Início » A relação depois do chumbo das gigantes chinesas na rede 5G

A relação depois do chumbo das gigantes chinesas na rede 5G

Um relatório do Conselho Superior de Segurança do Ciberespaço (CSSC) concluiu que as gigantes chinesas ZTE e Huawei não são bem-vindas no 5G português. Especialistas consultados pelo PLATAFORMA admitem retaliação por parte da China, e pedem que o Governo português seja claro na sua posição face ao investimento chinês

João Pedro Pereira, presidente executivo da PORCHAM, diz que a relação entre ambos os países, com 500 anos, “é madura, do ponto de vista diplomático, no capítulo económico e na área cultural”, salientando que o Governo de António Costa terá de explicar este tipo de decisões, caso, de facto, avancem neste sentido.

“Os investimentos da China em Portugal têm tido, para os investidores, retornos positivos, bem como para as empresas portuguesas que receberam esses investimentos. Não são empresas deficitárias, antes pelo contrário, altamente lucrativas e que se fortaleceram com a presença desses novos acionistas. Enquanto novo presidente executivo da Câmara de Comércio e Indústria Sino-Portuguesa, entidade de direito chinês, e tendo feito um road-show na China com diversos eventos sobre Portugal enquanto destino de investimento, assim como visitas a empresários nas principais e mais populosas cidades chinesas, o que posso dizer é que o apetite pelo investimento em Portugal continua elevado, e que o nosso país é visto como um destino de investimento seguro e de confiança. Creio é que o Governo português deve apostar numa estratégia de comunicação clara e precisa, e creio ser altura de um membro do Governo português se deslocar à China e explicar o contexto de determinadas decisões, como o fim dos vistos gold ou esta decisão sobre o 5G”, salienta João Pedro Pereira, que admite já ter sido confrontado com o facto de em Portugal, eventualmente, estarem a torcer o nariz ao investimento chinês.

“Nas reuniões que mantive na China com diversos decisores de investimentos, fui confrontado com a dúvida sobre se Portugal continuava interessado em investimento estrangeiro, e se não se estaria a fechar ao investimento chinês, em virtude do fim dos vistos gold. Tive de explicar o contexto, que isso não significa o fecho de Portugal ao investimento externo, de todo. Houve a perceção do Governo de que o programa estava a inflacionar o preço das habitações e que o acesso à habitação pelos jovens estava cada vez mais difícil. Ora, creio que a comunicação do Governo português deve cuidar de explicar os motivos das decisões no exterior, para que Portugal não passe uma imagem de que se está a fechar ao investimento estrangeiro e mais especificamente aquele proveniente da China. Quanto à Huawei, e à decisão tomada, acredito que possam vir a reduzir a aposta e o investimento em Portugal. Não interpretaria como retaliação, mas sim como redução de intervenção comercial face à exclusão do 5G”, aponta.

Se o Estado português avançar plenamente com a exclusão da Huawei, a ZTE ou outras empresas chinesas da rede 5G, será uma grande reviravolta face às atitudes políticas anteriores

José Pedro Teixeira, especialista português
em relações internacionais

Por sua vez, José Pedro Teixeira Fernandes, especialista português em relações internacionais vai mais longe, criticando as opções do Governo Português, referindo mesmo que existe alguma falta de coerência nas decisões.

“Se o Estado português avançar plenamente com a exclusão da Huawei, a ZTE ou outras empresas chinesas da rede 5G, será uma grande reviravolta face às atitudes políticas anteriores. (Claro que se pode também argumentar que o contexto internacional se alterou devido à guerra na Ucrânia). Basta lembrar que, ainda em 2018, na altura da visita do Presidente Chinês, Xi Jinping, o tom era completamente diferente com o mesmo Primeiro-Ministro (António Costa) no Governo de Portugal. Na altura, foram assinados múltiplos acordos de cooperação e de investimento com a China. Por exemplo, a Altice — um dos três operadores de telecomunicações em Portugal — assinou com a Huawei um acordo para o desenvolvimento da tecnologia 5G que visava precisamente “acelerar o desenvolvimento e capacitação da rede 5G em Portugal, de modo a permitir um aumento qualitativo do acesso à rede de banda larga móvel e comunicações com maior fiabilidade”. Tudo isso foi feito com conhecimento e estímulo governamental. Assim, Portugal, não parece ter um política coerente, bem estruturada e de longo prazo face à China, parece navegar em circunstâncias de curto prazo, sem uma visão estratégica consistente e alargada”, refere o investigador, que não se admira de eventuais ‘retaliações’ por parte da China.

“Se se avançar em moldes de efetivamente banir as empresas chinesas da rede 5G — fala-se num prazo de 5 anos para o efeito — muito provavelmente existirá uma reação negativa da China. A reação chinesa pode adquirir várias formas, desde o protesto diplomático, à contestação pela via judicial nos tribunais, chegando naturalmente também a retaliações de tipo económico-empresarial (que podem ser retirada de investimento, dificultar o acesso das empresas portuguesas ao mercado da China, ou outras)”, diz, referindo também que o Governo de Xi Jinping poderá usar o facto de Portugal depender economicamente de um país como a China.

“É de notar que a China é um investidor importante em Portugal, tendo adquirido posições de domínio ou de grande relevo, em empresas que vão desde o setor financeiro ao setor da saúde, passando pela comunicação social até ao setor da energia. Pelos dados publicados pelo Banco de Portugal o ano passado, as empresas chinesas deram origem ao quinto valor mais elevado de investimento direto estrangeiro em Portugal. Há, assim, vulnerabilidades políticas e económicas do país nesta situação, que a China pode explorar numa lógica de arma geoeconómica retaliatória”, afirma, criticando também a exposição que Portugal teve para com a China nos últimos anos.

