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Queda improvável

A agência de avaliação de risco Standard & Poor’s antecipa uma queda no preço do imobiliário na China para o próximo ano. Analistas acreditam que a descida terá pouco impacto no mercado local.

A Standard & Poor’s (S&P) prevê que o preço das casas no Continente caia até cinco por cento, em 2019. Num relatório publicado na semana passada, a agência de avaliação de risco diz que o setor atingiu o valor máximo. Em Macau, afirmam analistas, é pouco provável que se sintam os efeitos da queda. Ronald Cheung realça que a maioria dos compradores em Macau é local. “Quer isto dizer que o mercado é sobretudo suscetível ao rendimento da população ou, para ser mais preciso, às receitas do jogo”, alerta Cheung, antigo diretor-executivo da agência imobiliária de Hong Kong, Midland Macau. 

O ex-agente imobiliário antecipa que o jogo poderá ter reflexos menos positivos no imobiliário em 2019, uma vez que várias fontes anteciparam reajustes nas receitas esperadas tendo em conta a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos da América (EUA). 

“Apesar das previsões apontarem para uma queda, a descida não será muito significativa. Nunca houve tantos investidores locais tão ricos na cidade”, afirma Cheung, que prevê que no próximo ano a quebra de preços no imobiliário ronde os dez por cento e que o volume de transações encolha mais de dez por cento face a 2018. 

Albano Martins reitera que a evolução dos preços vai depender do setor do jogo, das restrições que a China possa vir a impor ao movimento de capitais e a evolução do yuan face à pataca. “Não deverá haver grande modificação no próximo ano. Embora não se adivinhem descidas, a haver aumento de preços será ténue. Em regra os preços são pouco elásticos em sentido descendente. Os investidores preferem esperar por melhores tempos a venderem mais barato”, antecipa. 

O economista prevê que a descida no Continente não vá ter grande impacto em Macau, mas explica que há contágio do que se passa do lado de lá da fronteira. Por norma, continua, as regras funcionam no mesmo sentido se a moeda funcionar também no mesmo sentido e Pequim não impuser controlos às saídas de capitais para Macau, afetando o jogo e o imobiliário. “Esse último aspeto [o jogo] é o que tem levado à queda dos preços do imobiliário.”

Ronald Cheung reforça que o mercado do Continente tem cada vez mais influência sobre o local, já que a economia da cidade depende fortemente da economia continental: se não está bem, o número de turistas e jogadores também tem tendência a cair. “O que vai influenciar o rendimento dos locais e, por consequência, o impulso para comprar e o volume de transações.” 

Ung Choi Kun, presidente da Associação dos Empresários do Sector Imobiliário, insiste: “Temos de ter em conta quem investe em Macau. Os dados oficiais mostram que mais 90 por cento das transações são feitas por locais. A percentagem de investidores que pagam em yuan é muito pequena ou inexistente.”

E por isso também não antecipa grande reflexo da queda eventual dos preços das casas na China. “Não prevejo grandes descidas ou subidas. Os preços devem manter-se tendo em conta que há falta de casas novas no mercado local e que as transações se vão centrar sobretudo nas habitações já existentes.”

Gregory Ku, diretor-geral da imobiliária “Jones Lang LaSalle” em Macau, concorda já que o mercado local é “bastante” independente do continental. “Face à recuperação do setor do jogo, baixa oferta imobiliária e da abertura da ponte Hong Kong-Zhuhai- Macau, o impacto da queda no imobiliário do Continente deve ser diminuto”, antevê. 

Ainda assim, e à semelhança dos restantes analistas, o diretor-geral da sucursal em Macau da multinacional “Jones Lang LaSalle” ressalva: “A economia local depende principalmente das indústrias do jogo e turismo. E ambas estão diretamente relacionadas com o capital e políticas da China”.

Ku defende no entanto que o mercado estabilizará caso não haja mudanças significativas ao nível das políticas locais. “O ambiente económico vai ser bastante volátil em geral mas as bases da economia de Macau mantém-se fortes”, salienta. 

Previsões em causa

O relatório da S&P justifica as previsões em baixa com as políticas adotadas pelo Governo central para travar o aumento do preço das casas. O documento refere como exemplo o acesso ao crédito ser mais difícil e o aumento do valor mínimo de entrada como algumas das políticas que estão a ter resultados.  

“Após uma atividade robusta, durante mais de dois anos, os meses de setembro e outubro, tradicionalmente fortes para o imobiliário chinês, foram de inércia”, realçou o analista da agência, Christopher Yip. As medidas do Governo central, acrescentou, estão a “reverter gradualmente o aumento dos preços”.

