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JUNKETS DEBAIXO DE FOGO

 

Desde 1 de janeiro que cerca de dez promotores de jogo solicitaram à Direção de Inspeção e Coordenação de Jogos o cancelamento das respetivas licenças, informou o organismo ao Plataforma Macau. Especialistas alertam que só os grandes conseguirão sobreviver a um maior controlo sobre a sua atividade, prevendo que a quota de mercado do setor VIP caia para cerca de 50%. 

 

“Só se perde se já se ganhou”. O ditado é chinês e é conhecido entre quem se move no mundo do jogo de Macau. Ele aplica-se normalmente a jogadores, mas ganha hoje também sentido para quem aposta alto no negócio dos casinos.

Os tempos áureos do pós-liberalização, em que o céu se afigurava como o limite no que toca ao crescimento das receitas dos casinos, parecem fazer já parte do passado. Os promotores de jogo estão entre os protagonistas do ‘milagre’ económico de Macau, tendo ajudado a transformar a cidade na capital mundial das apostas. São estas empresas e indivíduos que geram mais de metade das receitas do setor, o motor da economia local já sete vezes mais lucrativo do que Las Vegas. Os junkets, como também são conhecidos, conseguiram-no, como o seu próprio nome indica, proporcionando viagens a Macau a grandes jogadores do outro lado da fronteira, facilitando-lhes, através de operações opacas, apostas milionárias nas mesas de pano verde da Região Administrativa Especial chinesa.

Em junho do ano passado, sinais surgiram de que a “festa” poderá ter chegado ao fim. As receitas caíram nesse mês pela primeira vez em cinco anos e o setor fechou 2014 com uma quebra inédita desde a entrada de novos operadores no mercado, há cerca de uma década. Janeiro foi o oitavo mês consecutivo de queda das receitas.

A pressão vinda da China, dos Estados Unidos, dos media e dos próprios casinos colocou os junkets sob fogo.

Investigações lançadas pela vizinha Hong Kong e pelos Estados Unidos por suspeitas de lavagem de dinheiro e ligações ao crime organizado, a par do abrandamento económico da China, de onde chega a maioria dos apostadores, e da campanha anticorrupção liderada pelo Presidente chinês, Xi Jinping, viraram o jogo e colocaram sob teste os junkets, que, apesar de licenciados, não estão sujeitos ao mesmo escrutínio regulatório que os casinos.

“Penso que a maior pressão vem dos média, que levaram o Governo de Macau a agir. Não penso que a atual situação esteja diretamente relacionada com a campanha anticorrupção na China continental, mas o principal problema é o facto de o Governo de Macau estar a querer implementar regras mais rigorosas sobre a atividade dos junkets”, defende o académico Zeng Zhonglu, que faz pesquisa sobre o jogo VIP.

As mesmas notícias fizeram eco em Pequim e em Washington e tornaram inevitável a ação de Macau sobre um segmento que se assumia como a “galinha dos ovos de ouro”.

“As ações de combate à lavagem de dinheiro estão diretamente relacionadas com o combate ao terrorismo e este é um objetivo sério do Governo norte-americano, pelo que tem este incentivo [para exercer pressão sobre Macau]”, disse o professor do Centro Pedagógico e Científico na Área do Jogo do Instituto Politécnico de Macau.

Para Zeng Zhonglu, Macau tem também promessas a cumprir enquanto membro do Grupo da Ásia Pacífico contra a Lavagem de Dinheiro e a intervenção atual do Governo local no mercado do jogo não é mais do que o cumprimento de um dever.

O fraco poder de negociação dos pequenos junkets com os casinos quanto a comissões, os casos tornados públicos sobre alegadas atividades ilegais dos promotores de jogo e as medidas implementadas pelo Governo para regular a atividade de instituições financeiras, como a Union Pay, que apoiam as operações dos junkets criaram a atual situação de “consolidação” desse negócio, defende o diretor do Instituto de Estudos Sobre a Indústria do Jogo da Universidade de Macau, Davis Fong. “Houve muita coisa a acontecer que envolveu os junkets e isso levou o Governo a adotar medidas mais sérias para regular a sua atividade”.

A pressão é demasiado grande para alguns e há quem não resista. No espaço de um ano e até 20 de janeiro, 34 junkets deixaram o mercado, segundo dados oficiais. Entre 01 de janeiro e 06 de fevereiro, cerca de 180 promotores de jogo estavam licenciados, “dos quais cerca de dez apresentaram o pedido para cancelamento da respetiva licença”, indicou a Direção de Inspeção e Coordenação de Jogos numa resposta ao Plataforma Macau.

