A relação entre a União Europeia (UE) e a Ásia enfrenta o “dilema enorme” do peso da China no continente, que a Europa deve procurar “reequilibrar” buscando parceiros regionais diversos, sustenta o investigador Constantino Xavier.
“Todos os países enfrentam um dilema enorme em relação à China”, que tem sido vista como “rival e competidor” por Estados Unidos e União Europeia, realça o académico português de origem goesa, em declarações à Lusa, a partir de Nova Deli, na véspera de ser orador na conferência internacional “UE-Ásia: desafios e futuro”, organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian.
Investigador no Centro para o Progresso Social e Económico de Nova Deli, Constantino Xavier considera que o atual “momento de transição e até de turbulência” é motivado pelo “crescimento enorme da China, que aparece claramente como o segundo polo de concentração de poder, para além dos Estados Unidos”, que, por seu lado, revelaram um “desinteresse pelas questões da Ásia” nos últimos anos.
É neste contexto que a União Europeia está a “repensar a Ásia” e a desenhar uma política comum que “não seja dependente da posição americana” – situa o doutorado pela universidade americana Johns Hopkins – e, ao mesmo tempo, não seja uma abordagem “tradicional”, apenas fazendo “os negócios de sempre com a China”.
Antecipando uma “UE, a longo termo, menos dependente dos EUA e, ao mesmo tempo, mais próxima à China”, Constantino Xavier frisa que a questão está em definir qual a natureza dessa proximidade e quão próxima será essa relação.
Recordando os “vários anos de aproximação à China por parte da UE”, com destaque para a assinatura do acordo de investimento no ano passado, Constantino Xavier alerta que “não serve os propósitos, os valores e a estratégia de desenvolvimento, de crescimento da UE, a longo termo, depender excessivamente da China”.
Para que tal não aconteça, a UE deve “procurar um grupo de parceiros mais diversificado”, buscando “outras potências para equilibrar” essa relação, como o Japão, a Índia e os Estados do Sudeste asiático.
“A Índia assume um papel pivô, porque é o segundo maior país na Ásia, com capacidades económicas e militares, que se oferece como uma alternativa à China”, reflete o investigador, que tem estudado sobretudo a política externa indiana e a relação com os países vizinhos.
Porém, sublinha, a relação UE-Ásia não pode ser reduzida “a um jogo de equilíbrio entre China e Índia”, porque o desafio é “encontrar uma Ásia mais multipolar”.
Além disso, aponta, também os países asiáticos enfrentam o mesmo “dilema” e “querem uma Europa muito mais ativa e muito mais presente na Ásia”, porque “estão muitas vezes excessivamente dependentes da China e de políticas coercivas chinesas” e “procuram parceiros alternativos”.
Os países do Indo-Pacífico estão no meio da “tempestade sino-americana” e, nesse contexto, “a Europa, a Índia e o Japão, em particular, têm um papel importante, como médias potências, para oferecer alternativas a estes países mais pequenos, que não se querem ver prisioneiros de uma rivalidade China-Estados Unidos”.
Ora, acontece que a UE não tem ainda uma política comum para a região. Ao contrário, “dentro da Europa, há vários grupos que dão prioridade diferente a este reequilíbrio para o Indo-Pacífico”, reflete.
Se “França e Alemanha estão a liderar o esforço” de conseguir “uma estratégia europeia”, há países “mais relutantes, seja porque dependem mais da China ou porque têm tido outras prioridades diplomáticas” e há mesmo “países hostis, especialmente na Europa de Leste e Central, que dependem profundamente da China” e cujas diplomacias já não conseguem fazem uma “leitura objetiva” da realidade, como é o caso de Hungria ou Grécia.
Portugal – observa – está a desempenhar “um papel pioneiro” no sentido de fazer valer que “é do interesse da UE ter reequilíbrio na política para a Ásia”.
A cimeira de alto nível entre a União Europeia e a Índia, prevista para 8 de maio, no Porto, no âmbito da presidência portuguesa do Conselho da UE, é exemplo de que Portugal está a “liderar”, ao “facilitar a convergência União Europeia-Índia”.
Este protagonismo “não é uma coincidência”, nem deve deixar ninguém surpreso. “Isto é um campeonato de todos”, constata.
“É justamente para os países mais pequenos que é de importância elementar encontrar uma ordem mundial que não os sufoque, em termos de pressões divergentes entre grandes potências”, assinala.
“Os momentos de desequilíbrio, competição, rivalidade sistémica vitimizam primeiro os países pequenos, que perdem a sua autonomia, independência política, estratégia de segurança”, exemplifica.
A conferência “UE-Ásia: desafios e futuro”, uma iniciativa do Fórum Futuro da Fundação Calouste Gulbenkian, vai juntar, ‘online’, vários especialistas durante toda a manhã de sexta-feira.
Antecipando a cimeira UE-Índia, a conferência, que será encerrada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, “pretende contribuir para o processo de análise e formulação da política externa da União Europeia nas suas relações com a Ásia em geral – e com a Índia em particular”.