Perguntava-me um amigo estrangeiro, acabado de chegar a Maputo, em que ruas ele podia circular à vontade.
– À vontade ?, perguntei, apenas para ganhar tempo.
O fulano ficou olhando o meu rosto pensativo. Poucos anos antes eu teria respondido sem muita hesitação. A cidade mantinha áreas de relativo sossego, onde o pacato cidadão podia circular sem riscos. Mas naquele dia eu acabava de receber a notícia que um colega meu do serviço, em plena Rua Joaquim Lapa, a escassos metros da Esquadra, tinha sido assaltado à mão-armada, em pleno dia. No dia anterior, assim rezava o jornal, uma mulher fora violada na marginal. Não acontecera no lusco-fusco. Sucedera à luz do dia. Na noite anterior eu escutara no noticiário televisivo bairros inteiros reclamando contra o reino de terror da bandidagem.
Na semana anterior, um estrangeiro que visitava a nossa empresa, próximo do Hotel Polana, tinha sido agredido por um grupo de jovens. Nós tínhamos informado esse mesmo consultor que o bairro era tranquilo e que ele podia caminhar pelas redondezas sem problema. Horas depois, estávamos visitando o pobre homem no Hospital.
– Ora caminhar à vontade …. – ruminei eu, já consciente do preço da minha demora.
O visitante salvou-me do embaraço, decidindo filosofar sobre a tendência universal do aumento da criminalidade. Eu acreditava que o mau momento passara quando ele lançou nova interrogação:
– E conduzir ?
– Conduzir ?
Ao menos, eu fizesse uso de mais imaginação. A repetição da pergunta era um estratagema que ameaça saturar.
– Sim, conduzir um carro? Acha que posso?
– Claro que pode, se tiver carta de condução.
– Tenho, sim. Mas é seguro?
– Bem… quer dizer… é preciso ter alguns cuidados…
– Como, por exemplo….por exemplo….
Desta feita, as imagens cruzaram-me a mente com a velocidade de um chapa cem. Como explicar ao pobre turista que nos semáforos não se arranca quando abre o verde. Como explicar que, em certas esquinas, o vermelho corresponde ao verde e só se pára no amarelo? Que em outros cruzamentos o verde corresponde ao amarelo?
Como esclarecer que os chapas nunca param nos semáforos e param sempre no meio da estrada?
O estrangeiro entendeu a demora na minha resposta.
Deve ter ficado a matutar: a pé não podia, de carro não devia. Como usufruiria ele da cidade?
E a mim mesmo eu me questionei: que cidade nos resta a nós, cidadãos de Maputo? Não podemos
oferecer a cidade aos outros porque ela está deixando de ser nossa.
– Deixe estar, disse ele para me tranquilizar. Eu vou ficando no Hotel.
Num impulso eu quase dizia: eu também me vou mudar para o seu Hotel. E enquanto conduzia
o meu amigo rumo ao seu alojamento eu fui olhando Maputo e pensando se como o cidadão está perdendo a cidade, como nos restam de Maputo as sobras daquilo que a voragem do caos não está ainda dominando.
*Savana/Moçambique