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O pressentimento

João MeloJoão Melo*

O ataque ao World Trade Center a 11 de Setembro de 2001 deu-se por volta das 13:30h de Lisboa, acabava de chegar ao centro comercial das Amoreiras para almoçar. Várias televisões passavam as imagens de uma torre, qual chaminé a largar fumo, e habituado a cenários catastróficos da indústria de Hollywood o cérebro relutava em aceitar como facto a informação recebida; só quando o segundo avião atingiu a outra torre compreendi estar a assistir a um evento real, em directo.

Terminei a refeição convicto de que o mundo não seria mais o mesmo. A convicção de que o mundo iria mudar não me surgiu no momento do acontecimento chocante com o consequente meditar no seu devir, na verdade sancionou uma impressão que me acompanhava há meio ano. Tenho isto bem vívido porque fui bastante pressionado a concluir um negócio imobiliário que acreditava ser ruinoso; toda a gente se esforçava por me dissipar receios, eu não apresentava argumentos válidos para os justificar, unicamente pressentia uma recessão mundial a breve trecho, talvez por estarmos no limite da expansão, sei lá, e tentei escapar a fechar o negócio. No final cedi, concluiu-se em Agosto, um mês antes do ataque, e claro, no ano seguinte confirmou-se a extensão da perda.

No último semestre de 2019 encontrava-me no oriente com a estranha sensação de estar a viver a escatologia de uma era; não desfrutei a inteira felicidade desse presente porque o vivi acompanhado de uma nostalgia de passado. Revendo hoje o tom dos registos que efectuei em foto e vídeo não me surpreende à conta da consciência com que experimentei momentos felizes eivado de melancolia, como se fosse a última vez de um estado de coisas a que me acostumara. Não quero parecer tolo ou presunçoso porém a melhor maneira de definir a sensação era como se a partir do Outono abrissem os portões às bestas do apocalipse e a Morte teria rédea solta para ceifar à vontade. Senti genuína compaixão da humanidade, levávamos uma existência inconsciente, e a libertação do grande ceifador pareceu-me decidida por entidades acima dele. É triste não vislumbrar o desígnio (ganhar juízo?) mas também saber que não há maldade ou injustiça nisto, é simplesmente o decurso natural e não há nada que possa fazer para o contrariar, resta-me aceitar. No início de Janeiro já estava em Portugal, passei mal de saúde e o foco das impressões sentidas meses antes virou-se para mim. Teria pressentido a minha morte? Achei demasiado absurdo tendo em conta a grandeza da sensação e de que sou apenas um grão de pó no universo mas confesso que a luta para sobreviver até ao recobro no início de Fevereiro me tolheu o discernimento, no pior período atingi o ponto de pensar tratar-se de mim. A meio de Fevereiro morreu a primeira pessoa na Europa por covid, em Março foi anunciada a primeira em Portugal e a partir daí o mundo não foi mais o mesmo.

Após dividir o átomo em protões, neutrões e electrões, os cientistas ainda os dividiram em unidades mais pequenas, tão ínfimas que não são observáveis, e só recentemente se tem vindo a provar a presença de algumas no LHC, o maior acelerador de partículas do mundo. Nos anos 60 os físicos criaram uma teoria ainda não conclusiva que solucionaria várias questões, uma teoria que diz que as partículas primordiais são formadas por energia (não necessariamente um tipo específico de energia, como a eléctrica ou nuclear) que, vibrando em diferentes frequências, formaria diferentes partículas. De acordo com a teoria, todas as partículas que considerávamos como elementares, são na realidade filamentos unidimensionais vibrantes a que se deu o nome de cordas. Ao vibrarem as cordas originam as partículas subatómicas juntamente com as suas propriedades. Para cada partícula subatómica do universo existe um padrão de vibração particular. A analogia da teoria consiste em comparar esta energia vibrante com cordas.

Se existe esta vibração subatómica, à escala cósmica o universo será uma gigantesca orquestra, uma entidade “viva” que pulsa ao ritmo do conjunto de partículas que o compõem. A pulsação regista-se em padrões oscilatórios, gerando ciclos correspondentes à grandeza de cada componente ou associação de componentes. Qualquer entidade material é sensível a estas vibrações, os humanos mais atentos a elas serão os melhor sintonizados consigo mesmos, capazes de se libertarem do ruído exterior, em especial crianças e artistas, e dentro dos artistas porventura os músicos, devido ao objecto do seu interesse ser fundamentalmente o mesmo; Beethoven provou que nem é preciso ouvi-las com os ouvidos… Tal como a música se resume a fórmulas matemáticas que tocam os sentidos, as vibrações que os new agers chamam de “energias” não possuem nada de esotérico; um dia descobrir-se-á o código matemático que as rege, e os guardiões do inefável que sempre medram nas eras de ignorância deixam de ter emprego. É sob esta perspectiva que encaro o explanado ao início: nada surge do nada, as grandes mudanças na Terra resultam de vibrações já existentes, só não as notamos por estarem abafadas por outras, e vão-se intensificando até se salientarem das demais; um terramoto ou um vulcão que explode, por exemplo, é precedido de actividade, seja ou não perceptível. Antes de se tornarem evidentes tive a percepção, que qualquer pessoa pode ter, de padrões ondulatórios diferentes dos habituais, racionalizando-os segundo o meu conhecimento. Numa linguagem simplificada o pressentimento será então uma experiência adquirida que ficou guardada no subconsciente, por conseguinte relaciona-se com a memória; pode revelar-se errado perante novas situações mas quando se enquadra na natureza global dos ciclos tende a acertar. 

*Músico e embaixador do Plataforma

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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