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Digitalização de Macau falha nos “detalhes”

Carol Law

O Governo de Macau espera acelerar o desenvolvimento da digitalização da cidade nos próximos cinco anos, como indica o documento de consulta pública sobre o segundo Plano Quinquenal. Também é mencionado o desenvolvimento de tecnologias aplicadas em áreas de relevo para o bem-estar e benefício económico da população (inteligência +), nomeadamente na governação, saúde, educação, cuidados para idosos e turismo, “no sentido de elevar o nível de gestão urbana e de prestação de serviços.” Muitos acreditam que o caminho descrito não é o mais correto, no entanto, só depois da sua implementação é que se poderá medir o sucesso – ou não – da estratégia.  

O vice-presidente da Associação de Sinergia de Macau,  Johnson Ian, começa por referir ao PLATAFORMA que a “cidade inteligente” segue a tendência geral de desenvolvimento e, por isso, já deveria ter sido implementada. Sobre a necessidade de acelerar o desenvolvimento digital de Macau, Johnson afirma que a sociedade local não se opõe à sua implementação, mas a forma como o Governo organiza os trabalhos e consequente supervisão é que ditará o sucesso da medida. Ao vice-presidente preocupa, sobretudo, a envolvência de vários departamentos na condução e aplicação da “saúde inteligente”, “educação inteligente” e “cuidados para idosos inteligente”, matérias da competência da Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública e da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico. “Como irá ser a comunicação e coordenação entre estes departamentos? Como vão cooperar? No passado, os resultados não foram os esperados. O Governo nem chega a especificar qual departamento ficará encarregue da implementação do sistema”, explica, acrescentado que os “detalhes sobre a sua execução e supervisão são pouco claros.”  

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Johnson Ian, vice-presidente da Associação de Sinergia de Macau.

Johnson Ian: É fácil de atingir uma taxa de sucesso de 90 por cento quando o objetivo é apenas promoção contínua, tal como aconteceu no primeiro Plano Quinquenal.

Outro fator que irrequieta Johnson Ian é o Plano Quinquenal não incluir um faseamento dos objetivos estabelecidos para os próximos cinco anos. Com a utilização de expressões como “promoção contínua” ou “otimização contínua”, sem especificar indicadores, é difícil avaliar e monitorizar o sucesso das medidas descritas. “É fácil de atingir uma taxa de sucesso de 90 por cento quando o objetivo é apenas promoção contínua, tal como aconteceu no primeiro Plano Quinquenal”, atira, questionando ainda a utilidade do plano, se não define objetivos claros. O vice-presidente explica que, “embora a principal finalidade de um Plano Quinquenal é definir um plano geral, sem grandes detalhes, este tem de incluir uma direção geral ou forma de implementação. Pelo contrário, o Governo simplesmente menciona o Plano em poucas palavras.” Para Johnson, a grande questão é: “Quanto dinheiro será investido?”, dado que o documento não menciona. O vice-presidente da associação recorre a um exemplo para retratar a situação: “É semelhante ao que todos fazemos no dia 1 de janeiro, quando escrevemos os nossos desejos para o novo ano, sem qualquer plano para os atingir. A mim parece-me que o plano é medíocre, não traz nada de novo.”  

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Lei Cheng-I: Nas regiões vizinhas, nomeadamente Hong Kong, já existem políticas de apoio à criação de quadros qualificados em tecnologia de informação. Não só mencionam a sua promoção, como também incluem a forma como o processo será implementado em toda a indústria, envolvendo os residentes locais.  

Lei Cheng-I, membro da Assembleia Legislativa.

