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Francis Choi Chi U – A LUZ DA MINHA VIDA RICA

Macau, também conhecida por Cidade do Nome de Deus de Macau, foi uma colónia de Portugal. Em 1568, o Catolicismo era a religião do Estado em Portugal e o Bispo D. Belchior Carneiro foi enviado para Macau. No ano seguinte, com o consentimento do Arcebispo Jesuíta em Portugal, fundou a Santa Casa da Misericórdia, para fornecer serviços do âmbito social e cuidados de saúde. Em 1561, foi criado o Colégio Jesuíta de São Paulo, que, em 1594, se tornou universidade, sendo a primeira instituição de ensino superior do Extremo Oriente. Em 1581, chega a Macau o jesuíta espanhol Matteo Ricci, vindo estudar a língua e cultura chinesas na Universidade de São Paulo, tendo também iniciado atividades de intercâmbio académico e cultural. Desde então, as atividades educacionais dos jesuítas mantiveram-se e desenvolveram-se até hoje em Macau.

Em 1961, o português Padre Benjamim Videira Pires fundou o Instituto D. Belchior Carneiro, uma instituição grátis para que as famílias pobres também pudessem usufruir de educação. Eu nasci nesse ano e em 1964 entrei para o Instituto, tendo acabado o liceu em 1979. Ao longo dos anos, o Padre Videira Pires levou-me a ter uma vida rica. Também testemunhei a sua excepcional contribuição para a cidade de Macau.

 

O EXORCISTA DE MACAU

 

Quando estava no jardim de infância, havia um estrangeiro que usava óculos de armação grossa, que costumava patrulhar os corredores. O professor dizia que era o nosso presidente. Lembro-me de uma tarde quente, tínhamos acabado de acordar da sesta e, de repente, o Padre Videira Pires entra na nossa sala, arranca o terço que trazia ao peito e atira-o energicamente contra as paredes. De um modo impressionante, as paredes começam a segregar um líquido verde escuro, que parecia sangue. Eu apenas estava lá sentado, assistindo a tudo. Convenci-me de que neste mundo existe o diabo. E ainda mais convencido fiquei de que o Padre Videira Pires tinha o dom de exorcista. Em criança, tinha medo do escuro e do diabo, mas depois de ter assistido a esta cena, também eu me queria tornar num padre exorcista.

No início da construção do Instituto só havia edifícios baixos e algumas salas de aula. Passados anos a angariar fundos, testemunhei a construção, um após o outro, dos edifícios altos, o sistema educacional desde o jardim infantil, passando pelo ensino básico, até ao liceu. A escola tornou-se perfeita, equipada com todas as comodidades. Como estudante de liceu, já sabia que em Macau existiam três grandes caridosos. O primeiro era o Padre Videira Pires, o segundo o Padre Luis Ruiz Suarez e o terceiro o Padre Gaetano Nicosia.

O Padre Videira Pires é um historiador, um prestador de serviços, muitas vezes viaja para a Europa e para o Estados Unidos da América para discursar em angariações de fundos. É claro que o Padre Videira Lopes tem uma família forte, amplos contactos políticos e económicos, fazendo com que o seu trabalho de angariação de fundos seja interminável. Os Padres Luis Ruiz Suarez e Gaetano Nicosia são ambos conhecidos como filantropos ascéticos, contando com o seu carácter nobre e charme pesoal, inspirando a boa vontade em todas as pessoas do mundo, atraindo assim uma fonte infinita de doações.

 

HISTORIADOR DE MACAU

 

O Padre Pires confiava totalmente nos seus chefes de departamento, escondendo-se frequentemente no seu escritório a estudar História ou a escrever livros. Às vezes, tinha a oportunidade de ir ao gabinete do presidente e via os papéis espalhados sobre a mesa e o sofá. Uma ou duas vezes tive também a oportunidade de ir com o Padre Pires à praia de Hac Sa, em Coloane, para andarmos de cócoras no chão, a escavar a areia à procura de objectos de pedra, colecionando as histórias dos antepassados de Macau, nunca parando de escrever o livro gigante da história da cidade.