“Há um incentivo económico por detrás desta consolidação, pois verifica-se uma tendência de os junkets mais pequenos se juntarem e formarem um junket maior para conseguirem reclamar uma maior comissão dos casinos, e, por outro lado, a concorrência e algumas atividades ilegais tornaram difícil a sobrevivência de pequenos junkets”, explica Davis Fong.

Zeng Zhonglu prevê que o número de promotores de jogo vá cair ainda mais. “Os mais pequenos ou os que não observarem as regulações de forma rigorosa talvez venham a ter problemas em continuar as suas operações”. No entanto, segundo estes analistas, o cenário não é de sentença de morte para os promotores de jogo, que se espera que continuem a operar futuramente.

O Plataforma Macau contactou alguns junkets, que indicaram não comentar neste momento questões relacionadas com casinos.

 

DSAL RECEBE QUEIXAS

 

A saída do mercado por alguns junkets ou a sua reorganização tem-se traduzido no encerramento de salas VIP nos últimos dois meses. Uma fonte do setor VIP, que não se quis identificar, indicou que cerca de 140 salas já foram encerradas.

Esta situação tem-se refletido em cortes de postos de trabalho e a Direção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) recebeu, desde dezembro, queixas de 49 trabalhadores de três salas VIP relacionadas com “despedimentos e indemnizações”, indicou o organismo a este jornal.

De acordo com o presidente da associação Forefront of Macau Gaming, Ieong Man Teng, já foram fechadas 100 salas VIP na cidade, o que se traduziu no despedimento de “mais de 1000 trabalhadores”, mas “muitos casinos preparam-se para abrir novamente essas salas”.

 

MENOS JOGADORES VIP

 

Apesar do momento conturbado que o setor vive e das restrições impostas no ano passado por Pequim a entradas em Macau de visitantes da China continental, Zeng Zhonglu considera que a “procura está ainda aí”, embora o “número de jogadores VIP esteja a cair”. “Por causa do ajustamento da prática dos junkets a nível local, casinos de outros países estão a tentar atrair promotores de jogo de Macau”, sustentou o académico dando o exemplo do NagaWorld, no Camboja, que “viu o negócio das salas VIP aumentar 36% no ano passado”.

Os junkets estão então a desviar grandes apostadores chineses de Macau para “o Camboja e as Filipinas, que não têm regulações rigorosas sobre a sua atividade”.

Por outro lado, aponta Davis Fong, a campanha anticorrupção na China está a fazer com que “alguns grandes apostadores também estejam a evitar vir a Macau”.

Mas esta situação, dizem os dois analistas, terá um efeito apenas a curto prazo. “A campanha não ‘mata’ os jogadores nem afeta o seu bolso e julgo que vão regressar ao fim de alguns meses”, prevê Davis Fong. Por outro lado, Macau oferece vantagens competitivas em relação a eventuais concorrentes regionais. “As Filipinas, por exemplo, têm muitas questões de segurança, de transferência de dinheiro, fica mais longe da China e Macau oferece ainda uma melhor qualidade de serviço”.

Um funcionário de salas VIP de Macau disse, sob anonimato, que “há muitos jogadores que estão a ir para outros mercados, mas o volume de apostas não será elevado, pois é mais difícil levarem para lá dinheiro e também porque a China não quer que saia dinheiro do país, sendo considerado então preferível jogarem em Macau”.

Na semana passada, Hua Jingfeng, um funcionário do Ministério da Segurança Pública da China, afirmou que o Governo está a combater as tentativas de casinos estrangeiros de atraírem jogadores chineses. Davis Fong salientou que, “na China, o jogo em casino só é legal em Macau e esta é a principal vantagem do mercado em termos políticos”.

Uma fonte do setor VIP salientou, sob anonimato, que “é comum jogadores chineses reunirem-se em locais na China continental para jogar bacará, escolhendo uma mesa de um casino de Macau, onde têm representantes a assistir ao jogo ao vivo que lhes transmitem por telefone o resultado, sabendo assim quem ganhou e quem perdeu no grupo que aposta do outro lado da fronteira”. Hua Jingfeng afirmou também, na semana passada, que o jogo ilegal continua a ser um problema na China, apesar dos esforços do Governo para o combater.

