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Estudos do Governo censurados por direitos de autor

Vários estudos comissionados pelo Governo de Macau são publicados com informação relevante classificada, devido a direitos autorais. Até mesmo deputados se queixam da falta de acesso à informação. Ex-funcionário público explica que as regras para os concursos públicos facilitam a falta de transparência

Meimei Wong

A controvérsia sobre a construção de uma “ilha ecológica” continua, com alguns ativistas locais a exigir mais informação sobre o impacto desta zona para deposição dos resíduos no habitat do golfinho branco chinês. No entanto, vários dos relatórios de investigação encomendados pelo Governo de Macau não foram publicados, ou são parcialmente censurados.

No “Relatório de Avaliação de Impacto Ambiental para a Expansão do Aeroporto Internacional de Macau”, encomendado pela Autoridade de Aviação Civil de Macau (AACM), o golfinho branco chinês é mencionado num dos capítulos, mas informação relevante é classificada no texto e nos mapas, mais precisamente nas páginas 222 a 225. Pior, contrariam a versão do Governo de que a “ilha ecológica” não terá impacto no habitat destes animais (ler página 7 a 9).

Em resposta ao nosso jornal, a AACM afirmou que “como o conteúdo do relatório envolve direitos de autor (incluindo os dados da investigação no local), de acordo com a prática do Interior da China, a versão publicada não pode mostrar o conteúdo relevante. Qualquer pessoa que deseje ler o relatório completo pode marcar uma reunião com a AACM por e-mail e estudar o relatório em papel nas nossas instalações.”

Concursos não promovem transparência

Manuel Iok Pui Ferreira, ex-funcionário público, diz que o encobrimento de informação nestes estudos se deve às regras do concurso público. Os termos e condições são demasiado uniformes, independentemente da área, e não há restrições suficientes para as empresas que realizam os estudos.

“Será que o Governo não toma nota dos termos e condições propostos pela empresa de investigação, assumindo assim, de facto, a culpa? O público vai questionar se é por causa da Ilha Ecológica que o Governo encobriu deliberadamente o assunto”, lamenta.

Ferreira acredita que o Governo deve informar as empresas candidatas à realização de estudos que não podem classificar informação que deve ser pública. Na sua opinião, o Governo tem de ser aberto e transparente, a não ser que envolva segurança nacional ou outras questões confidenciais.

Lam concorda: “Os termos e condições do concurso são definidos pelo Governo, sendo que pode encontrar uma empresa que esteja disposta a divulgar a informação. Se houver conteúdos no relatório que o público não pode ver, e se essa parte serve precisamente para convencer a população sobre um determinado assunto, não estaremos a pôr a carroça à frente dos bois?”
O deputado critica o facto de um relatório original realizado pelo Secretaria para os Transportes e Obras Públicas não ser fornecido, mesmo depois de o solicitar, o que viola o princípio da abertura e da transparência. “Em vez de divulgar o relatório apenas quando as pessoas o solicitam, o relatório deveria ser aberto a todos os interessados, uma vez que é a melhor forma de compreender a situação de Macau.”

De facto, no “Relatório de Impacto Ambiental para a Expansão do Aeroporto Internacional de Macau”, não é só a informação sobre o golfinho que está “censurada”; foram encobertos diagramas esquemáticos de captação da água do mar, quebra-mares e canalizações da Central Térmica de Coloane, sedimentos marinhos, dinâmica sazonal das espécies e de aves observadas no aeroporto, entre outras.

Relativamente ao estudo sobre os golfinhos brancos chineses, além de algumas pistas no relatório sobre a expansão do aeroporto, o IAM também encomendou um estudo sobre os golfinhos brancos chineses nas águas sob gestão local, em 2018-2019 e 2020-2021, para servir de base científica para a conservação dos animais. Porém, os estudos nunca não foram publicados.

“O que é ainda mais questionável é que, na resposta ao nosso pedido de informação, o IAM indicou que, segundo o acordo entre o IAM e a unidade de investigação, os direitos de propriedade intelectual relevantes pertencem a ambos, sendo que a partilha dos resultados da pesquisa necessitariam do consentimento do IAM e da unidade cooperante”, avança o deputado.

“Estas cláusulas, que impedem o direito do público de saber, não deveriam constar de um estudo encomendado por um departamento governamental e tornam o departamento mais propenso a citar dados avulsos, dificultando a reflexão completa das conclusões do relatório como um todo”, critica Lam.

Outro exemplo é o “Estudo de investigação e avaliação do ambiente ecológico das áreas marítimas de Macau”, elaborado pelo Centro de Aplicações Ambientais por Satélite (SEAC) do Ministério da Ecologia e Meio Ambiente da China e aprovado pela Direcção dos Serviços de Proteção Ambiental de Macau. Apenas as principais conclusões são publicadas no “Relatório do Estado do Ambiente de Macau 2022” (página 34), sem qualquer menção do golfinho branco chinês.

No final de janeiro, o PLATAFORMA perguntou ao IAM porque é que o estudo sobre os golfinhos chineses não foi tornado público. Na resposta, informaram que “o assunto foi remetido para os serviços competentes do IAM”, mas dois meses depois ainda não foi dada uma justificação ou data para publicação dos resultados.

Envolver organizações locais

Manuel Iok Pui Ferreira verifica que, nos últimos anos, uma proporção crescente de estudos de engenharia foram comissionados a equipas do Continente, não havendo participação de engenheiros ou arquitetos locais. Por isso, sugere que o relatório de avaliação do impacto ambiental pudesse envolver grupos locais.

Admite que as organizações de investigação de Macau podem não ter a perspetiva internacional ou a experiência prática em estudos especializados de grande escala, “mas que as opiniões dos peritos locais são igualmente importantes, ao partilhar com os organismos de investigação alguns dos pontos de vista locais. Assim, pode ser produzido um relatório que vá ao encontro das necessidades da população e do desenvolvimento efetivo de Macau, porque por vezes receamos que as normas de Pequim não se apliquem aqui”.

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