A Assembleia da República (AR) de Moçambique aprovou hoje por consenso e na generalidade a Lei que Estabelece o Regime Jurídico Especial de Perda Alargada de Bens e Recuperação de Ativos.
A lei resultou de uma proposta apresentada hoje pelo Governo moçambicano, através da ministra da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Helena Kida.
O documento, que a Lusa consultou em julho, após a sua aprovação pelo Conselho de Ministros, prevê a “perda alargada de bens” relacionados com atividades ilícitas, incluindo património que já estivesse na esfera do arguido cinco anos antes da acusação.
A norma impõe também que a justiça persiga bens na posse de terceiros, que tenham sido alienados a título gratuito ou oneroso pelo arguido até cinco anos antes da acusação.
Por outro lado, os bens que não sejam compatíveis com os rendimentos lícitos da pessoa, condenada por prática de atividade criminosa, serão presumidos ilícitos e objeto de apropriação pelo Estado.
Ficam fora dessa presunção os bens que tenham sido recebidos por herança, ainda que tenham sido depois alienados pelo arguido.
A proposta de perda de bens estende-se ao património pertencente a terceiros que tenha sido usado como instrumento para a prática de crime ou que tenham tirado vantagem do cometimento do mesmo.
A proposta introduz o arresto preventivo de bens do arguido para tal bastando apenas a existência de indícios, como garantia do pagamento do valor correspondente aos bens perdidos a favor do Estado.
O arresto preventivo pode mesmo ser decretado antes de o Ministério Público apurar em concreto o valor dos bens a serem perdidos.
A proposta de lei prevê a criação pelo Governo do Gabinete de Recuperação de Ativos e o Gabinete de Administração de Bens.
Na sentença condenatória, o tribunal deve indicar o valor correspondente ao património incompatível com os rendimentos do arguido e declarar os bens perdidos a favor do Estado.
Remetem-se para a classe de bens que podem ser perdidos a favor do Estado os relacionados com crimes de tráfico de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e precursores, terrorismo e financiamento ao terrorismo, tráfico de pessoas e tráfico ilícito de armas.
Estão também abrangidos o tráfico ilícito de armas, corrupção e crimes conexos, agiotagem, fraude fiscal e crimes tributários, pirataria, crimes contra o ambiente, branqueamento de capitais, associação para delinquir, rapto, pornografia de menor, crimes informáticos, falsificação de moeda, títulos de crédito e valores selados, lenocínio, contrabando e falsificação de documentos.
O documento obriga à quebra de segredo profissional (sobre matérias com interesse para a descoberta da verdade material de factos relacionados com atividade criminosa) por parte dos membros dos órgãos sociais das instituições de crédito, sociedades financeiras e funcionários da administração fiscal.
A proposta foi aprovada por consenso pelas três bancadas da AR: Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), que detém a maioria parlamentar, com 184 deputados, Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), principal partido da oposição, com 60 assentos, e Movimento Democrático de Moçambique (MDM), terceira bancada, com seis deputados.
O diploma hoje aprovado na generalidade é um pedido já antigo da Procuradoria-Geral da República, que tem apontado a ausência desse instrumento como um impedimento para a recuperação de bens resultantes de atividade criminosa e um incentivo a dissipação de património obtido de forma ilícita.