 

PROEMINENTE REITOR DE MACAU

 

No Instituto D. Belchior Carneiro tive desde pequeno a impressão de que a escola adotava a livre política do “deixa andar”, não interferindo com as aulas dos professores, nem com os alunos, especialmente com as atividades extracurriculares destes. Os alunos vinham de todos os lados. Havia alunos de topo e alunos menos inteligentes, havia alunos das familias da máfia, era realmente uma educação para todos. Talvez por causa desta liberdade, professores de alto nível eram atraídos para ensinar no instituto, elevando consideravelmente o nível de educação da escola e aumentando potencialmente a competitividade dos estudantes pobres.

No último ano do liceu, estava ansioso para receber o batismo. O Padre Pires recomendou então que eu frequentasse a disciplina de Educação Moral. Após cuidada consideração, ele próprio me batizou, tonando-me assim católico.

Após a Revolução de 1949, o Partido Comunista chegou ao poder na China continental, tendo perseguido os católicos. Os jesuítas também sofreram desse mal. Nessa altura, muitos missionários fugiram para as escolas de Macau, mantendo relações estreitas com o Ministério da Educação de Taiwan. Por causa desta relação, após acabar o liceu, fui para Taiwan para frequentar o ensino profissional. Mais uma vez, senti o chamamento dos Jesuítas. Depois de me formar, regressei a Macau. Servi com felicidade a escola jesuíta e fundei o Colégio jesuíta Estrela do Mar, do qual fui presidente durante dez anos.

Nas férias de verão de 1981, quando voltei a Macau, notei que tanto o meu bilhete de identidade como o passaporte português tinham caducado. Logo regressei à alma mater para encontrar o Padre Pires. Não me tendo dito duas palavras, fez um telefonema em português, pegou-me na mão e levou-me ao gabinete respectivo, no Edifício Holland Park. O mais alto responsável veio cumprimentar pessoalmente o Padre Pires, susurrou-lhe algumas palavras e disse-me, através de um intérprete, que iria rapidamente tirar as impressões digitais e a fotografia… Ah! O Padre Pires é mesmo grande, até parece que tem vastos poderes mágicos.

 

A VELHICE É ESTIGMATIZADA

 

No ano de 1995, explodiu o “evento do Instituto” e sou convidado pelos jesuítas a participar. Quando estava a entrar na escola com os Padres Luís Sequeira, Joseph Tai Yu-kuk, Tam Chi Cheng, entre outros, vejo uma mulher que segurava um leque de papel. Dentro do leque estava uma pequena faca, com a qual cortou a cintura do Padre Pires. Nestas situações não importa quem lá está e eu senti-me mal por não ter conseguido evitá-la.

Naquele momento, a grande homem no meu coração ficou estigmatizado. Depois disto, e após ter terminado o “evento”, a escola básica fundada pelo Padre Pires foi fechada pelo Serviços de Educação, os jesuítas deixaram de administrar o liceu, e, em 1999 o Colégio Matteo Ricci passará para as instalações do Instituto Belchior Carneiro.

 

REGRESSO À CASA PATERNA

 

Em janeiro de 1999, o Padre Pires morre em Portugal, aos 82 anos. A figura exorcista da minha infância, o caridoso que tantas vezes se ausentava da escola para ações de caridade, a bolsa de estudos gigante da sala do diretor, as pegadas dos antropologistas pela praia, respeitado por celebridades e políticos, o presidente que trabalhou incansavelmente para os seus alunos, o Padre Pires passou pelos dias de glória por que todos os padres jesuítas passaram. Um missionário jesuíta que veio lá de longe, de Portugal, defensor do espírito pioneiro dos jesuítas, seguidor da linha de ensino de D. Belchior Carneiro, tornou-se no gigante educador e historiador de Macau. E é também a luz no caminho da minha vida adulta!

 

Francis Choi Chi U,

Professor de Gestão de Recursos Humanos na Educação

 

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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