número de indígenas mortos no Brasil devido à Covid-19 não para de aumentar, com associações a contabilizar 418 óbitos entre os povos originários desde o início da pandemia.
Contudo, os dados apresentados pelo Governo são bem inferiores, num total de 171 índios mortos, menos de metade dos apresentados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), organização que coordena a luta pelos direitos dos povos originários.
A discrepância estende-se ainda aos números de infetados, com a APIB a notificar até ao passado fim-de-semana 11.270 casos de infeção entre indígenas, enquanto a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da Saúde do Brasil, aponta para 7.598 índios diagnosticados com o novo coronavírus.
Ainda segundo a associação, que recolheu os dados em parceria com outras organizações, são 122 os povos afetados pela pandemia.
A divergência entre os números do Governo e de entidades indígenas tem sido uma constante desde o início da pandemia, e foi criticada no mês passado pela coordenadora da APIB, Sonia Guajajara. Segundo a dirigente, o problema na contagem está na forma como o executivo avalia se o cidadão é ou não indígena.
“A Sesai faz uma seleção de quem eles acham que é indígena e quem não é. Então, eles não registam indígenas que estão em contexto urbano. A própria estrutura da Sesai, sem atendimento próximo a algumas aldeias, faz os indígenas irem para os municípios. Uma vez ali, acabam por entrar na contagem normal do município, sem serem considerados indígenas com Covid-19”, explicou Guajajara.
Na avaliação da coordenadora da APIB, trata-se da “negação de querer mostrar a situação real”.
Na maioria, a população indígena brasileira está distribuída por milhares de aldeias, sendo que grande parte das infeções pelo novo coronavírus foi registada na floresta Amazónia, onde está localizada a generalidade das tribos isoladas.
Contudo, há indígenas a viver em territórios tradicionais de áreas urbanas e rurais, que, segundo a APIB, não são contabilizados pela Sesai.
No mês passado, na única conferência de imprensa que o executivo dedicou à pandemia em contexto indígena, o secretário de Saúde Robson Santos justificou a divergência nos dados com o argumento de que a contagem de infeções e óbitos é feita de acordo com a legislação em vigor, acrescentando que trabalha com “a ciência”.
Independentemente da grande divergência nos dados, as mortes e infeções entres os povos nativos têm aumentado, significativamente, e um dos grandes vetores de disseminação da Covid-19 são os garimpeiros ilegais (exploradores de metais preciosos), segundo a Justiça brasileira e os próprios indígenas.
“No passado, perdemos muitos de nossos familiares para as doenças que os não indígenas trouxeram e ainda hoje sofremos com essas perdas. Precisamos urgentemente de evitar que mais doenças se espalhem entre nós. Garimpeiros entram e saem de nossas terras em busca de ouro, sem nenhum controlo. Eles circulam entre as nossas comunidades sem nenhuma prevenção de saúde” indicou a etnia Yanomami, em comunicado.
Face a essas invasões de terras indígenas, a justiça brasileira determinou na semana passada que o Governo, liderado pelo Presidente Jair Bolsonaro, expulse garimpeiros das terras indígenas Yanomami como forma de combate à pandemia da Covid-19 na região.
“Considerando que há mais de 20 mil garimpeiros na terra indígena Yanomami, cuja população atual é de 26.780 indivíduos, bem como a notória situação de risco dos povos da região em razão de respetiva vulnerabilidade social e imunológica, deve ser deferida a medida de urgência requerida”, refere a decisão do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF1), que deu 15 dias para o Governo avançar com um plano de ações.
Uma das principais preocupações das autoridades é a vulnerabilidade das populações indígenas face a doenças respiratórias, o que aumenta o risco de agravamento em caso de contágio pelo novo coronavírus.
Comunidades tribais aprendem a proteger-se
Face ao aumento de casos, vários povos indígenas estão a executar as suas próprias barreiras de proteção, para impedir a entrada de invasores nos respetivos territórios. Outro dos meios de proliferação do vírus em terras nativas tem sido através de missionários, que têm invadido esses territórios em plena pandemia, oficialmente registada no Brasil no final de fevereiro.
Em abril, missionários evangélicos voaram de helicóptero até aldeias de indígenas isolados, na Amazónia brasileira, sem autorização dos órgãos competentes. Segundo o jornal O Globo, membros da “Missão Novas Tribos do Brasil” (MNTB), organização que promove a evangelização de índios brasileiros desde os anos 50 do século passado, aterraram em aldeias indígenas do Vale do Javari, na Amazónia, naquela que é uma das áreas com maior concentração de povos isolados do mundo, colocando em risco a saúde dos povos locais.
A denominação de “povos indígenas isolados” refere-se especificamente a grupos indígenas com ausência de relações permanentes com a restante sociedade ou que interagem com pouca frequência com não índios ou com outros povos indígenas, segundo fontes oficiais.
“Invasores criminosos de todos os tipos, como garimpeiros, madeireiros, (…) missionários proselitistas, têm-se aproveitado para invadir e saquear os nossos territórios, além de nos expor ao coronavírus, inclusive, em áreas com presença de povos indígenas isolados, os mais vulneráveis nessa política genocida. (…) A nossa história e nossa sobrevivência estão, mais uma vez, em risco pela omissão do Governo”, avaliou a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazónia Brasileira (Coiab).
A organização acusou ainda o Governo de Jair Bolsonaro de não proteger as terras povoadas pelos povos originários e de não assumir responsabilidades para enfrentar a doença.
“Nós, povos indígenas, organizamo-nos para monitorizar e proteger os nossos territórios e vidas, e assim evitar que se repitam os massacres que os nossos povos já sofreram, já que o Estado não assume a sua responsabilidade no enfrentamento da doença, nem na garantia constitucional da proteção das terras indígenas”, advogou a Coiab, que agrega lideranças indígenas desde 1989.
Outro dos dados preocupantes reunidos pelas associações é o de crianças e jovens indígenas afetados pelas Covid-19. Crianças e adolescentes indígenas representam 5 por cento das vítimas da Covid-19 nas respetivas comunidades. A pedido da National Geographic Brasil, a APIB contabilizou 18 mortes de jovens com idades até aos 19 anos. Desses, 13 eram recém-nascidos.
“Em qualquer parte do mundo, os jovens são os menos vulneráveis ao vírus, representando menos de 1 por cento do total de óbitos. Levando em conta toda a população do Reino Unido, cinco pessoas abaixo de 18 anos morreram vítimas da Covid-19”, comparou a associação. O Brasil já registou um total de 1.716.196 casos confirmados de infeção e 68.055 óbitos provocados pela Covid-19.
O número de doentes recuperados é de 1,152,467. Há 495,674 casos ativos.