Donald Trump assumiu a presidência dos Estados Unidos e não demorou a mostrar ao mundo que as suas promessas eleitorais – concorde-se ou não – são para cumprir. Entre essas medidas, a que mais impacto tem para o resto do mundo é, sem dúvida, a assinatura de uma ordem executiva a taxar em 25% as importações provenientes do Canadá e México, e 10% para as da China. Em conjunto, os três países representam mais de 40% das importações dos EUA.
Para o Canadá e México, houve uma suspensão provisória de 30 dias, após negociações onde ambos se comprometeram a reforçar o controlo fronteiriço e a combater a imigração ilegal. No entanto, não é garantido que esses esforços diplomáticos sejam suficientes para congelar a decisão em Washington. Já em relação à China, as tensões subiram de tom: Pequim insiste que a crise do fentanil é um problema essencialmente dos Estados Unidos. Essa postura firme por parte da China – juntamente com ameaças de tarifas recíprocas e de entraves às empresas tecnológicas norte-americanas – coloca novamente as duas maiores potências do mundo numa rota de colisão. Segundo o China Daily, Trump “cria uma situação em que todos perdem”. Será?
As políticas de Trump deixaram de ser chocantes, mas continuam a gerar repercussões globais. O slogan “America First” poderia ir além da proteção da economia doméstica, até porque esta depende em grande medida das relações que os EUA consolidaram durante décadas. A ameaça de novas tarifas também sobre a União Europeia teve resposta imediata em Bruxelas, o que só contribuiu para o aumento do distanciamento entre aliados históricos. É certo que, entre todos os afetados, os Estados Unidos são o país menos dependente das trocas comerciais em termos relativos, mas a represália de outros países não se ficará pela mera imposição de taxas: terão de satisfazer as suas necessidades de consumo noutros mercados, que terão preços mais competitivos caso passem a taxar os produtos norte-americanos.
Apesar da ameaça de reciprocidade, Pequim ainda não avançou, o que mostra maior cautela face a 2018. A economia chinesa está mais vulnerável às exportações, com um consumo interno muito aquém do observado no último confronto comercial. Esse fator desincentiva uma estratégia “olhos nos olhos”, mas também pode sair a ganhar.
Eis o problema que Trump enfrenta: menos importações significam também menos exportações, pois outros mercados procurarão alternativas. A menor vulnerabilidade face ao exterior implica uma menor influência sobre o mesmo, debilitando o poder de negociação dos EUA. No fim, o país perde, sobretudo, quando opta por sair ou enfraquecer a sua participação em organizações internacionais que foram fundadas para servir interesses mais alargados do que apenas os norte-americanos. A saída do Acordo de Paris, as sucessivas ameaças de abandono de outras instituições e as disputas com a Organização Mundial do Comércio (OMC) ilustram como a política de isolamento mina o peso global dos Estados Unidos.
Em artigos anteriores, já destacava a oportunidade que a presidência de Trump abre para outras potências. A China é um dos poucos países que pode substituir os EUA em vários setores no relacionamento com a União Europeia, nomeadamente no que respeita a questões comerciais e industriais. Por seu lado, a Europa precisa de saber jogar o jogo, como já no último mandato de Trump mostrara que a China é sempre uma hipótese.
A insistência dos EUA numa estratégia de confrontação e distanciamento pode acabar por reforçar precisamente aqueles que pretendem conter. O medo de um mal faz-nos cair nele.
*Diretor-Executivo do PLATAFORMA