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As mudanças que o Cotai despoletou

Leonel GuerraLeonel Guerra

AS TERRAS HÚMIDAS DA AVENIDA DA PRAIA FORAM CRIADAS DURANTE A CONSTRUÇÃO DA ESTRADA DO ISTMO. DEVIDO À RECLAMAÇÃO DE TERRAS E CRESCIMENTO DA INDÚSTRIA DO JOGO, OS SEUS MANGAIS FORAM GRADUALMENTE DESAPARECENDO. EMBORA OS ESFORÇOS DO IAM NA PRESERVAÇÃO DO LOCAL, ESTE CONTINUA A MUTAR.

De acordo com o website “A Natureza de Macau”, criado pelo Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), as terras húmidas da Avenida da Praia ocupam uma área de 115,308 metros quadrados (aproximadamente 16,1 campos de futebol). Esta área esteve ocupada pelo oceano até aos anos 60, década em que o espaço florestal foi criado devido à construção da Estrada do Istmo.

MANGAIS COM MENOS DE 40 ANOS

Ho Wai Tim explica que a construção da estrada pelo Governo português em Macau na década de 60, ligando Taipa e Coloane, levou à acumulação gradual de lodo em ambos os lados. Foi assim que surgiu este enorme mangal nas águas da Avenida da Praia. A floresta acabou por atrair um grande número de garças, criando uma paisagem única em Macau.

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“Apelidada de ‘floresta das garças’, onde milhares de aves pousam e reproduzem, o local transformou-se numa das oito grandes atrações da cidade. O regresso diário de milhares destas aves, ao pôr do sol, já é uma das marcas da RAEM.”, referiu o presidente da Associação de Ecologia.

Tanto antes como depois da transferência de soberania, o Governo organizou projetos de reclamação de terras em ambas as margens da Estrada do Istmo de forma a obter mais terreno. Estas áreas foram posteriormente alocadas a diferentes empresas para o desenvolvimento da indústria hoteleira e do setor do jogo. Como resultado, retirou-se grande parte de terreno ao mangal, levando a que juntamente com a falta de água salgada e a acumulação de pluviosidade, as terras húmidas se transformassem lentamente num espaço de água doce. Algumas espécies de árvores acabaram por desaparecer com a ausência de água salgada.

DETERIORAÇÃO DEVIDO AO IMPACTO AMBIENTAL

As mudanças drásticas no ambiente circundante e o crescimento do número de pessoas e veículos, fez com que a “floresta das garças” não passasse apenas de um nome. Ho Wai Tim acrescenta que atualmente “restam menos de 100 garças, o que é um número muito reduzido”. “Poucas são as garças que lá habitam e se reproduzem. O espaço é agora ocupada por plantas de fora, como videira amarga e ipomeia. As espécies nativas usadas pelas garças, como o pinheiro (pinus massoniana), praticamente desapareceram”, clarifica.

Em 2010, o número anual destas aves a habitar em toda cidade (calculado com base no valor de pico mensal) situava-se nos 2098, com 1611 a habitar nas terras húmidas. Em 2019, a cidade contava com 1488 garças, com apenas 36 a habitar na Avenida da Praia. Já o número de garças brancas-pequenas (egretta garzetta) diminuiu de 1335 em 2010, para 920 em 2019.

Na Avenida da Praia existiam 1200 aves em 2010, mas nove anos depois apenas seis. Estes animais estão a abandonar este local e a optar por outras partes de Macau. Após a transformação que as terras húmidas sofreram, de área húmida natural a lago artificial, o número de plantas e animais comuns como borboletas, libelinhas, e flores de lótus, a habitar na região aumentou. Ho Wai Tim admite que estas transformações na avenida mantêm um certo equilíbrio com a biodiversidade ecológica de Macau.

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Segundo o mesmo responsável, é impossível avaliar se esta mudança das espécies é positiva ou negativa. Contudo, o mesmo salienta que de um ponto de vista ambiental o local tem vindo a deteriorar-se.

“Embora o IAM esteja a fazer de tudo para preservar o parque e o lago artificial, o impacto do movimento de pessoas, carros e reflexo dos vidros dos edifícios é claro. O habitat das aves locais foi tão degradado que as mesmas mudaram de local”, constata.

Ho Wai Tim, presidente da Associação de Ecologia de Macau

Ho Wai Tim não deixa de mencionar que estas mudanças afetam também o desenvolvimento sustentável da biodiversidade.

“A presença do movimento humano e de veículos leva a que vários canais de reprodução animal sejam cortados, obrigando estes a reproduzirem-se entre si. A reprodução de organismos limitada a um número reduzido de animais leva a um enfraquecimento dos seus genes, consequentemente afetando a sustentabilidade da biodiversidade”.

O presidente da Associação de Ecologia local menciona ainda que as novas vias pedonais ecológicas da Avenida da Praia, completadas em 2020, irão oferecer ao público uma forma de observar as aves de perto, afetando ainda mais a biodiversidade do local.

Leong, residente em Macau, ficou entusiasmada com a inauguração das vias pedonais, pois espera que aproximem a população com a natureza.

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“Macau já sofre de escassez de recursos naturais e a presença de locais como este é altamente positiva. Já visitei as vias pedonais duas ou três vezes”. Apesar de lamentar a destruição das terras húmidas devido à reclamação de terras, Leong acredita que era inevitável.

“É uma pena os mangais perdidos, mas como recompensa temos o rápido crescimento da economia e da indústria do jogo em Macau. Acredito que é necessário abdicar de algumas coisas para conseguir o desenvolvimento, não existe outra solução”.

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