lobo Guerreiro II conta a história de um soldado chinês numa zona de guerra em África, onde salva centenas de pessoas de uma chacina conduzida por mercenários ocidentais, que tentam apoderar-se do país.

“É o típico enredo de um filme de ação de Hollywood, mas desta vez é um chinês a defender a justiça e assegurar a paz no mundo”, descreveu a BBC. A agência noticiosa oficial Xinhua escreveu que a obra é inspirada em fatos reais, nomeadamente a retirada de dezenas de milhares de chineses durante os conflitos na Líbia e no Iémen.

Várias cenas de Lobo Guerreiro II sublinham a importância da China como ator global e, no final, uma imagem de um passaporte chinês surge no ecrã, com a inscrição: “Cidadãos da República Popular da China. Quando se depararem com o perigo no estrangeiro, não desistam! Por favor, lembrem-se, a proteger-vos está uma pátria forte”. É “uma forte metáfora política”, diz Kelly sobre Lobo Guerreiro II. “Com base em alguns aspetos do filme, acho que é claro que vamos assistir a mais intervenção chinesa além-fronteiras”, acrescenta. 

Xue Li, investigador da Academia Chinesa de Ciências Sociais, concorda que “será difícil, para a China, manter a política de não intervenção”. Existe “um conflito entre a política de não intervenção e a necessidade de proteger os interesses nacionais”, diz Xue à agência Lusa. “Hoje em dia há tantos chineses a viver além-fronteiras. O Governo chinês terá de proteger os seus cidadãos e ativos”, afirma.

Xue defende, no entanto, que Pequim tem reticências em abdicar do principio de não intervenção, porque não quer também que outros países interfiram em assuntos domésticos da China. “Se mudarmos, abrimos um precedente para que outros países interfiram nas questões do Tibete, Xinjiang ou Taiwan”, explica. “O Governo chinês seria apanhado numa armadilha”.

O académico defende que o princípio poderia ser alterado se a China conseguisse integrar no seu território Taiwan, a ilha rebelde que Pequim não reconhece como entidade política soberana. “Aí sim, haveria alta probabilidade de alteração da política”, conclui. 

João Pimenta-Exclusivo Lusa/Plataforma Macau

Discurso de Xi Jinping

Num discurso de quase quatro horas, Xi Jinping anunciou uma “nova era” para a China, onde o Partido Comunista (PCC) guiará o país rumo à modernidade, não abdicando do controlo sobre a economia e a sociedade.

No Grande Palácio do Povo, Xi traçou a sua visão de um “grandioso país socialista moderno”, no qual o PCC vai revitalizar a cultura chinesa, combater ideologias “incorretas” e promover religiões de “orientação chinesa”.

O líder chinês considerou que as perspetivas da China “são brilhantes”, mas reconheceu que a economia do país enfrenta “sérios desafios”, afirmando que o partido deve assumir riscos e superar “fortes resistências”.

“O grande rejuvenescimento da nação chinesa não é um passeio no parque ou um mero rufar de tambores e ressoar de gongos”, disse. “Para realizar grandes sonhos, é preciso travar grandes batalhas”.

Xi Jinping apelou ainda ao PCC que lidere o desenvolvimento da indústria tecnológica chinesa, com a construção de um “país de inovadores”, capaz de competir em setores como a aeronáutica, ‘internet’ e energias renováveis.

O secretário-geral do PCC prometeu tornar o ensino secundário acessível a todos e prolongar os contratos de utilização de terrenos para os camponeses por mais 30 anos.

Num discurso proferido perante centenas de delegados do PCC, a maioria homens de fato escuro que aplaudiram sincronizadamente, Xi saudou ainda a nova assertividade da política externa chinesa, nomeadamente através do lançamento da nova Rota da Seda, um gigante plano de infraestruturas que pretende ligar a China à Europa através da Ásia Central, África e sudeste Asiático.

O líder chinês prometeu que o partido terá “tolerância zero” para com a corrupção e disse que a organização “continuará a purificar-se, a melhorar e a reformar-se”.‭ ‬ 

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