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Trump não está contra a China está contra o mundo

Fernando M. Ferreira*

Donald Trump voltou a declarar guerra à China – mas, desta vez, fê-lo em nome da “unidade global”. A ironia é gritante: o mesmo presidente que ameaça os seus aliados com tarifas, bloqueia acordos comerciais e sabota consensos multilaterais, pede agora uma frente comum contra Pequim.

Entre o elogio e a ameaça, Trump volta a mostrar o seu estilo imprevisível – ora exalta a sua “relação muito boa” com Xi Jinping, ora promete retaliações e boicotes. É a diplomacia como espetáculo, onde cada gesto serve antes de mais o jogo interno – e externo – norte-americano. Veja-se o caso da Argentina: se Javier Milei vencer as eleições, o entusiasmo de Trump será imediato – não por solidariedade com Buenos Aires, mas porque reconhecerá em Milei uma personagem que reforça o seu próprio enredo político. A ajuda – financeira e não só -, nesse caso, não será para a Argentina, mas para a cruzada pessoal de Trump por influência e espelhos.

O problema vai além da incoerência. Ao transformar cada parceiro em adversário – da Europa ao Canadá, do Japão à Coreia do Sul – Trump enfraquece o próprio bloco que diz querer liderar. Fala em “defender o mundo livre” contra a coerção económica da China, mas é ele quem usa as tarifas e o protecionismo como armas políticas.

Enquanto acusa a China de “manobras coercivas”, Trump ignora o facto de estar a conduzir uma política de chantagem económica contra os seus aliados. Trump não quer parceiros – quer subordinados

O resultado é um cenário de desconfiança global: aliados divididos, instituições multilaterais enfraquecidas e uma ordem internacional cada vez mais fragmentada. Trump pede unidade, mas a sua política externa é, no fundo, um manual de isolamento. Talvez seja esse o verdadeiro ponto: Trump não quer um mundo unido — quer um mundo obediente.

O episódio das chamadas “terras raras” é apenas o mais recente exemplo de um padrão que se repete desde o seu primeiro mandato. Quando a economia norte-americana se vê pressionada, Trump procura um inimigo externo que justifique a sua retórica de força.

Ao transformar uma disputa comercial num confronto civilizacional, Trump volta a jogar a carta do nacionalismo económico. A sua mensagem é simples: ou estão connosco, ou estão com eles. Só que, no mundo real, as economias estão entrelaçadas — e até as grandes empresas norte-americanas dependem das cadeias de fornecimento chinesas. É o próprio capitalismo americano que desmente o seu discurso de “guerra fria”.

Enquanto acusa a China de “manobras coercivas”, Trump ignora o facto de estar a conduzir uma política de chantagem económica contra os seus aliados. Trump não quer parceiros – quer subordinados. A diplomacia, para ele, é uma extensão da sua lógica empresarial: cada relação é uma transação, cada aliado é um ativo que se valoriza ou se descarta conforme a utilidade imediata. A lealdade é exigida, nunca recíproca.

Trump não está apenas contra a China. Está contra tudo o que não lhe obedece: o multilateralismo, a ciência, o consenso, a própria ideia de previsibilidade. O seu verdadeiro adversário é o mundo tal como ele é – complexo, interdependente e impossível de dominar por decreto.

*Editor-chefe do PLATAFORMA

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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