O Acordo sobre a Mobilidade nos Estados-Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa entrou em vigor a 1 de janeiro de 2022, há pouco mais de dois meses. No entanto, a verdade é que o mesmo ainda está ‘coxo’ devido à falta de ratificação por parte de alguns países membros e em outros lados, principalmente nos PALOP, o acordo levanta muitas preocupações
Assinado em Luanda a 17 de julho do ano passado, e visto como a grande bandeira da presidência cabo-verdiana da organização que terminou em julho, o Acordo sobre a
Mobilidade desde cedo foi visto como um passo determinante para a livre circulação entre os cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Contudo, a verdade é que uma ideia que inicialmente parecia simples acabou por não o ser, tudo devido a burocracia.
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Neste momento, apenas seis países ratificaram e completaram o processo, nomeadamente Cabo Verde, Guiné-Bissau, Portugal, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Brasil. Este último aprovou o mesmo no Senado a 17 de fevereiro. Esta semana, Carlos Alberto França, chefe de diplomacia brasileiro, entregou em Lisboa o instrumento de ratificação na sede da CPLP.
Falta agora que a Guiné Equatorial, Timor-Leste e Angola passem também do papel à prática. Em Luanda, o documento passou já pelo crivo do parlamento angolano a 25 de fevereiro. Em Timor-Leste, a ministra dos Negócios Estrangeiros, Adaljiza Magno, revelou este ano já ter submetido o acordo ao Conselho de Ministros.
Mas porque é que uma ideia que parecia, inicialmente, tão simples tem demorado mais tempo a concretizar do que o esperado?
A resposta até é clara: apesar deste acordo falar em livre circulação, a verdade é que cada país tem a autoridade de legislar em concreto a maneira de como facilitar a circulação dos cidadãos da CPLP, até porque em todos eles serão necessárias algumas alterações às respetivas legislações.
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Para já, em todos os países signatários, apenas os passaportes diplomáticos e de serviço passam a estar isentos de visto. Em outros, como Portugal, os cidadãos membros precisarão apenas de apresentar o cartão de cidadão, o passaporte e o registo criminal para ali se deslocarem com finalidade laboral ou para estudarem. Há assim ainda muitas arestas a limar para que uma livre circulação seja uma realidade em todos os nove Estados-membros, até porque em países como Portugal, que pertence à União Europeia, a realidade da ‘liberdade de circulação’ terá sempre de cumprir com os compromissos assinados por aquele país para com a UE e o Acordo de Schengen.
Resumindo, o acordo tem a pretensão de reafirmar a ambição de uma mobilidade total no espaço da CPLP. Porém, nem todos poderão oferecer todas as modalidades de mobilidade, nem exigir as mesmas condições para atribuição dos vistos. Ou seja, na prática, a ideia, pelo menos num futuro próximo, é que exista um mínimo de mobilidade dos cidadãos dentro da comunidade, embora para tal cada caso tenha de ser estudado entre países. Será assim um acordo flexível com vários níveis de mobilidade e com diferentes velocidades. “O acordo estabelece que estão cobertos os compromissos internacionais de cada um dos países signatários e representa um reforço das relações de amizade e cooperação entre os membros da CPLP. É importante para todos os cidadãos da comunidade, mas, nesta fase, sobretudo para docentes, estudantes, empresários, agentes culturais e desportistas”, referiu Ana Paula Zacarias, Secretária de Estado dos Assuntos Europeus de Portugal, confirmando assim a tal mobilidade, para já, mais reduzida.
E SE OS JOVENS ABANDONAREM OS PALOP?
Portugal foi um dos países que aligeirou alguns processos neste Acordo de Mobilidade para que, por exemplo, os estudantes pudessem mais facilmente entrar na livre circulação e estudar neste país europeu. Aliás, umas das bandeiras do primeiro-ministro português, António Costa, quando ratificou o acordo foi mesmo o facto de este
poder vir a proporcionar “uma enorme responsabilidade para o futuro das novas gerações” dos jovens da CPLP. Estas oportunidades são bem vistas pelos estudantes e até pela comunidade política da grande maioria dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).
RECEIO POR DETRÁS DESTA LIVRE CIRCULAÇÃO
“A mobilidade académica já é uma realidade entre muitos países dos PALOP e alguns países da CPLP, nomeadamente Portugal e Brasil. E o que temos vistos nestes últimos anos é que a grande maioria dos jovens que vai estudar para a Europa não regressa a África. O principal receio desta ainda maior livre circulação na CPLP é que a situação da
emigração se torne ainda mais definitiva e não apenas durante um período. Há muitos países africanos a perderem a população mais jovem, pois estes sabem que as principais oportunidades estão na Europa”, começou por dizer ao PLATAFORMA o sociólogo angolano Rodrigo Bentes, apontando outro tipo de estratégia.
“A dinâmica tem de ser, a curto e médio prazo, que os jovens africanos continuem a ter de ir estudar para fora. Mas teremos de arranjar alternativas para que eles possam regressar, claro que isto num futuro mais alargado. Contudo, para compensar a perda de mão de obra jovem que vai estudar para fora e por lá acaba por ficar, e olhando a
esta livre circulação na CPLP, temos também de dar oportunidades de investimento aos Estados-membros por forma a puderem enviar mão de obra para os outros países, nomeadamente aos PALOP. O acordo é algo que temos de louvar, mas é claro que, neste momento, poderá ajudar mais uns que outros. Mas é um bom princípio”, concluiu
o sociólogo e professor na Sorbonne, em Paris.
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Refira-se também que em São Tomé e Príncipe se deu grande importância a este tema. “O que vai acontecer é que Portugal irá receber esses estudantes, que vão para concelhos que têm menos habitantes. E São Tomé e Príncipe que é um país muito pequeno, com 200 mil habitantes, entra numa avalanche para enviar estudantes. Daí que a economia portuguesa aumentará a sua mão de obra, aumentará o pagamento dos impostos laborais que existem. Em contrapartida, nós, em São Tomé e Príncipe, teremos uma fuga maciça da juventude”, referiu o também sociólogo Olívio Diogo à DW África.
AFINAL NO QUE CONSISTE ESTE ACORDO?
O Acordo sobre a Mobilidade nos Estados-Membros da CPLP foi então aprovado em 2021 e tem por base três modalidades de mobilidade. A primeira diz respeito a uma estadia de curta duração em cada Estado–membro da CPLP, por um período de 90 dias, cujo visto não depende de autorização administrativa prévia; há depois a estadia temporária, que poderá ir de 90 dias a um ano, para todos os cidadãos dos Estados-membros da comunidade, quer sejam portadores de passaportes diplomáticos ou comuns;
e por fim o visto de residência e a residência CPLP.
Na prática, o visto de residência CPLP é uma autorização administrativa concedida ao cidadão de um país para entrada no território de outro, com a finalidade de requerer e obter autorização de residência CPLP, modalidade esta definida como uma “autorização administrativa concedida ao cidadão de uma parte que lhe permite estabelecer residência no território da parte emissora”.
No acordo assinado entre os Estados–membros, está prevista a possibilidade de todos os países poderem optar por um período transitório de aplicação do regime de residência, durante o qual pode ser exigido o comprovativo de alguns elementos, como por exemplo a qualificação em áreas que o habilitem a exercer, a curto prazo, atividade
profissional por conta própria ou de outrem.