O “Aviso sobre o Fortalecimento da Gestão de Programas Culturais e Artísticos e dos Profissionais do Setor” define oito pontos que visam corrigir a imoralidade de alguns artistas e fãs. Emitido pela Administração Nacional da Rádio e Televisão da China, dia 2 de agosto, o terceiro ponto deste documento procura “estabelecer uma orientação estética dos programas, com uma seleção restrita dos atores e convidados, performances, vestuário e maquilhagem, acabando com estilos fora do normal, como ‘homens afeminados’”. Esta referência criou grande debate a nível nacional e internacional.
“Afeminado” no documento oficial
Embora o termo “afeminado” não tenha uma definição clara, em 2019 já houve casos de programas de entretenimento chineses que desfocaram os brincos de artistas masculinos. Analisando a lista de artistas banidos, podemos também compreender que o termo “afeminado” está relacionado com o seu vestuário. Quando um rapaz faz algo que é considerado feminino, como usar maquilhagem, brincos, ou saia, é visto como um ataque à sua “masculinidade”.
A publicação causou polémica, em grande parte, devido ao uso do termo “afeminado” num documento oficial, suscitando críticas sobre discriminação de género e promoção de estereótipos sociais. De acordo com as “Orientações para uma Linguagem Inclusiva das Nações Unidas”, “devido ao papel essencial que a linguagem assume na formação de cultura e atitudes na nossa sociedade, o uso de uma linguagem inclusiva é uma forma eficaz de promover a igualdade de género e combater a discriminação.” Isto inclui evitar o uso de expressões que insinuem a superioridade de um género sobre o outro, como “maria-rapaz”, “afeminado”, “popo mama” (pessoa sensível, tradução literal: sogra mãe) ou “o homem manda fora de casa, a mulher manda dentro”. No Dia Nacional da Mulher, o jornal “Diário da Mulher Chinês” publicou também uma série de “palavras sexistas a evitar”, onde “afeminado” é considerada uma palavra discriminatória contra os homens.
Perspetiva cultural
Na cultura popular, o comportamento público de um homem ou de uma mulher é um pequeno reflexo da sociedade em que estes se inserem. O conceito tradicional de superioridade masculina é ainda predominante em muitos países asiáticos. No caso da China, está enraizado na nossa forma de pensar devido ao confucionismo. Os homens são normalmente retratados como fortes e corajosos, e as mulheres como gentis e graciosas. Quando várias celebridades masculinas surgem com uma imagem diferente, existe um certo choque cultural, uma ofensa ou contestação aos seus valores. Alguns oficiais afirmam até que a “afeminação” dos homens poderá “pôr em causa o desenvolvimento da população”.
O comportamento “apropriado” de homens e mulheres é definido através de construções culturais e sociais. Diferentes culturas possuem diferentes estereótipos de género. Existem também várias sociedades matriarcais pelo mundo. Na Nova Guiné, por exemplo, o papel das mulheres e dos homens na tribo indígena Tchambulié completamente diferente da sociedade chinesa: as mulheres, cheias de vigor, não usam quaisquer acessórios, e são quem sustenta a família. Já os homens, mais emocionais, tomam conta das crianças. Se tal “erradicação” acontecesse também neste tipo de sociedade, não estaríamos a pôr em risco a sobrevivência desta população?
As pessoas preocupam-se que os comportamentos “insalubres” de uma figura pública possam ter um impacto negativo nos seus jovens seguidores. Porém, não poderá esta mudança na aparência masculina significar apenas o nascimento de diferentes padrões de beleza em resposta ao nosso desenvolvimento social? A decisão sobre se uma celebridade reflete ou não a excelência da cultura chinesa, se promove “sinceridade, beleza e bondade”, deve começar pelo seu caráter interior. São mais importantes características como amabilidade, dedicação, responsabilidade, motivação, respeito pelas mulheres e impacto positivo na sociedade.
Como disse o famoso sociólogo Li Yinhe: “A natureza humana é rica, todos temos o direito de estar em qualquer lugar entre os dois extremos de masculinidade e feminidade, em vez da limitação aos dois pontos.” Todos temos uma concepção diferente do equilíbrio entre Yin e Yang, em termos de aparência, palavras ou ações. Porque não então definir as nossas próprias fronteiras para estes conceitos? São questões importantes a explorar.
*Presidente da Associação de Intercâmbio Linguístico e Promoção Cultural