“Todavia, nada disto é uma surpresa, pois há uma década que este problema se desenha devido à crescente competição China-EUA pela supremacia mundial. O que acontece é que os governos portugueses até agora o tinham ignorado, como se o país tivesse uma posição especial ao abrigo das tensões sino-americanas e dos compromissos com os EUA, NATO ou UE. Foi um erro estratégico o grau de exposição no investimento que Portugal adquiriu face à China nos setores das infraestruturas críticas (nos restantes, a questão é menor e não tem esse impacto), do qual estamos agora a ver as consequências, sejam elas maiores ou menores”, conclui.

Nas reuniões que mantive na China com diversos decisores de investimentos, fui confrontado com a dúvida sobre se Portugal continuava interessado em investimento estrangeiro

João Pedro Pereira, presidente executivo da
PORCHAM

O secretário-geral da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCILC), Bernardo Mendia, alerta para o facto deste tema ter um “efeito negativo nos demais investidores, consequências no desenvolvimento de Portugal e nas excelentes relações entre Portugal e a República Popular da China”. A CCILC propõe ainda a auscultação dos stakeholders e a “não imposição de restrições à atividade da Huawei de forma indiscriminada”.
“Trata-se de uma restrição artificial da concorrência com base em discriminação“, reitera, ao ECO, salientando que “se não fosse assim, o processo seria suficientemente transparente, assente no diálogo e liderado por técnicos em telecomunicações”.

João Pedro Pereira diz que, “tendo em conta a relação centenária dos dois países não acredito que uma relação bilateral como esta esteja sujeita a ‘retaliação’”. “É preciso desmistificar essa questão, a decisão de não contar com a Huawei para o 5G tem haver com as indicações das organizações multilaterais a que Portugal pertence. Desde logo a União Europeia, a NATO e a OCDE. Não se trata, a meu ver, de uma cedência de Portugal aos EUA. Mas de uma decisão num contexto multilateral que Portugal integra”, recorda, salientando que, apesar desta decisão, a ‘aposta’ de Portugal na China será para continuar.

“Pelo contacto que tenho com empresários portugueses e com decisores políticos, jamais me foi transmitido desinteresse nas tecnológicas chinesas, antes pelo contrário, há muito interesse naquilo que tem sido desenvolvido na China em termos de mobilidade elétrica, de robotização de processos industriais, de hardware tecnológico para informática, etc”, afirma o presidente da PORCHAM, acreditando que as relações comerciais serão para continuar.

“Não é tradição da China ou de Portugal, deixar que um aspeto comercial interfira nas seculares relações políticas e diplomáticas entre os dois países”, salienta. “A China é o quarto maior investidor direto estrangeiro em Portugal. Segundo a recente visita a Portugal do vice-presidente chinês, Han Zheng, há a intenção de reforçar as relações. A China é o quarto maior vendedor de mercadorias a Portugal, tendo ultrapassado os Países-Baixos, e quer ganhar peso nas exportações. O turismo, por exemplo, será uma das alavancas num plano que chega ao um milhão de turistas por ano dentro de quatro anos”, conclui.

Macau como possível mediador?

As relações da China com Portugal também passam pelo histórico destes dois países com Macau, outrora colónia portuguesa. No meio desta ‘guerra tecnológica’ questionámos João Pedro Pereira sobre se o Governo da RAEM poderá servir de mediador neste possível conflito.

“O contributo de Macau é permanente, desde logo por ser a porta de entrada que Portugal melhor conhece”, disse o líder da PORCHAM.

De uma maneira perversa, até eleva a importância de Macau como o melhor local para intermediação comercial entre as empresas dos dois países

Jorge Valente, presidente da Associação
Sino-Lusófona da Indústria e Promoção de
Intercâmbio Cultural

Jorge Neto Valente, presidente da Associação Sino-Lusófona da Indústria e Promoção de Intercâmbio Cultural, acredita que o comércio bilateral não deve ser imediatamente afetado pela decisão. Na sua opinião, a situação do 5G, “de uma maneira perversa, até eleva a importância de Macau como o melhor local para intermediação comercial entre as empresas dos dois países; e o local mais adequado para não haver mal entendidos entre as duas culturas.”

Comunicações mais caras

Caso avance definitivamente para esta solução, de afastar a Huawei, Portugal arrisca a ficar com comunicações mais caras e de menor qualidade. Esta é a opinião do especialista económico Steffen Hoernig, professor da Nova SBE.

“Não me parece que [a deliberação] tenha em conta os custos imediatos para o país, mas tem em conta os esperados benefícios de reduzir a possibilidade de espionagem pelo governo chinês, que não se contam em euros. Se fará diferença? Ninguém sabe. Alguém terá de pagar e não será o governo, presumo”, opina o especialista em declarações ao Dinheiro Vivo, secundado pelo seu colega Rui Aguiar, professor e investigador da Universidade de Aveiro.

“A Ericsson, a Huawei e a Nokia são os três grandes fornecedores nas comunicações – também há outros mas são bastante mais pequenos. No fundo, temos um tripólio. Em cada país os operadores concorrem para baixar preços de fornecimento. Passar de um tripólio para um duopólio é cortar profundamente a capacidade de negociação – ainda por cima estamos a remover o fabricante que, tendencialmente, tem a melhor relação custo-qualidade. Portanto, os custos para os operadores vão subir”.

Contate-nos

Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

Plataforma Studio

Newsletter

Subscreva a Newsletter Plataforma para se manter a par de tudo!