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Advogados são-tomenses denunciam ameaças e intimidações no processo do ataque ao quartel

Lusa - São Tomé

O bastonário da Ordem dos Advogados são-tomenses denunciou hoje ameaças e intimidações contra advogados de arguidos do processo do ataque ao quartel militar, que considera estar “eivado de vícios” desde a primeira hora.

“Este processo está eivado de vícios. Desde a primeira hora este processo começou mal, porque quando estamos a ter declarações sob tortura, esta declaração não faz fé em juízo, quando estamos a ver cidadãos que são espancados até à morte, foram detidos em casa, nenhum militar tem este poder”, denunciou Wilfred Moniz, em declarações à Lusa.

Segundo o bastonário da Ordem dos Advogados de São Tomé e Príncipe (OASTP), as irregularidades continuaram inclusive na Polícia Judiciária, perante os procuradores do Ministério Público são-tomense.

“Há um dos nossos constituintes que foi ouvido ainda na Polícia Judiciária sem a nossa presença, nós debatemos ainda assim os procuradores insistiram que ele fosse ouvido sem advogados”, denunciou.

Wilfred Moniz coordena uma equipa de três advogados que está a prestar assistência aos 15 arguidos acusados no processo, dos quais nove militares estão em prisão preventiva nas instalações das Forças Armadas, “contra a decisão da juíza”.

“A juíza da instrução criminal decretou no seu despacho que as pessoas fossem esperar o julgamento na prisão civil, mas no dia em que isso aconteceu os militares se impuseram contra o despacho da juíza. É uma questão que nós lamentamos num país de direito, que dizem que ninguém está sob a decisão judicial”, referiu Wilfred Moniz.

“Se os militares não concordam com essa decisão devem recorrer, têm meios próprios para o efeito e não sobrepor a uma ordem da meritíssima juíza”, acrescentou.

O bastonário disse que apresentou reclamação à juíza do processo e ao Ministério Público, mas os arguidos continuam nas prisões militares.

“Para termos acesso aos nossos constituintes nós tivemos que solicitar e foi-nos dado um militar que nos acompanhou até às instalações e todo tempo que estivemos com os nossos constituintes estiveram ali militares, acompanhando aquilo que nós estamos a conversar”, lamentou Wilfred Moniz, sublinhando que “está em causa a liberdade e garantias dos cidadãos”.

“Enquanto advogados oficiosos nós sentimos intimidados neste processo, porque quando a juíza dá o despacho para que os militares, nossos constituintes fossem esperar na cadeia, nós sofremos ameaças diretas, nós apelamos e reclamos à juíza, mas até agora nada foi feito”, continuou.

A Lusa procurou esclarecimentos junto do Estado-Maior das Forças Armadas, mas sem sucesso. 

Wilfred Moniz deu conta ainda de um “pedido de proteção” solicitado pelo advogado da viúva de Arlécio Costa, que disse estar “a receber ameaças de morte de pessoas ligadas ao poder e por causa do exercício das suas funções enquanto advogado”.

“Estamos a diligenciar no sentido de junto às instituições competentes, tribunais e organismos internacionais para nós apelarmos à proteção a este advogado e até para nós próprios, porque nós sabemos que é um processo complexo, que tem sido muito musculado na resolução”, esclareceu.

Além de apelar à intervenção de organismos internacionais, o bastonário da Ordem dos Advogados revelou ter reunido com a ministra da Justiça, na sexta-feira, que “disse que não sabia de muitas ocorrências no processo”, por isso passou informações “daquilo que são as violações” e a governante “disse que iria falar com os órgãos competentes para o efeito”.

Um total de 17 pessoas foram detidas, das quais nove ficaram em prisão preventiva, no âmbito das investigações sobre o assalto ao quartel militar das Forças Armadas de São Tomé e Príncipe, anunciou hoje a Procuradoria-Geral da República (PGR) através de uma nota.

O Ministério Público, recorda na nota, instaurou no próprio dia – e “independentemente de outras queixas anunciadas posteriormente” – dois processos de instrução preparatória: “Um com o objetivo de investigar os acontecimentos relativos ao assalto ao quartel e outro com a finalidade de investigar as mortes ocorridas no interior das instalações militares”.

Até ao momento, acrescenta, “foram realizadas uma média de 35 interrogatórios e inquirições, quatro autópsias, nove exames médicos”, além de perícias como “seis buscas e apreensão e cinco inspeções aos locais, entre outras perícias forenses e digitais”.

A PGR de São Tomé e Príncipe pediu a “vinda urgente de um magistrado sénior cooperante para reforçar a equipa da investigação”, acrescenta a nota.

No terreno já está, desde o passado dia 27, uma equipa composta por seis agentes da Polícia Judiciária portuguesa, solicitada pelas autoridades são-tomenses ao abrigo da cooperação entre Estados, e “que vem desenvolvendo a sua missão com toda a autonomia técnica e isenção”.

Após o ataque ao quartel-general das Forças Armadas são-tomenses, que as autoridades classificaram de “tentativa de golpe de Estado”, três dos quatro assaltantes e Arlécio Costa, antigo combatente do ‘batalhão Búfalo’ alegadamente identificado como mandante do ataque, morreram, quando se encontravam sob custódia dos militares, tendo circulado imagens e vídeos que mostram que foram alvo de maus-tratos.

O Governo são-tomense anunciou ter feito uma denúncia ao Ministério Público para que investigue a “violência e tratamento desumano” de que foram vítimas os detidos.

O chefe do Estado-Maior das Forças Armadas de São Tomé e Príncipe pediu entretanto a demissão, denunciando “atos de traição” e condenando os “factos horrorosos” que envolveram a morte de quatro detidos. O primeiro-ministro, Patrice Trovoada, classificou as mortes como “execuções extrajudiciais”.

Nas primeiras horas após o ataque, os militares também detiveram o ex-presidente da Assembleia Nacional Delfim Neves, alegadamente identificado pelos atacantes também como mandante do assalto, que foi libertado três dias depois.

No país está uma missão de informação da Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC) e também se deslocou ao país, esta semana, o representante do alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos na África Central para avaliar os maus-tratos aos detidos.

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