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UM PASSO À FRENTE, DOIS ATRÁS NA CAÇA FURTIVA EM MOÇAMBIQUE

 

De golpe em golpe, a imagem de Moçambique na área da conservação animal vai ficando pintada de negro. 

 

Há cerca de dois meses, o Presidente norte-americano, Barack Obama, recebeu um apelo para que a Moçambique fossem aplicadas sanções económicas por causa do abate desenfreado de rinocerontes e elefantes. O pedido foi feito por duas organizações que lutam para impor alguma decência na área:  a Agência de Investigação Ambiental (EIA) e a Fundação Internacional do Rinoceronte (IFR).

Obama fez ouvidos de mercador e o executivo de Maputo deve ter respirado de alívio. Mas também ninguém esperava que um pedido dessa natureza fosse acatado: depois de reprovar uma eventual adesão do nosso país a uma segunda leva dos fundos do Millennium Challenge Account por alegada gestão danosa, há interesses mais apelativos a preservar na área da indústria extractiva.

O Governo, contudo, não respirou de alívio sozinho. Bateram também palmas os donos da indústria da caça furtiva em Moçambique: um gang que junta operativos, intermediários, agentes da Polícia e dirigentes de alto nível da hierarquia do Estado. Quem já se fartou da complacência do Governo moçambicano face à atuação da indústria da caça furtiva é a África do Sul, que detém um dos maiores santuários de conservação do mundo, o Kruger Park. Poucos anos após o fim da guerra, nos finais dos anos 90, a RAS acedeu a uma ideia genial: um parque transfronteiriço com Moçambique e Zimbabwe.

Animais do Kruger foram transportados para estes dois países, mas quando se esperava que isso dinamizasse a vida animal e o turismo, com ganhos para a economia local, o que aconteceu foi uma razia. Elefantes e rinocerontes começaram a ser dizimados. No lado de Moçambique, o Parque Nacional do Limpopo (PNL) está no centro do furacão. Depois de muitos anos de busca de uma solução para estancar o drama, as autoridades do Kruger estão a ponderar retirar parte da população de rinocerontes da zona da fronteira com Moçambique. Medida idêntica já teve lugar do lado do Zimbabwe. A intenção carece ainda de uma decisão final, mas o aumento explosivo dos níveis de caça furtiva de rinoceronte, que resultam do aumento da demanda no mercado internacional, que procura sobretudo rinocerontes brancos e pretos.

 

LIGAÇÕES PERIGOSAS

Nos últimos anos, a situação da caça tornou-se grave. Desde 2006 a 2012, pelo menos cerca de 4.000 rinocerontes foram reportados como caçados ilegalmente em 11 dos 12 países africanos onde ocorrem estes animais. Cerca de 95% destes casos tiveram lugar na África do Sul e no Zimbabwe, considerados como o epicentro da crise de caça furtiva ao rinoceronte na África Austral. Dados na posse do SAVANA atestam que a caça do lado de cá, com efeitos aterradores do lado de lá, envolve sindicatos bem organizados, numa indústria que movimenta cada vez mais dinheiro. Organizações ambientalistas baseadas em Moçambique têm denunciado uma complacência das autoridades locais, mas isso nem sempre é aceite pelo Governo. No terreno, as evidências mostram uma promiscuidade de agentes policiais. Por exemplo, o número de armas apreendidas no PNL tem aumentado e muitas delas têm ligações com a Polícia.

Recentemente, uma arma do magazine da PRM em Massingir foi apanhada três vezes consecutivas em atividades de caça furtiva no PNL. A conivência de agentes da Guarda Fronteira e da PRM teve uma repercussão este ano. Entre janeiro e fevereiro, uma unidade policial em Massingir foi mudada em resultado de evidências que mostravam o seu envolvimento na caça furtiva. As estatísticas mais recentes colocam o aeroporto de Maputo como um centro de trânsito do produto da caça de rinoceronte para mercados asiáticos. Só nos primeiros três meses deste ano foram apreendidos seis chifres de rinoceronte. Em todo o ano de 2013 foram 20. Estes dados estão ainda longe de espelhar a dimensão do problema, disse um ativista de conservação. A inspecção não é necessariamente rigorosa e nem tudo o que é eventualmente detetado é reportado.

 

ELEFANTES NA MIRA

Moçambique tem uma vastíssima linha de fronteira e, por isso, a situação no sul não dá um quadro global. Na Reserva Nacional do Niassa, a caça furtiva ao elefante já atinge cifras gritantes. Entre 2009 e 2011, o número de carcaças de triplicou de 756 para 2.365, refere um relatório recente do WWF (Fundação para a Conservação da Natureza), sugerindo o envolvimento de caçadores furtivos da Tanzânia. O uso de armas pertencentes à Guarda Fronteira e à Polícia da República de Moçambique também foi indicado.

O marfim é transportado para fora do país quer através da vasta fronteira, ou por via dos aeroportos e portos. Em janeiro de 2011, no porto de Pemba, foram apreendidas 126 pontas de marfim (63 elefantes abatidos ilegalmente) num contentor com madeira em toros, com destino à Ásia. Mas esse dado é como a ponta de um iceberg: apenas uma pequena percentagem de contentores (menos de 5%) é inspecionada e os métodos usados ainda são arcaicos.

Controlar a caça furtiva é uma empreitada difícil no atual contexto.

A fiscalização ainda é permissiva à manipulação, para além da recorrente falta de meios (pessoas e dinheiro). E até bem pouco tempo, o quadro legal era irrelevante do ponto de vista de dissuasão, nomeadamente contendo penas fracas. No passado mês de abril, a Assembleia da República aprovou uma nova lei para as Áreas de Conservação, com o principal intuito de se reorganizar o sistema de gestão. A nova lei prevê penas de prisão maior (de oito a 12 anos) para pessoas que tiverem abatido, sem licença, qualquer elemento das espécies protegidas. É uma mudança positiva, mas os atores do sector creem que o novo quadro legal vai precisar de uma reforma profunda no setor da fiscalização, que inclua a redução da corrupção e confrontações mais violentas entre os furtivos e fiscais.

 

Marcelo Mosse

Savana

 

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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