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Dar corpo e alma à parceria

Paulo Rego*

Sam Hou Fai cumpriu o seu desejo; aliás, anunciado assim que tomou posse; dessa forma assumindo os destinos da estratégia internacional: vai primeiro a Lisboa; na senda da tradição que leva os chefes do Executivo primeiro a Portugal; mas agora também a Madrid, dando corpo também ao eixo hispânico. E arranca, de facto, assim que lhe foi possível, como sempre fez questão de dizer. Será certamente bem recebido, como se quer e é suposto; sendo certo que Lisboa lhe dará muito mais palco e salamaleques do que Espanha. A História também nos prende a essa circunstância. É bom que assim seja; mas é sobretudo cada vez mais importante que ambos os lados transformem a circunstância de Macau; essa relação e esse compromisso, em reais oportunidades mútuas.

Na cultura política e mediática portuguesa, a imagem de Macau sofreu retrocessos. Basicamente, vai passando de uma crónica falta de interesse – e desconhecimento – dominante, para uma nova curiosidade negativa sobre direitos, liberdades e garantias. Discussão, essa, que afasta governos, Media, e as audiências ocidentais… do modelo sociopolítico chinês. No caso de Macau, é essencial que estes momentos não retraiam a relação; mantendo obrigações e oportunidades que a História abre. Portugal e a Europa dão-se com Órban e Meloni; negoceiam com Trump; como fizeram com Bolsonaro, ou José Eduardo dos Santos… e, quer queira quer não, a Europa vai mesmo ter de negociar com Putin – única via possível para a paz na Ucrânia. A distância entre as democracias liberais e a China; pasme-se, é talvez menor do aquilo que as afasta dos novos nacionalismos de extrema direita a ocidente; esses sim, quem em primeira instância ameaça o sistema de valores europeu. Bruxelas e Pequim têm sobretudo interesse num diálogo que garanta paz, sustentabilidade e crescimento à ordem mundial.

Se Portugal centrar nessa lógica, o seu raciocínio perceberá então que tem uma posição privilegiada – e um ‘asset’ estratégico: Macau é um canal único e exclusivo de comunicação com a China, potência com lugar garantido à mesa da discussão sobre tudo o que se passa – e vai passar – no mundo. E o contrário também é verdade; ou seja, a China não tem com nenhum outro país europeu a relação emocional que Macau garante com Portugal. É uma ponte de enorme valor para as relações da China com a Europa, a Lusofonia – até com os BRIC. E Pequim sabe bem disso.

O mundo está diferente – e perigoso. São precisas novas visões, alianças e entendimentos. Portugal e China precisam, cada um pelos seus motivos, de aprofundar esta aliança estratégica de altíssimo nível. Macau precisa mesmo muito disso; até porque o seu próprio corpo de valores; marca da diferença entre a autonomia regional e o Continente, depende dessa interação de Macau com o exterior, e o interesse que países como Portugal possam ter numa cidade chinesa excecional; se conseguir compatibilizar os valores ocidentais com a governação chinesa, nesta altura muito inclinada para um ‘mindset’ político nacionalista e securitário. Macau, cidade chinesa, precisa de voltar a focar-se no seu carater excecional, capaz de ser porto seguro para investimento e ‘know-how’ externo: chinês e ocidental. Esse equilíbrio da cidade que quer ser híbrida também se joga nestas viagens, onde ambos os protagonistas devem ser claros num caderno de encargos, expectativas e interesses que possam propor um ao outro.

* Diretor Geral do PLATAFORMA

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