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“Macau é uma cidade demasiado pequena para competir”

Carol Law

A dimensão de Macau torna a cidade incapaz de competir com a indústria de finanças modernas de Hong Kong, Shenzhen ou Guangzhou. Por essa mesma razão, Macau pode servir com “back office” destes mercados, podendo ainda “especializar-se no financiamento de resorts e turismo”. Desta forma, desenvolve-se um mercado complementar capaz de singrar num universo competitivo e fora do alcance, diz Jacky So, vice-reitor e diretor da Faculdade de Gestão e Administração da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau

– Uma sondagem conduzida pelo HSBS a dezembro de 2021 revela que a resposta às “Transações em Direção ao Norte” (em direção à China Interior) tem sido positiva, mas o valor total depositado por investidores em produtos de “Transações em Direção Sul” (vindas da China Interior), representam 94% das transações totais. 90% dos investidores da China Interior expressam ainda interesse em participar em produtos de gestão financeira, e 83% em fundos de investimento, seguidos por depósitos e obrigações. Como avalia estes números?

Jacky So: Depósitos bancários em Hong Kong e Macau são pouco atrativos para investidores de Transações em Direção Sul, a não ser que existam oportunidades para arbitragem de taxas de juro. Por outro lado, poderá ser mais lucrativo investir em produtos financeiros. De notar que vários residentes da China Interior adquiriam no passado apólices de seguro de vida em Hong Kong, muitas com uma “faceta de investimento”, porém acabaram por ser banidos pelo governo do Interior. Desde então temos assistido a um declínio no número de investidores nestes seguros em direção Sul.

A meu ver, o Projeto de Gestão Financeira Transfronteiriça é o oposto de um sistema de “pequenos/investidores individuais”, Investidores Institucionais Estrangeiros Qualificados (QFII) ou Investidores Institucionais Nacionais Qualificados (QDII). Apesar da China querer internacionalizar o RMB, o país continua a recear um grande fluxo de capital. Para prevenir tal cenário, é importante manter o fluxo de capitais dentro de sistemas como o QFII e QDII sob controlo do governo. O Projeto de Gestão Financeira Transfronteiriça permite que residentes chineses adquiram produtos ou serviços financeiros de Hong Kong e Macau. Estes são produtos não necessariamente disponíveis no Interior e o seu principal objetivo é atrair capital para a China.

– Algumas pessoas acreditam que o “Projeto de Gestão Financeira Transfronteiriça” irá ajudar a promover a internacionalização do RMB. Segundo a sua análise, até que ponto será o projeto útil neste sentido?

J.S: Caso a “internacionalização do RMB” seja definida segundo o seu uso ativo em transações internacionais, o “Projeto de Gestão Financeira Transfronteiriça” é sem dúvida uma forma ativa da sua promoção, cujo efeito será determinado pelo resultado líquido do fluxo de capital em direção Norte e Sul.

Primeiramente, em termos de transações em direção Sul, devido a: primeiro, rápido crescimento económico da China que levou a um crescimento significativo do rendimento per capita e rendimento disponível, e segundo, ao facto dos mercados chineses ainda não serem comparáveis aos de nações desenvolvidas, e os investidores chineses procurarem oportunidades de investimento alternativas. Estes fatores estão em condordância com os estudos feitos sobre finanças e investimento, que provam que a relação risco/retorno na China é inferior à de outros países. Isto significa que este capital não está a ser usado de forma eficaz na China. À medida que mais investidores chineses se envolvem em portfólios internacionais de gestão financeira, poderão converter RMB em moedas como HKD ou MOP. Depois, quando recebem rendimento de juros ou rendimento de dividendos em moedas estrangeiras, poderão convertê-lo em RMB.

Para as transações em direção a Norte, a direção e efeito são opostos ao mencionado anteriormente. Quando os investidores convertem a sua moeda em RMB para investir na China, a procura pela moeda chinesa irá subir, possibilitando assim a entrada da mesma no mercado internacional.

Muitas das recentes obrigações emitidas em Macau estão denominadas em dólares americanos. Talvez seja importante considerar o uso do RMB para as mesmas

Jacky So, vice-reitor e diretor da Faculdade de Gestão e Administração da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau

– Ao longo dos últimos anos, Macau tem procurado desenvolver a sua indústria financeira, com o mercado de obrigações como um dos seus objetivos. Com o lançamento da Central de Depósito e Liquidação de Valores Mobiliários de Macau, o governo da região pretende desenvolver o seu mercado local de obrigações. Acha que este mercado irá ter sucesso em conjunto com o desenvolvimento do Projeto de Gestão Financeira Transfronteiriça?

