Quem aterre hoje no mundo lusófono, vindo de Marte ou de outro planeta, terá da organização das sociedades humanas uma ideia de caos, conflito e beligerância. A instabilidade política e a crise económica atravessam as jovens nações africanas que falam português, mas também dominam os telejornais no grande Brasil e no velho Portugal.
O pior dos casos será o do Brasil, tendo em conta as expectativas de uma nação auto-descrita como uma força da natureza e projetada entre os líderes de uma nova ordem global multipolar. Contudo, o socialismo utópico de Lula da Silva afunda-se na lama dos escândalos de corrupção, onde esbraceja Dilma Rousseff, atolada numa crise que não lhe dá margem para comprar tempo com crescimento económico.
Mas o caso de estudo mais interessante é mesmo o de Portugal, onde o combate entre direita e esquerda, conceitos que pareciam ultrapassados, são agora recuperados de forma tão visceral e fraturante.
Há pelo menos duas teses na Europa, embora muitos queiram viver de um dogma sem contraditório. E depois da Grécia, berço da filosofia ocidental, é no pequeno Portugal que o debate hoje se produz. De um lado, aqueles que acreditam que o politburo europeu e o fantasma dos mercados podem e devem conduzir a austeridade, enquanto for necessário, salvando a banca e os sistemas financeiros à custa da perda dos direitos do trabalho e das conquistas do Estado social. Do outro, renascem das cinzas aqueles que preferem taxar o capital e cortar noutras rubricas orçamentais, estimulando a economia com mais emprego e mais consumo.
Diz o ditado que em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão. Mas há um mérito incontornável na discussão em Portugal. Mesmo sendo discutível a legitimidade política de governar sem vencer eleições – com apoio parlamentar maioritário – a discussão de fundo sobre o modelo de recuperação económica tem mesmo de ser feita. Porque o mundo não faz sentido quando a fé numa só razão ocupa todo o espaço do debate. Até um marciano percebe isso.
Paulo Rego
13 DE NOVEMBRO 2015