Ung Choi Kun mostra-se cético: “Tenho as minhas dúvidas sobre as previsões da S&P”. O também antigo deputado à assembleia começa por lembrar que há mais de mil milhões de habitantes no Continente e que a área do país supera os nove milhões km2. “É um país tão grande que é difícil fazer previsões.”

O mercado do Continente, continua, tem ciclos. E exemplifica: quando a construção de um conjunto de prédios termina em determinada cidade, há outra que vai fazer um plano de renovação urbana. “É um ciclo que nunca termina e por isso é que o mercado sobrevive. Quanto ao preço, há muito espaço para oscilar”. 

Mas, ressalva, quando um líder político tem em conta o bem-estar da população, não pode permitir que os preços subam de forma incontrolável. “Portanto, o Governo central vai sempre tomar medidas de forma a manter os preços num nível acessível à população”, defende. 

Ung Choi Kun acrescenta ainda que, tendo em conta que o setor imobiliário envolve muitos outros, Pequim vai sempre evitar que os preços subam ou desçam demasiado. “Admito que a guerra comercial entre a China e os EUA tenha reflexos, mas o Governo central não vai permitir grandes oscilações. O preço subirá e descerá mas sempre de forma razoável”, acredita. 

Albano Martins considera que a previsão de queda é possível tendo em conta os “obstáculos” que a situação económica do Continente enfrenta, como a depreciação do valor da moeda e a guerra comercial com os EUA. “Mas a evolução não é necessariamente a mesma em todas as áreas da China embora a tendência geral possa vir a ser esta”, aponta.

O economista não considera que o cenário de queda seja sinal de que a bolha imobiliária do setor do Continente vá “rebentar”. “Há crescimento económico e o investimento faz-se com capitais internos. Por outro lado, isso seria um desenvolvimento que o Governo tentaria sempre evitar.”

Já Gregory Ku salienta que a competição na China continental nunca foi tão feroz com investidores cada vez mais agressivos. “Se o mercado piorar, apenas os mais aptos vão resistir e isso vai tornar o mercado mais saudável.”

Ronald Cheung afirma que será negativo para Macau se a queda no mercado do Continente se confirmar e mantiver. Ainda assim, o analista defende que a longo prazo poderá ser positivo. “Vai obrigar quem quer comprar a ter mais calma e a pensar na real necessidade de o fazer, o que impediria ou atrasaria a rutura no nosso mercado”, sublinha. 

No que diz respeito ao setor no Continente, Ronald Cheung diz que é difícil perceber o que vai acontecer. “Depende muito das medidas do Governo, mais do que qualquer outro fator”, refere. Com base na tendência dos últimos tempos, Cheung acredita que a procura e a necessidade de habitação se mantenham em alta apesar de algumas quedas significativas nas grandes cidades. “No curto prazo, creio que o mercado chinês se vai tornar insustentável tendo em conta a forte procura provocada pela migração da população das zonas rurais para as cidades. A longo prazo, vai mudar tendo em conta que haverá mais casas vazias porque a população também vai decrescer”, prevê. 

O relatório da S&P antecipa que o volume de transações de casas sofra uma queda entre três a sete por cento. A descida, refere a agência, pode levar a uma contração de oito a 12 por cento no setor. 

Na análise da consultora as cidades pequenas são “as mais vulneráveis” à possível desaceleração. Olhando para Zhuhai – vizinha do território, Ronald Cheung prevê o contrário. O analista diz que a abertura da ponte Hong Kong – Zhuhai – Macau vai ajudar a atrair investimentos de Hong Kong e de cidades da província de Guangdong. “O preço das casas em Zhuhai é o mais baixo da região, por isso é provável que seja sustentável com um ligeiro aumento dos preços entre os cinco e os dez por cento”, prevê.  

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Recessão no mercado imobiliário

O banco estatal de investimento Corporação Internacional de Capital da China diz que o mercado imobiliário vai enfrentar uma recessão no próximo ano. O relatório confirma as previsões de vários analistas. O documento refere que haverá um “decréscimo significativo” das vendas, investimento e novas construções. As expectativas, refere-se no documento, já levaram muitas empresas a cancelar a compra de terrenos como resposta à contração do mercado. O organismo deixa um recado ao Governo central: “Deve alterar as políticas destinadas a arrefecer o mercado imobiliário”. O banco sugere que se reduza o valor mínimo de entrada na compra de um imóvel, facilite o acesso ao crédito e reduza as taxas de juro. As previsões do banco apontam para uma queda de dez por cento no volume de vendas e nos preços do setor. O investimento e as novas construções, acrescenta, também devem sofrer uma queda de cinco e dez por cento respetivamente. O estudo China Household Finance Survey refere que há mais de 50 milhões de casas vazias no Continente, cerca de 22 por cento do imobiliário urbano no país.

Catarina Brites Soares 16.11.2018

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