Início Opinião Henrique Raposo – O TIKI-TAKA É METROSSEXUAL

Henrique Raposo – O TIKI-TAKA É METROSSEXUAL

Tenho uma confissão a fazer: já adormeci num estádio de futebol. Este triste episódio da minha biografia futebolística ocorreu no Benfica-Barcelona da fase de grupos da Liga dos Campeões da época passada. Apesar do frio de Outubro, cochilei como um bebé na minha cadeira do Estádio da Luz. Não, não estava cansado. Não, a minha filha não tinha passado a noite anterior a berrar por causa de cólicas cavernosas. O problema foi mesmo o estilo de jogo do Barcelona. O tal tiki-taka é um tédio, um bocejo, aliás, é a solução perfeita para as insónias. Se o meu caro leitor anda com problemas de insónias faça o favor de seguir este receituário: coloque o “Best of” do Barça no DVD do quarto e garanto-lhe que vai adormecer como um cachorrinho aninhado na mamã; não precisa de contar carneiros, só tem de contar o número de passes entre Xavi, Piqué, Puyol e Iniesta. Sim, ver o Barça é tão entusiasmante como ver um campeonato de croché. Isto porque Guardiola e Xavi desvitalizaram o jogo, roubaram-lhe a emoção e aquela carga dramática que advinha das cavalgadas em direção à baliza contrária. Através dos intermináveis passes laterais, o tiki-taka é o anti-futebol, é um meiinho circular e masturbatório, é um futebol depilado e metrossexual jogado por anões bonitinhos e insonsos. Estou até desconfiado que esta malta fica de castigo quando aparece com a camisola suada no balneário.

A selecção espanhola, atual campeã do mundo, aproveitou este estilo de jogo, que continua a ter uma incompreensível boa imprensa. Não entendo, por exemplo, a tese que considera que o “tiki-taka é futebol pró-ativo”. Pró-ativo? Mas como? Se fosse um comprimido, a Espanha não seria o Viagra mas sim o Xanax ou qualquer outra alquimia destinada a acalmar a malta. Ao contrário do que diz, o tiki-taka não é uma máquina ofensiva. É, isso sim, um gigantesco sistema defensivo, é uma forma de congelar o jogo, é um escudo que evita ataques do adversário. No Barcelona, esta pulsão defensiva é disfarçada pela presença de Messi. O argentino é a nesga de humanidade que anima aquela pasmaceira de autómatos. Mas a Espanha, que é o Barça sem Messi, já não consegue disfarçar o verdadeiro ADN do tiki-taka. No fundo, a seleção espanhola é a Mata-Hari em chuteiras: à superfície parece ofensiva, mas na verdade é uma agente infiltrada do futebol defensivo. Sim, a Espanha joga uma espécie de catenaccio com decote e maquilhagem; está enfeitado, sim senhora, mas não deixa de ser catenaccio. Quando começam ali a passar uns para os outros, Piqué, Puyol, Xavi e Iniesta não estão a dar espetáculo, estão apenas a impedir que a outra equipa jogue à bola; o tiki-taka nasce do medo de sofrer golos, não do desejo de os marcar. Os espanhóis acabam por marcar porque cansam os adversários com aquela lengalenga. Portanto, se o meu caro leitor está mesmo interessado em “futebol pró activo”, sugiro que olhe para a Alemanha, a selecção que carrega contra as linhas adversárias ao som de Wagner ou Beethoven. Ao pé da Cavalgada das Valquírias que é a Nationalmannschaft, a seleção espanhola é musiquinha de elevador.

 

Não é por acaso que Pep Guardiola está a ter problemas no Bayern de Munique. Só passou uma época, mas adeptos, jogadores e até dirigentes (Beckenbauer, por exemplo) já estão fartos do pedantismo estilístico de Guardiola. Não surpreende. O Bayern era a melhor equipa europeia, apresentava um futebol de cavalgadas wagnerianas, tambores de guerra, piques de velocidade e panzers a invadir a Polónia. Agora o Bayern é uma contradição em termos: Guardiola colocou blindados a fazer croché no meio-campo, colocou gladiadores a dissertar poesia pacifista. E o problema está precisamente aqui: ao invés de Mourinho, Guardiola não percebe que um estádio de futebol é uma arena como o velho Circo Romano, é um palco de luta e drama, de suor e corridas desenfreadas e, acima de tudo, é um espaço de partilha emocional entre gladiadores e público. Ao congelar a emoção naquela rede interminável de passes, o tiki-taka perverte a essência do futebol. Aliás, esta é a traição final dos espanhóis. Jogam com um profundo desprezo pelas 60 mil pessoas que estão ali no estádio, pessoas que querem vibrar, xingar e chorar.

É como se jogassem num estúdio de TV, indiferentes à vibração do público que pede sangue.

Mas, graças a Deus, 2014 está a ser o ano horrível do tiki-taka. O império catalão está a chegar ao fim. O Barça perdeu tudo para os rivais de Madrid e, como já vimos, o Bayern de Guardiola dá evidentes sinais de desgaste. Depois de encaixar um cabaz de quatro golos do Real Madrid nas meias-finais da Liga dos Campeões, Guardiola disse o seguinte: “Hoje perdemos porque não fizemos posse de bola.” Convém frisar que o Bayern teve 64 por cento de posse de bola neste jogo. Repito: 64 por cento. É aqui que os reinados começam a ruir: na arrogância que origina a negação da realidade. E, verdade seja dita, o tiki-taka teve sempre uma enorme arrogância ideológica. Sim, ideológica. Quando falavam das outras equipas, Piquet e Xavi assumiam uma posição de intrínseca superioridade moral e desprezavam aqueles que recusam prestar vassalagem ao tiki-taka. Mourinho, por exemplo, foi sempre desrespeitado por esta aristocracia catalã, uma aristocracia que julgava ter a última palavra em qualquer debate e que se julgava dona da única forma legítima de jogar futebol. Era como se o objetivo do futebol não fosse a marcação de golos mas o onanismo estatístico da posse de bola. Era como se toda a gente fosse obrigada a gostar do tiki-taka, era como se este estilo fosse a verdade revelada do futebol. Como Deus é brasileiro, o Mundial de 2014 enterrará de vez esta arrogância. O nariz empinado e metrossexual do tiki-taka morrerá no Rio.

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