Nos últimos meses multiplicaram-se debates entres gurus da diplomacia ocidental, mas também entre fontes chinesas, sobre as dificuldades que Xi Jinping enfrentaria no caminho das pedras para um quarto mandato. No fundo, a dúvida, que é metódica, repete-se ao longo dos séculos e tem sempre base em crises económicas – nesta altura acentuada pela bolha imobiliária – e nos bloqueios à globalização da economia chinesa –-neste caso por força da aliança sino-soviética e no cimento dos blocos de uma nova guerra fria. Esse debate, que faz todo o sentido teórico; é aliás estimulante. Mas os factos são o que são; e um debate que atropele o que está à vista mais não serve do que para iludir quem pensa sem ver; ou quem gosta de ver sem pensar. De facto, o que se viu nos últimos dias foram chefias militares a rolar e altos postos a cair, no Governo e no partido, numa demonstração da força de Xi que abre caminho à sua marcha, ainda longa, com meta no quarto mandato.
A política chinesa é feita de muitas sombras, muitos códigos difíceis descodificar; mas sabe-se, sem sombra de dúvida, que foi Xi Jinping a comandar a discussão do 15.º Plano Quinquenal, pese o longo processo de afinação e consultas – que o Partido Comunista descreve como prova de democracia. E foi ele que, mais uma vez, dirigiu a chamada renovação de quadros, na narrativa da modernização do partido, do Governo, e do país – e do castigo contra a corrupção como pedra filosofal da segurança nacional. Faltam ainda quase dois anos para a próxima decisão Presidencial, mas no próximo verão as espingardas estarão todas contadas, porque o grande petroleiro não muda de timoneiro de um dia para o outro. O que se passou agora em Pequim parece tão claro como pode ser claro o que se passa em Pequim.
Xi Jinping pode estar a fazer uma de duas coisas: por ser ele a comandar – uma ou outra – parece tudo fazer parte do mesmo. E faz… Mas uma hipótese é muito diferente da outra
Há sempre campo para dúvidas, sobretudo em matérias em que são muito poucos os que têm acesso a certezas. O que estará de facto Xi Jinping a fazer para garantir um quarto mandato; e, com ele, a estratégia que nos últimos doze anos privilegiou na China o orgulho nacional, a força e a aceleração da modernização industrial e tecnológica… uma China que assume ambições de liderança global e a primazia da segurança nacional, em detrimento do charme internacional. Há uma expressão muito ouvida na Tailândia, que é de uma enorme sapiência social e política: same same but different. Ou seja, Xi Jinping pode estar a fazer uma de duas coisas: por ser ele a comandar – uma ou outra – parece tudo fazer parte do mesmo. E faz… Mas uma hipótese é muito diferente da outra.
Vamos ter oportunidade de perceber nos próximos meses – até ao próximo verão – se Xi Jinping muda estruturas militares e políticas, simplesmente porque pode, retirando do palco quem não cita o mesmo texto; ou se está a abrir caminho para incluir tendências antes afastadas e que agora ganham força e circunstância para negociar o futuro.
A questão de fundo é saber se o partido amanhã resulta da construção de Xi; ou se, afinal, ele é apenas o ícone da construção que o partido faz dele. Não é uma questão de somenos, porque independentemente das linhas de força alinhadas, métodos e objetivos mudam de forma decisiva. Veja-se por exemplo, como tudo mudou depois da Covid-zero – sem que nada pareça ter de facto mudado. Seja como for – e ao dia de hoje – no centro do debate está a força Xi: seja aquela que tem, reforça e impõe; seja aquela que lhe dão e ele quer exercer.
*Diretor Geral do Plataforma