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A um passo curto da política pró-natalidade

Jiang Quanbao, do Instituto de Estudos da População e Desenvolvimento, em Xian, admite uma alteração profunda na orientação demográfica chinesa. Assim que a política de dois filhos falhar em aumentar a fertilidade.

Cerca de 17 por cento da população chinesa tem hoje mais de 60 anos e os nascimentos no país há muito deixaram de assegurar a substituição da população, que deverá começar a decrescer a partir de 2030, de acordo com as projecções demográficas das Nações Unidas revistas este ano.

A Índia será dentro de década e meia o país mais populoso do mundo – já não a China, que no final do mês passado anunciou a intenção de flexibilizar o controlo de natalidade no país, garantindo universalmente às famílias do país o direito de terem até dois filhos.

Até aqui, aquela que é considerada a medida da renovação demográfica – dois filhos por casal – estava reservada às zonas rurais e famílias onde pelo menos um dos progenitores fosse filho único.

Com o fim da política de filho único, e substituição por outra política ainda assim restritiva, o planeamento familiar chinês mantém o princípio anti-natalidade – mesmo quando o discurso político vê o envelhecimento populacional como um problema e o Governo prepara uma reforma ambiciosa no horizonte de cinco anos: unificar o sistema de segurança social das zonas rurais e urbanas, com encargos adicionais para as transferências públicas e, presume-se, para a população activa.

O forte peso do aparelho anti-natalidade nas administrações de nível local e nacional, bem como a dependências destas das receitas de multas por infracções à política de filho único nos últimos anos, têm sido apontadas como principais circunstâncias detractoras da liberalização do planeamento familiar chinês. Há no entanto quem acredite na rápida adopção de uma abordagem pró-natalidade na China, semelhante à já adoptada em muitos países ocidentais envelhecidos.

Jiang Quanbao, demógrafo do Instituto de Estudos da População e Desenvolvimento da Universidade Jiaotong, em Xian, está entre os críticos da lentidão com que o Conselho de Estado chinês tem reagido à rápida inversão da tendência demográfica chinesa. No início deste ano, questionava num estudo em co-autoria com Stuart Basten a eficácia das reformas de 2013 à política de filho único e alertava para o erro de se pensar no planeamento familiar chinês como “uma ‘válvula de segurança’ demográfica que actua para conter um desejo não cumprido de ter mais crianças”.

O académico questiona agora as expectativas da nova política, mas antecipa mudanças rápidas. “As autoridades poderão cedo perceber que esta política não é suficiente para prevenir o declínio contínuo da fertilidade. Julgo que serve de curta transição para uma política sem constrangimentos ao número de filhos. Caso não haja aumento da taxa de fertilidade após a eliminação das restrições sobre os nascimentos, o Governo chinês irá virar-se para uma política pró-natalidade”, diz ao PLATAFORMA.

Após a reforma que admitiu estatuto excepcional para casais onde um dos membros fosse filho único, em 2013, 1,39 milhões de famílias requereram autorização para um segundo filho. A Comissão de Saúde e Planeamento Familiar, responsável pelas políticas de natalidade no país, previa a adesão de dois milhões de casais.

Para vários peritos em demografia, a flexibilização anterior, tal como a actual, pecou por tardia, e por não levar em linha de conta a tendência de as famílias conceberem n a s c i m e n t o s planeados onde pesam hoje, sobretudo, considerações sobre a oferta de serviços infantis e custos com a educação.

Estudos realizados por Liang Jiangzhang, um dos demógrafos em oposição à política de filho único, indicam que entre os anos de 1980 e 2011 as intenções de fertilidade das famílias se mantiveram reduzidas, passando de 1.6 filhos por casal para 1.8 filhos por casal.

As autoridades poderão cedo perceber que esta política não é suficiente para prevenir o declínio contínuo da fertilidade. Julgo que serve de curta transição para uma política sem constrangimentos ao número de filhos. O Governo chinês irá virar-se para uma política pró-natalidade. (Jiang Quanbao)

Jiang Quanbao nota que não basta permitir o alargamento das famílias, sendo antes necessário incentivá-lo. “Primeiro, é importante sensibilizar para os benefícios de haver mais crianças”, refere. “Em segundo lugar, é necessário criar uma atmosfera favorável às mulheres e à parentalidade em termos do retorno das mulheres ao trabalho, dos serviços de apoio à infância, de reduzir os encargos com a educação”.