Lei Cheng-I, membro da Assembleia Legislativa, concorda com a direção definida através da “inteligência +”, porém, admite que o Governo deve melhorar algumas das bases do modelo. Para além do apoio legislativo, a população também se preocupa com os serviços de telecomunicação, incluindo as taxas, velocidade de internet e segurança. “O mais importante é definir como podemos garantir o bom funcionamento da indústria de telecomunicações, em termos da sua estrutura legal e infraestrutura de equipamentos, para que esta consiga auxiliar o desenvolvimento futuro do projeto ‘inteligência +’”, aponta a deputada. No entanto, sublinha que é essencial ter recursos humanos qualificados para desenvolver a “inteligência +”. “Nas regiões vizinhas, nomeadamente Hong Kong, já existem políticas de apoio à criação de quadros qualificados em tecnologia de informação. Não só mencionam a sua promoção, como também incluem a forma como o processo será implementado em toda a indústria, envolvendo os residentes locais. Contudo, em Macau, parece que as medidas implementadas e recursos alocados ainda não são suficientes. Agora que temos uma direção definida, podemos implementar a ‘inteligência +’ em mais áreas. Mas primeiro precisamos de um maior número de pessoas qualificadas, que posteriormente podem ter mais oportunidades nos vários campos que esta indústria oferece. O Governo tem de criar medidas que auxiliem na cultivação de talentos locais, incluindo o desenvolvimento dos mesmos dentro desta indústria”, remata.   

Johnson Ian: “O Governo não deve ser responsável por todos estes trabalhos, nem é capaz disso. É necessário que os dados públicos sejam de acesso público

Quanto à criação de uma cidade inteligente para benefício da população, Johnson Ian acredita que o Governo deve permitir a abertura dos seus dados e a participação do mercado, o que envolve uma mudança na mentalidade atual. “O Governo não deve ser responsável por todos estes trabalhos, nem é capaz disso. É necessário que os dados públicos sejam de acesso público, incluindo dados de trânsito, dados médicos, entre outros, para que a sociedade, universidades e empresas privadas sejam capazes de criar aplicações que sirvam Macau. O Governo deve aproveitar esta viabilidade comercial para ter um desenvolvimento menos dispendioso. O documento de consulta inclui a abertura de acesso a dados, mas como se acelera o processo? É como a necessidade atual de enviar fax ou fazer fotocópias, existe uma grande discrepância entre as nossas ideias e a realidade”, indica.   

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Lei Cheng-I: Com uma administração inteligente é possível resolver vários problemas relacionados com a partilha de informação dentro e entre departamentos.

Tanto Johnson Ian como Lei Cheng-I concordam que a lei de “Governação electrónica” – com entrada em vigor no ano passado – e os serviços disponibilizados na conta única de acesso comum, em constante otimização, provam que tem havido progresso no que diz respeito à administração eletrónica. Lei Cheng-I espera que esta matéria possibilite a redução do tempo gasto em certos procedimentos administrativos dos residentes, tornando-os mais convenientes, eliminando até algumas formalidades. A deputada dá o exemplo de um trabalhador que decide entrar ou abandonar uma empresa – um processo no qual estão envolvidos vários departamentos diferentes, como a Direcção dos Serviços de Finanças e a Segurança Social. “É possível o Governo utilizar a governação eletrónica para que no futuro os trabalhadores não corram o risco de falhar com a burocracia de um dos departamentos? Talvez através da partilha de aprovações? Ou de outro método eletrónico mais conveniente? Assim os residentes poderiam usufruir da conveniência do sistema de governação eletrónica e reduzir a necessidade de se apresentarem nos balcões governamentais, quando todo o processo poderia operar de forma eletrónica. Com uma administração inteligente é possível resolver vários problemas relacionados com a partilha de informação dentro e entre departamentos. O método não só evitaria que os residentes tivessem de andar a correr de um lado para outro, como também poderia melhorar a eficiência de todo o processo administrativo, para que a população não diga: Podemos não ter de andar a correr de um lado para o outro, mas o tempo de espera é o mesmo.”  

Lei Cheng-I não deixa de alertar para a necessidade de garantir a segurança do sistema eletrónico de informação. “O documento de consulta pública menciona que, caso apenas exista um centro de armazenamento em nuvem, poderá haver alguma instabilidade e disrupções que afetem o seu desenvolvimento futuro. Estes são pontos importantes a considerar, para que a população usufrua diretamente das aplicações tecnológicas. Para mim, é essencial que o Governo garanta a presença destes serviços em várias áreas, facilitando e agilizando todos os processos administrativos.”  

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