O que poderá ter um maior impacto e mais prolongado sobre o mercado de jogo de Macau é então, segundo o académico da Universidade de Macau, a “nova normalidade da China”. “Não podemos esperar um elevado crescimento do PIB chinês nos próximos anos e um abrandamento económico a longo prazo afetará o bolso dos jogadores chineses, então teremos de também abrandar as nossas expectativas em relação às receitas do jogo”.

 

EFEITOS NA CIDADE

 

O abrandamento do setor do jogo, dependente do mercado chinês, está a ter consequências visíveis na cidade. Desde o final de 2014 que se registam menos visitantes e menos hóspedes, os turistas estão a gastar menos, o comércio a retalho vê o negócio a encolher e as transações de imóveis estão também em baixa para níveis só registados em 2009.

Um funcionário de um stand de automóveis de luxo em segunda mão constatou que “nos últimos dois meses há mais veículos destes à venda, mas há menos compradores”, situação que disse afetar também os stands das próprias marcas.

A Companhia de Parques de Macau rebocou em 2014 um total de 65 carros particulares das ruas do território que foram abandonados pelos proprietários, mais 15 do que em 2013 – e só desde novembro rebocou 24 na mesma situação.

“Não é um número normal”, disse ao Plataforma Macau o diretor executivo, Lei Kuong Wa, ao salientar que “alguns desses carros são antigos, mas outros têm matrículas de 2014”.

Vicente Serafim, CEO da Macau Jet International, explicou que a “grande maioria dos junkets tem os seus próprios aviões” e que “há até gente a vendê-los”.

Por outro lado, a Polícia Judiciária registou no ano passado 3023 crimes relacionados com o jogo, mais 16,3% face a 2013.

 

NEGÓCIO VIP DEVE CAIR MAIS

 

No ano passado, o segmento VIP gerou 212,54 mil milhões de patacas, ou seja, 60,5% das receitas de todo o setor, menos 11% do que em 2013, e só no último trimestre do ano caíram 29%. Os analistas esperam a manutenção desta tendência, estimando uma quota de mercado para o jogo VIP na ordem dos 50% nos próximos dois, três anos.

“Se os junkets observarem as regras do Governo não poderão levar mais a cabo algumas das suas práticas, portanto, o crescimento das receitas VIP manter-se-á estável ou cairá um pouco, mas acho que a pior fase está praticamente a terminar e as receitas dependerão no futuro do crescimento do segmento de massas”, disse Zeng Zhonglu.

Davis Fong também considera que os junkets “não vão desaparecer”, até porque as operadoras ainda precisam deles, apesar de procurarem reduzir esta dependência tendo em vista maiores margens de lucro. “Os grandes ainda têm poder de negociação e conseguem trazer muitos jogadores, especialmente os que estão listados em bolsa e têm robustez financeira”.

Para este académico, “alguns junkets vão mudar de nome e tornar-se grupos grandes, tendência que deverá registar-se até meados do ano”. “Vão abrir novos casinos e vão precisar de parceiros, pelo que haverá novamente espaço para os junkets”.

No entanto, estima, “a rentabilidade dos novos projetos deverá vir mais de atividades extra jogo”. “Se olharmos para a Ásia, só Macau nos próximos anos vai acolher um investimento tão grande na área do turismo e do jogo, o que é uma vantagem competitiva”.

A Union Gaming prevê um aumento de 62% nas mesas de jogo e de 51% no número de quartos de hotel até final de 2017. Macau tinha, no final de 2014, 35 casinos, cerca de 5700 mesas de jogo e 28 mil quartos de hotel.

Para Zeng Zhonglu, o jogo em Macau “está perante o início de uma nova fase, em que a regulação dos junkets será mais rigorosa do que no passado”. “Eles continuarão a ter o seu papel, porque conhecem melhor os jogadores chineses e podem oferecer melhores serviços do que os casinos, mas o seu papel será menos importante e as operadoras vão ter maior controlo sobre as salas VIP e os junkets e procurarão atrair por si os grandes apostadores”.

Em 2013, a Sands, por exemplo, contratou ex-agentes do FBI para combater a lavagem de dinheiro, tendo elevado o controlo sobre a atividade dos junkets.

O cenário negro que muitos media têm pintado para o jogo em Macau passa muito, segundo o académico, “pelo ponto de vista do investidor, que está preocupado com o retorno dos investimentos a curto prazo”. “No entanto, a longo prazo a perspetiva é de que a indústria seja mais saudável”.

Ao referir que a tendência mundial é o jogo por prazer e não para se ganhar dinheiro, Zeng Zhonglu estima que “o número de grandes jogadores será cada vez menor” no futuro.

 

Patrícia Neves

 

 

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