Mas o país poderá ir mais longe e adoptar incentivos menos consensuais. “A China poderá seguir a experiência de outros países garantindo benefícios materiais e subsídios àqueles que têm mais filhos”, admite o académico.

Num estudo recente por economistas do Fundo Monetário Internacional – entre os quais, Vítor Gaspar, antigo ministro das Finanças de Portugal – sobre as consequências fiscais da redução das populações, a instituição desaconselha que a China empreenda tal política.

“Na China, um pequeno efeito demográfico pode ser esperado da flexibilização da política de filho único, mas os efeitos a longo prazo são altamente incertos”, afirma o FMI socorrendo-se de dados produzidos por Jiang Quanbao. “No geral, mesmo com um impacto mínimo na fertilidade, as evidências apontam para a necessidade de assegurar políticas que encorajem a participação no mercado de trabalho (por exemplo, através de deduções fiscais e acesso a cuidados infantis) e de evitar políticas que apoiem subsídios à parentalidade não dirigidos e onerosos”, recomenda.

Segundo os dados das Nações Unidas, apenas 70 por cento das mulheres chinesas estão integradas no mercado de trabalho. O Governo Central tem também o objectivo de aumentar a idade de reforma de homens e mulheres – actualmente 50 anos e 60 anos, respectivamente. A esperança média de vida na China Continental deverá ser em 2020 de 76.5 anos, aumentando para 78.6 anos em 2030.

Ainda que nem todos convirjam na convicção de que as mudanças actuais terão um forte impacto demográfico, a perspectiva de uma procura acrescida por creches e escolas será, segundo Jiang, um dos factores ponderados na abordagem de liberalização gradual da natalidade.

“Há outros estudos em chinês que indicam que, apenas com a política de dois filhos, o número anual de nascimentos pode aumentar para entre 30 a 40 milhões. Trata-se da estimativa de um número bastante grande com implicações políticas”, considera o académico.

As mudanças graduais nas políticas de controlo da natalidade têm andado a passo com os planos para a generalização de um sistema público de pensões, no qual actualmente apenas as zonas urbanas oferecem vinculação efectiva de contribuições por parte de empregadores e trabalhadores.

O sistema aplica-se apenas voluntariamente aos trabalhadores rurais e trabalhadores migrantes oriundos das zonas rurais. No caso destes últimos, as empresas que os contratam nas cidades mostram-se relutantes em fazer pagamentos adicionais para a segurança social, e mesmo os trabalhadores continuam a ver poucas vantagens na adesão.

Mas a implementação de um sistema unificado de segurança na aposentação, prevista para 2020, enfrenta à partida um problema de desequilíbrio à medida que o número de idosos a suportar alarga e menos crianças (futura mão-de-obra) nascem para financiar as pensões da gerações anteriores.

Por outro lado, a modernização e processo de urbanização do país têm posto em causa as redes tradicionais que sustentam os idosos. “Nos próximos anos, os modelos tradicionais nos quais os pais dependem dos filhos do sexo masculino na terceira idade vão tornar-se gradualmente menos importantes, e menos disponíveis. As pessoas terão de procurar outras redes de apoio, algo para que, na minha opinião, nem o Governo nem a própria população estão preparados”, defende Jiang.

“Ninguém sabe hoje dizer como será possível desenvolver e aprofundar a segurança social. Não creio que os decisores chineses estivessem preparados para este dilema”, afirma.

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Por outro lado, ao contrário de outros países onde a imigração tem contribuído para colmatar o envelhecimento demográfico, a China não dispões do mesmo nível de abertura à integração de estrangeiros. Nem dos mesmo tipo de procura. “A imigração internacional é relativamente pequena e negligenciável no quadro da população chinesa. Mesmo que haja alterações de política, a imigração não servirá de contra-medida ao envelhecimento”, acredita o demógrafo da universidade de Xian.

As Nações Unidas projectam que em 2050 a China receba uma imigração anual líquida superior a 100 mil pessoas, não estando no entanto entre os principais pontos mundiais de recepção de mão-de-obra externa.

Maria Caetano

13 DE NOVEMBRO 2015

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