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Mexidas no Imposto do Selo

Luís RôloLuís Rôlo*

Entraram em vigor, no final do passado mês de Março, as alterações ao regime do Imposto do Selo aprovadas pela Lei n.º 24/2020.

Estas alterações apresentam-se justificadas por causas diferentes, algumas de carácter operacional, outras motivadas por critérios de razoabilidade prática e outras ainda por decisões de política tributária quanto à incidência do Selo.

Passamos em revista algumas das alterações mais significativas.

Fim das estampilhas

Começando pela alteração mais visível no quotidiano dos contribuintes, foram abolidas as estampilhas fiscais.

Esta forma de “pagamento” do Selo, há muito tempo que se tinha tornado um obstáculo à fluidez de muitas formalidades, já que obrigava o contribuinte a comprar, em separado, as estampilhas que lhe eram exigidas para a validade do documento de que necessitava. Muitos prestadores de serviços recorriam à compra antecipada de um stock de estampilhas, para poderem poupar aos seus clientes a deslocação às Finanças, só para esse único fim.

Aplaude-se, portanto, a medida, que só peca por tardia, até porque o método alternativo de pagamento do Imposto já há muito tempo que está previsto na Lei.

Do mesmo modo se aplaude a medida transitória que permite, a quem já tiver em seu poder estampilhas fiscais, continuar a usá-las durante um ano, até ao fim de Março de 2022, o que resolve o problema que, de outro modo, afligiria os tais prestadores de serviços. Assim, dispõem de um período razoável para escoar o stock de estampilhas que eventualmente tenham na sua posse.

Mesmo depois dessa data, durante mais um ano adicional, as Finanças aceitam a devolução das estampilhas ainda na posse de particulares, restituindo o valor facial das mesmas.

Incentivo à arbitragem

Como se sabe, os contratos de arrendamento, sejam eles para habitação ou para outros fins, estão sujeitos a Imposto de Selo, que é de 5 por mil sobre o valor total do arrendamento.

Exemplificando, um contrato de arrendamento para habitação com prazo de dois anos e com uma renda mensal de 20.000 patacas, está sujeito a Imposto de Selo no valor de 2.400 patacas.

Sucede que, por vezes, senhorio e inquilino acabam por entrar em conflito e recorrem aos Tribunais para resolver o litígio.

A novidade é esta: se as partes no contrato tiverem celebrado um acordo, por escrito, no qual convencionem resolver todos os litígios desse arrendamento com recurso à arbitragem e esse acordo fizer parte do contrato de arrendamento ou for junto ao mesmo contrato, o Imposto do Selo é reduzido a metade.

Isto é, se no exemplo de há pouco o senhorio e o inquilino exercerem esta faculdade, o Imposto será de 1.200 patacas, em vez de 2.400.

A Lei prevê, ainda, as situações em que as partes, por qualquer motivo, deixam de sujeitar os seus conflitos à arbitragem, com os correspondentes ajustamentos ao Imposto.

Trata-se de um incentivo ao recurso à arbitragem voluntária, como alternativa aos Tribunais Judiciais, incentivo este que se torna mais significativo nos arrendamentos para comércio, normalmente com rendas mais elevadas e por prazos mais longos.

Actualmente podem ser escolhidos para este efeito, o Centro de Arbitragens Voluntárias da Associação dos Advogados de Macau e o Centro de Arbitragem do Centro de Comércio Mundial de Macau.

No entanto, quanto aos contratos de arrendamento já celebrados, esta alteração não se aplica, ou seja, só há redução do Imposto para os novos contratos sujeitos a arbitragem voluntária.

Abolição do Selo sobre certos papéis ou actos

Na Nota Justificativa da Proposta de Lei o Governo tinha declarado ser sua intenção abolir os selos desactualizados, de cobrança complexa, com baixa receita fiscal ou que entravassem a fluidez do comércio jurídico. Tratou-se de uma intenção que merece, também ela, aplauso.

Nesta linha, a nova Tabela Geral do Imposto do Selo passa a incluir apenas 20 artigos, em vez dos 43 que anteriormente tinha.

Entre os artigos abolidos podem destacar-se os que se referiam à constituição de sociedades e ao reforço ou aumento de capital de sociedades. Além disso, visto ter sido abolido o Selo sobre contratos celebrados por escrito particular, também as cessões de quotas que sejam efectuadas por esta forma passaram a não estar sujeitas a Selo.