J. S: Sim. O mercado de obrigações de Macau está de facto em funcionamento e já ajudou muitas empresas chinesas e agências governamentais a emitir obrigações empresariais e municipais. Graças à sua história, Macau serve como intermediário entre países de língua portuguesa e a China através da Iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”. É importante relembrar que, à exceção de Portugal e Brasil, estes países têm todos um mercado relativamente pequeno. O resto dos membros poderão envolver-se em financiamento de obrigações, para auxiliar nas suas indústrias marinha e agrícola. Títulos de obrigação verdes também são uma opção. Todavia, tendo em conta as avaliações de crédito destes países, as taxas de juro poderão subir caso tenham dificuldade em cumprir com os seus requisitos mínimos. Porém, com o grande volume de capital e avanço tecnológico disponível na China, a cooperação com os países de língua portuguesa em assistência social poderá ser mais útil. Macau pode ainda partilhar a sua experiência na promoção do turismo com estas nações e incentivá-las a desenvolver o turismo e serviços de hotelaria, financiados por obrigações em moeda chinesa. Este cenário ajudará o RMB a transformar-se numa moeda utilizada para transações internacionais.

Muitas das recentes obrigações emitidas em Macau estão denominadas em dólares americanos. Talvez seja importante considerar o uso do RMB para as mesmas, reduzindo o risco das taxas de câmbio. Porém, devido à qualidade e liquidez do dólar americano, o custo poderá ser superior.

– Face a uma nova situação política internacional, qual será a dimensão do desenvolvimento do mercado financeiro de Macau? Qual será a sua competição?

J.S: Novos serviços financeiros de “Turismo+”, como turismo inteligente e hotéis inteligentes, têm imenso potencial. Moedas digitais e créditos digitais para comércio internacional, turismo e claro, serviços bancários, também serão opções válidas. Contudo, todas as transações implicam um risco. O risco associado às plataformas e tecnologias envolvidas é capaz de suspender um sistema por completo e causar danos significativos. Já salientei várias vezes que Macau não conseguirá ser um centro financeiro como Hong Kong, no entanto, tendo em conta o seu estatuto como porto livre e região de administrativa especial da China, a cidade poderá ser um mercado financeiro regional na Grande Baía ao especializar-se no financiamento de resorts internacionais. Macau é uma cidade demasiado pequena para competir com Hong Kong, Shenzhen ou Guangzhou em termos de comércio de ações e obrigações, mas mesmo assim poderá servir de “back office” para estes maiores mercados financeiros. Poderá especializar-se por exemplo em resorts e na indústria turística em geral, desta forma, em vez de competir, será um complemento a estes mercados.

A médio prazo, [o Governo de Macau] terá de atualizar as suas regulamentações e políticas fronteiriças para atrair mais talentos de Países de Língua Portuguesa

– Quais acha que são os principais obstáculos ao desenvolvimento do mercado financeiro moderno em Macau? Quais serão os planos do governo a curto, médio e longo prazo?

J.S: Escassez de talentos e de recursos humanos qualificados é um assunto importante em Macau. O controlo fronteiriço e aduaneiro na cidade é demasiado rígido, apesar dos seus níveis salariais estarem bem abaixo dos valores internacionais. Não sei se esta falta de talentos poderá ser preenchida sem grandes alterações estruturais. O recente plano de desenvolvimento de talentos menciona perspetivas de atrair vencedores do prémio Nobel e grandes cientistas a Macau, mas estarão estas pessoas interessadas na cidade se são mais bem-recebidos em locais como Hong Kong, Singapura ou até Shenzhen? Fora a remuneração, serviços de educação e cuidados de saúde são também fatores importantes para estes talentos, até mesmo para os novos peritos financeiros habituados a receber os salários mais altos em Wall Street. A curto prazo, o governo está a começar de forma simples, concentrando-se na Grande Baía, mas a médio prazo, terá de atualizar as suas regulamentações e políticas fronteiriças para atrair mais talentos de países de língua portuguesa. A longo prazo, terá de trabalhar com Hong Kong, Shenzhen e Guangzhou para servir como mercado auxiliar.

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