A primeira apresentação das Linhas de Acção Governativa, após consolidação formal do poder Executivo como estrutura dominante sobre o Legislativo, marca uma viragem política em Macau. Já não se trata apenas da percepção difusa sobre a hierarquia entre os órgãos de soberania; é agora reconhecida, assumida e integrada no funcionamento institucional. Foi precisamente nesse cenário que a Assembleia Legislativa (AL) recebeu o Chefe do Executivo e os secretários – não como palco central, mas quase como extensão.
A escolha de André Cheong – ex-secretário para a Administração e Justiça e figura de confiança do núcleo do Executivo – para presidir à AL não é acidental. Antes representa o culminar de um processo de alinhamento político que se vinha aprofundando e agora encontra expressão plena. A presença de alguém vindo do coração do Executivo, com décadas de proximidade ao centro de decisão, simboliza a nova natureza da AL: uma casa que continua a existir formalmente, mas que passou a integrar, sem reservas, uma lógica mais vertical de governação.
Este reforço do Executivo pode – e deve – ser lido como um teste: à governação eficaz; à eficácia, à decisão; à visão estratégica; políticas com rigor; e resposta, com transparência, às necessidades reais da sociedade
Esse novo ambiente institucional ficou evidente no discurso. Não apenas pelo conteúdo, mas pela forma. O tom mudou – e mudou de forma inequívoca. Onde antes havia um espaço, ainda que restrito, para ressalvas, hoje há uma cadência constante de elogios às políticas governativas. Os deputados sabem que o seu papel, cada vez mais, é o de confirmar prioridades, validar direções e reforçar a mensagem da Administração. E fizeram-no, na sua maioria, sem hesitação. A crítica transformou-se em aplauso; a interrogação em deferência; o debate em eco.
Há quem veja neste realinhamento um retrocesso – e há argumentos para isso. Secundarizar o Legislativo significa menos escrutínio, menos vozes e menos confronto saudável de ideias. Mas importa também reconhecer a responsabilidade do Executivo. Ao assumir, sem ambiguidades, papel central na arquitetura política, o Governo não tem desculpas. Não pode atribuir responsabilidades ao funcionamento institucional, às limitações do processo legislativo, ou à necessidade de compromissos políticos. Agora, as falhas serão suas; as escolhas; e as consequências.
É por isso que este reforço do Executivo pode – e deve – ser lido como um teste: à governação eficaz; à eficácia, à decisão; à visão estratégica; políticas com rigor; e resposta, com transparência, às necessidades reais da sociedade. Se o Legislativo é hoje um adereço secundário, eleva-se a fasquia de quem governa. A centralização do poder só se justifica se vier acompanhada de centralização de responsabilidades.
É uma nova etapa. Vertical, alinhada; mas potencialmente mais clara na atribuição de responsabilidades. O Executivo lidera; agora tem de mostrar que sabe e merece.
*Editor-chefe do PLATAFORMA