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Transições, legitimidade e legitimação

A legitimidade de um sistema tem expressão na sua capacidade de engendrar e manter a crença de que as instituições políticas vigentes são as mais apropriadas para a sociedade. Numa perspectiva personalista, o líder e a sua liderança desempenham um papel crucial para manter esse contrato vivo, num processo de legitimação.
Estamos a falar do contrato social, no sentido Iluminista, ou no “Mandato do Céu”(天命) na tradição milenar chinesa, segundo o qual o direito de governar do imperador está intrinsecamente ligado à sua virtude, valores morais e capacidade de assegurar harmonia e prosperidade entre os governados.
Esse mandato não é eterno e imutável. Se o líder fracassar na sua missão tem a sua legitimidade em risco e a sua substituição surge como inevitável. Os estados modernos encontraram formas institucionalizadas de transição de liderança: abertas, em sistemas democráticos, ou em círculo fechado, nos regimes autoritários e corporativos.
A conclusão em Angola da passagem de testemunho entre José Eduardo dos Santos e João Lourenço através da ascensão do já Presidente da República à liderança do partido do poder, o MPLA, sinaliza um passo importante num processo que é muitas vezes difícil e tumultuoso em sistemas de partido claramente dominante. Afinal a legitimidade de dos Santos estava enfraquecida.
Após a sua vitória expressiva nas eleições presidenciais do ano passado, Lourenço disse que se revia no estilo reformista do obreiro do processo de abertura da China, Deng Xiaoping, líder que apadrinhou e protegeu gerações de dirigentes com ímpeto reformista. São conhecidas as ligações de Deng a figuras da segunda metade do século XX de Macau como o empresário industrial Ho Tin, pai de Ho Iat Seng, atual presidente da Assembleia Legislativa que surge agora aos olhos de muitos como provável sucessor de Chui Sai On no próximo ano como Chefe do Executivo. A conferência de imprensa desta semana de Ho Iat Seng e do seu vice-presidente Chui Sai Cheong trouxe à tona um “consenso” em gestação entre uma certa elite. Entre as dúvidas que ainda subsistem parece certo que o intérprete em causa e o Espírito do Tempo (Zeitgeist) são pouco condizentes com as imprescindíveis reformas e abertura (改革开放) que façam cumprir o “Mandato do Céu” ao serviço do bem público. O contrato social aqui é pragmático, mas também cínico. E a legitimidade carece de legitimação.

José Carlos Matias 14.09.2018

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