A Assembleia-Geral das Nações Unidas expôs as fissuras que atravessam a comunidade internacional. Oitenta anos após a sua criação, a organização parece exaurida na sua promessa fundacional: manter a paz e conter a escalada dos conflitos. O paradoxo desta sessão foi evidente – o único consenso possível residiu na constatação de que a ONU já não consegue prevenir guerras, muito menos travá-las.
A intervenção de Donald Trump reafirmou a sua visão solipsista do mundo. Benjamin Netanyahu, fiel à sua gramática política, reduziu o púlpito a um instrumento de legitimação da força, insistindo numa retórica securitária que apaga deliberadamente o sofrimento palestiniano. A China, por sua vez, ensaiou um discurso de estabilidade e cooperação, que dificilmente convence um mundo que viu Xi, Putin e Kim Jong-un partilharem o palco na parada militar chinesa.
A única lei verdadeiramente eficaz é a lei do mais forte – também sustentada pela ONU
Assim, as Nações Unidas já não funcionam como casa de mediação, mas como teatro de rivalidades. O problema não é apenas de paralisia; é estrutural. O Conselho de Segurança tornou-se refém do poder de veto, uma herança geopolítica de 1945 que, em vez de garantir estabilidade, cristaliza hegemonias e impede soluções urgentes. Síria, Ucrânia, Gaza: cada veto lançado é mais um tijolo na muralha da impotência.
Não surpreende, portanto, que ganhem peso as vozes reformistas. O Presidente da Finlândia propôs o fim do veto, e a suspensão do voto quando se violar a lei internacional. As nações africanas reclamam o que lhes é devido: um lugar à mesa de decisões. África é o continente mais jovem, mais populoso e com maior potencial de crescimento do século XXI — mas permanece ausente da estrutura permanente do Conselho. Não se trata de retórica moral, mas de uma exigência histórica de representatividade.
A verdade é dura: a lei internacional reduziu-se a um compêndio de boas maneiras diplomáticas, com poucas consequências para quem as viola. A única lei verdadeiramente eficaz é a lei do mais forte – também sustentada pela ONU. Os conflitos multiplicam-se, os equilíbrios tornam-se frágeis, e o preço da irrelevância da ONU vai inflacionando, com a possibilidade de rebentar paralelamente às tensões crescentes entre a NATO e a Rússia.
Vivemos um tempo de transição em que a ordem liberal do pós-guerra se desmorona sem que outra igualmente representativa a substitua. A ONU está perante a sua mais severa prova: ou se reinventa, ou arrisca tornar-se num monumento de pedra, uma memória de uma esperança perdida. O vazio que deixa não será preenchido por diplomatas, mas por exércitos.
*Diretor Executivo do Plataforma