Alguns partidos passaram os últimos cinco anos a defender a exoneração de Carlos Costa. Contudo, ainda que a incompetência da supervisão e os sucessivos escândalos que enfraqueceram a figura do Governador e do próprio Banco de Portugal o justificassem, tais propostas não passaram de show-off mediático, já que todos sabemos que tal exoneração é muito difícil à luz do enquadramento do direito da União Europeia e da interpretação restritiva que lhe é dada pelo Tribunal da Justiça da União Europeia. Por falta de vontade política, neste período o debate que ficou por fazer foi como se poderia evitar que, na escolha do próximo Governador, a supervisão bancária voltasse a estar nas mãos de alguém como Carlos Costa.
Ao não esconderem a vontade de colocar Mário Centeno no cargo sem um intervalo, António Costa e o PS não só mostraram que não tinham vontade de alterar as regras de escolha do Governador como, pior, mostraram um total desprezo pelo conceito de conflito de interesses e pela independência do Banco de Portugal. Não me surge outra expressão que não esta: isto é francamente grave. Não porque Centeno não tenha competência, mas sim pela falta de ética que existe no seu salto directo de Ministro das Finanças para o Banco de Portugal. Não podemos esquecer que Centeno, durante cinco anos, nomeou o conselho de auditoria do Banco de Portugal e estruturou o essencial das revisões da legislação que vai aplicar se ocupar o cargo. Alguém acredita que se Centeno passar a Governador vai conseguir ser objectivo nos estudos técnicos sobre o desempenho da economia portuguesa, em que as suas opções como membro do Governo foram essenciais e terão sempre de ser avaliadas? Além disso, participou na recapitalização da Caixa e na resolução do BANIF e do Novo Banco, processos polémicos que podem carecer da intervenção do próximo Governador.
Esta dança de cadeiras é tão difícil de defender que o próprio Marcelo Rebelo de Sousa teve de resgatar dos confins da história (e diria, em desespero) um precedente de um ministro das finanças da ditadura que transitou para o Banco de Portugal para justificar esta vontade.
Já o PSD, depois de em Fevereiro dizer não ver problemas nesta troca de lugares, não só passou a ser contra como, através de Duarte Pacheco, disse que iria opor-se em sede da audição parlamentar do nome escolhido pelo Governo. Mas esqueceu-se, contudo, que hoje, por força da Lei Orgânica do Banco de Portugal, apenas existe uma audição parlamentar, à qual se segue um “relatório descritivo” que em nada limita a escolha do Governo, já que apenas faz a descrição da audição. Para existir o condicionamento que o PSD tanto quer, seria necessário que na sequência desta audição se passasse a aprovar um parecer relativo à adequação do perfil do escolhido às funções a desempenhar, como já sucede no âmbito das Entidades Reguladoras. Mas não.
A falta de independência do Banco de Portugal não é nova: durante anos tem havido uma porta giratória entre o conselho de administração do Banco e a política, a banca comercial (regulados) ou as consultoras financeiras. De resto, um estudo recente diz-nos que o Banco de Portugal é o regulador que mais personalidades provenientes dos regulados tem no seu Conselho de Administração (62%) e que 42% dos seus membros vieram do mundo da política.
No próximo dia 9 de Junho, vai estar a votos uma proposta elementar que: 1) impõe um período de intervalo de cinco anos para quem tenha ocupado cargos na banca comercial, no Governo e nas consultoras financeiras; 2) reforça os poderes de escrutínio do parlamento e torna mais consensual o nome escolhido para o cargo, passando a exigir que o Parlamento aprove um parecer similar ao que hoje já existe no âmbito das Entidades Reguladoras e que tal parecer tenha uma aprovação por uma maioria de 2/3; 3) reforça o escrutínio sobre a decisão política do Governo, permitindo, como sucede em Espanha, a audição do Ministro das Finanças para que justifique ao Parlamento o nome escolhido.
Em nome da credibilidade e da independência do Banco de Portugal, o Parlamento tem de ser capaz de fazer o que não fez nos últimos cinco anos. Caso contrário, significa que não aprendemos nada com os 10 anos de Carlos Costa.
*Deputado e líder do Grupo Parlamentar do PAN (Pessoas-Animais-Natureza) à Assembleia da República Portuguesa