É preciso ter presente, no entanto, que as escrituras públicas continuam a estar sujeitas a Selo nos moldes anteriores.

Apesar de terem sido abolidos os artigos relativos a certificados, a fotocópias que substituam certidões e a públicas-formas (vulgarmente conhecidas por “fotocópias autenticadas”), estes papéis passaram a estar incluídos no artigo relativo a certidões, ou seja, continuam a estar sujeitos a Selo.

Foram também abolidos, entre outros, os Selos sobre procurações, substabelecimentos, testamentos, processos forenses judiciais, fiscais e administrativos, contratos celebrados com concessionárias (por exemplo, água, electricidade e gás), bilhetes de passagens marítimas, autorizações ou títulos de residência passados a estrangeiros e trespasses de estabelecimento comercial ou industrial, ou de escritório ou consultório.

Lojas em centros comerciais

Em Novembro de 2016, o Tribunal de Última Instância decidiu, por unanimidade, que “O contrato para cedência de uso de loja em centro comercial não pode ser qualificado como arrendamento, sendo um contrato atípico”.

Em consequência, por força da lei então em vigor, não havia nenhuma norma que sujeitasse os ditos contratos a Imposto do Selo.

Na Nota Justificativa da Proposta de Lei, o Governo considerou que “as actividades económicas realizadas pelos proprietários dos centros comerciais e pelos proprietários das lojas em geral se revestem da mesma natureza” e, em coerência com esta posição, apresentou nessa proposta um conjunto de novos artigos, com a finalidade de fazer incidir Imposto do Selo sobre os tais contratos.

Em resultado da aprovação da Lei, passou a estar previsto um novo tipo legal de contrato comercial, nos artigos 30.º-A a 30.º-C do Regulamento do Imposto do Selo e ficou criado um novo artigo 6-A da Tabela Geral, que faz incidir Selo, de 5 por mil do respectivo valor, sobre esses mesmos contratos.

Embora se compreenda o raciocínio da Administração Fiscal que está na base desta inovação, parece-nos defeituosa a técnica legislativa pela qual se criou um novo tipo legal de contrato comercial… numa lei fiscal e não no Código Comercial ou, quando muito, em diploma autónomo. A experiência que vier a ser acumulada poderá vir a obrigar a futuras revisões do Regulamento do Imposto do Selo, apenas para “afinar” o regime jurídico de um contrato.

Leilões

Em 28 de Dezembro de 2012, realizou-se em Macau um leilão de obras de arte no qual, apesar de terem sido arrematados diversos lotes muito valiosos, o respectivo comprador se arrependeu, já após a “martelada”. A leiloeira veio alegar que nada tinha sido vendido por não se ter concretizado nem o pagamento nem a entrega das pinturas leiloadas.

Face ao valor desses lotes, o Selo teria representado mais de 4 milhões de patacas, que as Finanças liquidaram oficiosamente. A leiloeira recorreu para o Tribunal de Segunda Instância que, em Fevereiro de 2015, negou provimento ao recurso.

Ainda inconformada, a leiloeira recorreu para o Tribunal de Última Instância que, em Julho de 2019, decidiu anular a tal liquidação, entendendo que, como “a arrematação não foi seguida pela conclusão da compra e venda dos bens móveis leiloados, por desistência do arrematante”, não havia ali lugar à tributação em Imposto do Selo.

Curiosamente, apesar de ter dado entrada na Assembleia Legislativa em Outubro de 2019, portanto já depois da decisão do TUI, a versão inicial da Proposta de Lei ainda não incluía o aditamento, que só veio a ser proposto em Dezembro do ano seguinte, de três artigos com a finalidade de resolver a mesma controvérsia por via legislativa.

Assim, entre outras disposições relativas à tributação das arrematações, fica a partir de agora claro que o Selo passa a ser devido “com a batida do martelo ou outros actos equivalentes”.

Outras alterações

A Lei n.º 24/2020 contém ainda um número significativo de outras alterações, que se revestem de carácter vincadamente técnico e cuja análise um artigo desta índole não comporta.

*Advogado Estagiário da Rato, Ling, Lei & Cortés – Advogados e Notários (Lektou)

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