Há uma linha que separa a neutralidade da cumplicidade. Essa linha são os Direitos Humanos. Quando os Direitos Humanos são violados a “neutralidade” é a escolha do lado do opressor.
Portugal, que preside atualmente ao Conselho da União Europeia não assinou uma carta, de iniciativa belga, que insta a Comissão Europeia a “utilizar todos os instrumentos à sua disposição para garantir o pleno respeito do direito europeu”. Foram 13 os Estados-membros que assinaram a missiva: Bélgica, Holanda, Luxemburgo, França, Alemanha, Irlanda, Espanha, Dinamarca, Finlândia, Suécia, Estónia, Letónia e Lituânia.
O texto da carta é claro: “Expressamos a nossa profunda preocupação quanto à adoção, pelo parlamento húngaro, de legislação discriminatória em relação às pessoas LGBTQI (lésbicas, ‘gays’, bissexuais, transgénero, ‘queer’ e intersexuais) e que viola o direito à liberdade de expressão sob o pretexto de proteger as crianças”.
“Não assinei o documento porque assumimos atualmente a presidência e temos um dever de neutralidade.”, afirmou Ana Paula Zacarias, Secretária de Estado dos Assuntos Europeus do Governo Português.
Não há neutralidade na defesa dos Diretos Humanos. Quando os Direitos Humanos são atacados a “neutralidade” é cumplicidade. É necessário que Portugal reverta rapidamente a sua posição nesta matéria.
No passado dia 15 de junho, o parlamento húngaro, em sintonia com o executivo de extrema-direita populista, aprovou mais um conjunto de leis anti Direitos Humanos. O pacote legislativo inclui um conjunto de medidas de suposta proteção de menores que, segundo o governo de Viktor Orbán, visam combater a pedofilia, a par de um conjunto de medidas contra os direitos da comunidade LGBTI+.
Esta legislação é uma tentativa propositada e reiterada do governo húngaro, de associar a pedofilia à comunidade LGBT, contribuindo para a aumentar o preconceito, a perseguição e a violência e coloca as pessoas LGBT, e suas famílias, numa posição de vulnerabilidade, legal e social.
A legislação agora aprovada, proíbe a divulgação de conteúdo que “mostre ou promova a sexualidade, a mudança de sexo ou a homossexualidade” a menores de 18 anos e restringe-se o acesso à educação sexual nas escolas. Todo o discurso público sobre pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais, intersexo ou com outras identidades não normativas será alvo de perseguição. Filmes, séries, livros ou músicas que de alguma maneira se refiram a sexualidade podem ser censurados.
Esta legislação, comparável às leis aprovadas em 2013 na Rússia, que restringem a chamada “propaganda LGBTI+” junto dos jovens, visa propagar o ódio e restringir profundamente a liberdade de expressão, não só da comunidade LGBT+, mas de toda a sociedade.
O Bloco de Esquerda deu entrada, na Assembleia da Républica, de mais um voto de condenação da estratégia reiterada de Viktor Orbán de promover a discriminação, estigmatização e ataques contra a comunidade LGBTI+, afastando ainda mais a Hungria dos proclamados valores do projeto europeu e aprofundando o fosso entre o regime e o Estado de Direito. Este voto manifesta ainda a nossa solidariedade para com quem exige a defesa dos direitos humanos e da liberdade naquele país e vê a sua segurança e liberdade crescentemente ameaçadas.
Na Hungria o casamento entre pessoas do mesmo sexo é proibido, foi recentemente proibida a adoção de crianças por casais do mesmo sexo e revogado o reconhecimento legal das pessoas transgénero, o que também foi condenado pelo Parlamento Português.
As vozes de descontentamento e veemente repúdio têm-se feito ouvir de forma clara, incluindo a da própria Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, que afirmou: “Estou muito preocupada com a nova lei na Hungria. Acredito numa Europa que abraça a diversidade, não numa Europa que a esconde das nossas crianças. Ninguém deveria ser discriminado com base na orientação sexual”. A Comissão Europeia investigará a nova lei húngara anti-LGBT.
Os direitos LGBT são Direitos Humanos e o direito à igualdade de tratamento e à não discriminação é um direito fundamental consagrado nos Tratados da UE e na Carta dos Direitos Fundamentais.
O Estado de Direito e a Democracia definham neste país, ameaçando contaminar outros, perante a inércia das instituições. Que maneira tão triste de terminar a presidência portuguesa.
*Deputada do Bloco de Esquerda