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Pacto de jurisdição

Sit Mei WaSit Mei Wa*

De um modo geral, sempre que existir um contrato que tenha conexão com mais do que uma jurisdição devido aos diferentes domicílios dos contraentes ou às diferentes jurisdições onde o contrato tenha sido assinado, é possível que os tribunais de mais do que uma jurisdição se considerem competentes para a apreciação dos litígios emergentes do contrato.

Nestas situações, as partes normalmente intentam as acções junto do tribunal que lhes for mais conveniente, consoante os seus interesses, sendo portanto comum, particularmente no comércio transfronteiriço, as partes convencionarem previamente um acordo de jurisdição, através do qual aceitam submeter, total ou parcialmente, os litígios surgidos no contrato aos tribunais de uma ou mais jurisdições específicas.

Este acordo é geralmente designado por pacto de jurisdição, podendo ser atributivo ou privativo de jurisdição. O primeiro signifca que as partes atribuem aos tribunais de uma jurisdição específca competência para decidir a causa, enquanto no segundo as partes atribuem a jurisdição exclusiva aos tribunais de uma jurisdição específca, excluindo assim a jurisdição dos demais tribunais. Para além disso, este acordo está sujeito a um conjunto de condições para ser válido.

Nesse sentido, o acordo tem de reunir cumulativamente as seguintes condições: dizer respeito a um litígio sobre direitos disponíveis; ser aceite pela lei do tribunal designado; corresponder a um interesse sério das partes ou de uma delas, desde que não envolva inconveniente grave para a outra; não recair sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau; resultar de acordo escrito ou confirmado por escrito, devendo nele fazer-se menção expressa da jurisdição competente.

Os tribunais de Macau, por sua vez, têm competência exclusiva para conhecer as acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Macau e as destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.

Não obstante o caso ora em análise envolver um contrato denominado pelas partes como um “contrato de compra e venda de uma fracção autónoma”, as partes tinham, de facto, celebrado um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma, ou seja, as partes eram obrigadas a celebrar um contrato definitivo de compra e venda do referido imóvel, não recaindo o contrato-promessa na matéria da competência exclusiva dos tribunais de Macau, dada a sua natureza obrigacional.

Ora, de acordo com o artigo 16, alínea b), do Código do Processo Civil, “os tribunais de Macau são competentes para apreciar (…) as acções relativas a direitos pessoais de gozo, de despejo, de preferência e de execução específca de contrato-promessa, quando tenham por objecto imóveis situados em Macau”. Por outras palavras, os tribunais de Macau têm jurisdição não exclusiva sobre as acções de execução específca de contrato-promessa que tenham por objecto imóveis situados em Macau.

Apesar de as partes terem acordado, no que se refere à determinação da jurisdição competente, que “os litígios emergentes do contrato devem ser resolvidos pelos contraentes por meio de negociações, e se as tentativas de negociação forem frustradas, os contraentes aceitam submeter a resolução dos litígios à apreciação do Tribunal Popular de Zhuhai.”, o TSI entendeu que o acordo era de natureza atributiva e não privativa, tendo as partes apenas acordado em submeter os litígios ao Tribunal Popular de Zhuhai para apreciação de causa, mas não declararam que os litígios só poderiam ser conhecidos pelo Tribunal Popular de Zhuhai. Assim, o TSI considerou que a jurisdição dos tribunais de Macau não tinha sido expressamente excluída.

Deste modo, se os contraentes desejarem excluir a jurisdição dos tribunais de Macau através de um pacto privativo de jurisdição, devem prestar especial atenção à redacção e ao sentido da declaração de vontade do acordo, porque, nos termos do disposto do n.º 2 do artigo 29 do Código do Processo Civil e segundo o entendimento constante do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância (Processo n.º 17/2001) – “Se se ficar efectivamente em dúvida se a designação convencional do foro dos tribunais do exterior tenha sido feita com exclusão do foro dos tribunais de Macau, há que presumir que o foro do exterior não seja exclusivo mas sim alternativo com o foro de Macau”.

*Advogada estagiária,
Rato, Ling, Lei & Cortés (Lektou)

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