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Caso Sulu Sou continua a agitar justiça e assembleia

O advogado Ho Kam Meng escusou-se a fazer muitos comentários sobre o processo que corre na justiça contra o deputado suspenso Sulu Sou. Para o causídico, o caso evidencia alguns problemas no sistema, designadamente falta de clareza na legislação relativa aos deputados, os quais merecem a atenção da sociedade. 

O julgamento do deputado pró-democracia Sulu Sou, acusado do crime de desobediência qualificada, foi adiado esta semana por decisão do Tribunal Judicial de Base (TJB). O adiamento vai manter-se até ser conhecida a decisão do Tribunal de Segunda Instância (TSI) sobre a ação apresentada por Sulu Sou a requerer a suspensão de eficácia da deliberação da Assembleia Legislativa que, a 4 de dezembro, suspendeu o respetivo mandato. 

Para Ho Kam Meng, o maior problema é a falta de clareza da legislação relativa aos deputados, deixando demasiada margem para conjeturas. 

O advogado deu um exemplo: “A legislação refere apenas uma sentença, mas não clarifica se é apenas para uma verdadeira pena de prisão ou se inclui uma pena suspensa. Além disso, no caso de uma pena que não ultrapassa os seis meses, o tribunal pode autorizar o pagamento de uma sanção em alternativa à pena, ficando a dúvida sobre a possibilidade de o deputado continuar a sua atividade neste caso. Estes aspetos são pouco claros”. 

Segundo a legislação, caso um deputado seja condenado a uma sentença de prisão inferior a trinta dias, este poderá retomar a atividade, mas se a sentença for superior, a continuação fica dependente de deliberação do plenário da Assembleia Legislativa.

Ho Kam Meng lembrou ainda que, caso Sulu Sou venha mesmo a perder o mandato, se poderá recandidatar à eleição que terá de ocorrer para preencher o lugar que ficará em aberto com a sua saída.

“A legislação, embora fale sobre quem não tem qualificações para ser eleito, não menciona se arguidos que sejam considerados culpados podem ser candidatos, e isto também é algo que deve ser clarificado no futuro”, defende Ho Kam Meng.

A juíza Cheong Weng Tong decidiu-se pelo adiamento, invocando o “princípio da continuidade” do julgamento, e para impedir que “decisões tomadas possam ser consideradas inválidas”. Cheong Weng Tong criticou a defesa, argumentando que esta, ao não avisar o TJB do envio da ação para o TSI, demonstrou pouca cooperação com o tribunal. O advogado de Sulu Sou, Jorge Menezes, pediu desculpa e assumiu que cometeu um “erro de julgamento”, embora a sua intenção fosse não prejudicar o andamento do processo.

Sulu Sou está acusado do crime de desobediência qualificada, na sequência de um protesto que remonta a maio de 2016, quando ainda não era deputado.

No dia da primeira sessão do julgamento (na passada terça-feira) era visível um reforço da segurança à porta do tribunal. Além de algumas forças policiais de guarda em zonas próximas, havia no local muitos meios de comunicação. Sulu Sou chegou ao tribunal acompanhado do outro arguido, Scott Chiang, e antes de entrar na sala de audiências agradeceu a preocupação demonstrada pelos jornalistas e cidadãos, manifestando a esperança e ambição de continuar a batalhar em conjunto com os movimentos sociais jovens.

De forma indireta, mas alegadamente decorrente do caso Sulu Sou, a Assembleia Legislativa viveu também uma situação pouco usual. Os deputados eleitos por sufrágio indireto Vong Hin Fai e Hou Hoi In tinham avançado com uma iniciativa legislativa – projeto de resolução intitulado “Natureza política das Deliberações do Plenário da Assembleia Legislativa”, o qual acabou por ser retirado a pedido dos proponentes antes de ir a votos. 

A iniciativa visava “confirmar que as deliberações do plenário que determinam a suspensão ou perda do mandato de deputado são atos de natureza política, que estão excluídos do contencioso administrativo, fiscal e aduaneiro” e que estas “não podem ser também sujeitas ao regime de suspensão de eficácia de atos administrativos”. No fundo, o objetivo era impedir situações como a decorrente da ação interposta por Sulu Sou para o TSI.

A iniciativa destes dois deputados gerou controvérsia, sobretudo junto dos meios jurídicos. 

Kou Hoi In deu uma explicação para a retirada do projeto. 

“A resolução surge do facto de existirem pontos menos claros na legislação relativa aos deputados, tendo o intuito de clarificar. Contudo, alguns assuntos ainda não foram tornados claros, e por isso o seu conteúdo deve ser complementado antes da deliberação”, disse.

Adiantou ainda que irá ponderar e complementar os conteúdos da proposta, tendo em conta as circunstâncias atuais, antes de a voltar a apresentar. 

Já Vong Hin Fai limitou-se a indicar que o documento foi retirado porque precisa de ser melhorado a nível do seu conteúdo e forma, acreditando que poderá estar completo, algures no futuro.

Este aparente recuo dos proponentes, mereceu um comentário de Sulu Sou ao Plataforma.

“Foi uma decisão correta, mas atrasada. É algo muito importante para a proteção do sistema e da independência judicial. Sendo assim, antes de qualquer proposta, os deputados devem pensar duas vezes, de forma a evitar confusões entre a sociedade, em particular neste caso que resultou num descontentamento no setor judicial. A imagem da assembleia ficou manchada”, considerou.

Para o deputado José Pereira Coutinho todo este processo foi demasiado apressado e não é a primeira vez que estes dois deputados retiram uma proposta. 

O parlamentar manifestou a esperança de que os seus pares não voltem a apresentar este tipo de resoluções ou propostas, pois a independência judicial é muito importante para o conceito de “Um País, Dois Sistemas”.

“Mesmo já tendo sido retirada, esta proposta prejudicou a imagem da assembleia. Se eu fosse um deles com certeza pediria desculpas perante a sociedade”, disse.

Esta não foi a primeira vez que estes dois deputados avançaram com propostas que acabaram retiradas. Anteriormente Vong Hin Fai e Kou Hoi In já tinham proposto a proibição da utilização de placas ou adereços pelos deputados durante as reuniões, iniciativa que também suscitou críticas e a oposição da sociedade por considerarem que poderia enfraquecer a liberdade de expressão. Os dois deputados também retiraram a proposta antes de deliberação final. 

Kenneth  Choi*  19.01.2018

*Redação

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