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Os manuais de História da China têm vários erros em relação a Macau

O primeiro jornal publicado em Macau não foi o semanário Abelha da China, em 1822, mas o Iníco do Diário Noticioso, em 1807. Além disso, o primeiro jornal chinês de sempre foi publicado em Macau e não na China Continental. São algumas conclusões do estudo levado a cabo pela professora de Comunicação da Universidade de Macau, Agnes Lam, centrado no período que medeia 1557 e 1840, agora publicado no livro “The Begining of The Modern Chinese Press History/Macau Press History 1557-1840” (“O Início da História da Imprensa Chinesa/História da Imprensa de Macau 1557-1840”, em Português).

 

Em entrevista ao PLATAFORMA, a professora de Comunicação Social da Universidade de Macau afirma que em função destas descobertas a China Continental precisa agora de rever os manuais de História, alterando as várias “incorreções” sobre a parte referente ao território.

Fazendo ainda um balanço da evolução da comunicação social no território, Agnes Lam afirma sentir alguma “pena” por Macau ter sido pioneira nessa altura, mas depois ter perdido importância.

Plataforma – Quais são as conclusões mais significativas do seu livro?

Agnes Lam – Quando estava a preparar a minha investigação para o doutoramento, apercebi-me de que os registos da História chinesa em relação a Macau eram muito simples, sem muitos detalhes. Decidi que iria pesquisar esse assunto. Quando comecei a listar a bibliografia existente, apercebi-me de que faltava muita coisa, e descobri jornais ou periódicos que nunca tinham sido mencionados antes.

Por exemplo, os manuais chineses de História da comunicação social referem sempre que o primeiro jornal moderno chinês foi publicado em Cantão, mas descobri que, na realidade, foi publicado em Macau. Agora precisam de rever os manuais — aliás, já admitiram que iriam fazê-lo.

Além disso, sempre se achou que, como o jornal Abelha da China foi apontado como o primeiro, só se tinha começado a imprimir jornais nessa altura [1822]. Ainda que as pessoas acreditassem que a Igreja tinha impresso material em Macau, na China Continental não havia referência a isso. Aliás, no século XVI, quando a Igreja aqui estava, ninguém sabe o que aconteceu em Macau e por que deixou de haver impressão por 200 anos.

Passei muito tempo em Roma, Itália, França, Portugal e Inglaterra, em busca de informação sobre Macau. Descobri muita informação em relação ao que sucedeu em Macau, antes do Abelha da China. Muito poucas pessoas já tinham investigado isso e todas se basearam em material de Portugal.

Existe pouca informação em Macau?

A. L. – Comecei a investigar nos anos 90. Nessa altura, tentei perceber nos arquivos quantos periódicos existiam em Macau e descobri que temos perto de 100. Comecei por procurar jornais Chineses, mas foi então que decidi mudar o foco da minha pesquisa para um período anterior ao Abelha da China.

Se o primeiro jornal não foi o Abelha da China conforme sempre se pensou, qual foi?

A. L. – Descobri — na realidade, [o historiador Português] Manuel Teixeira descobriu-o primeiro, mas não o classificou como uma publicação noticiosa — o Iníco do Diário Noticioso, publicado no seio da Igreja. Se observamos o conteúdo, são verdadeiras notícias sobre o que se passava na China Continental e na Europa. Não sei se distribuíam entre os membros da Igreja ou se afixavam nas paredes, não há registos.

Entre o Iníco do Diário Noticioso, em 1807, e o Abelha da China, em 1822, houve outros jornais?

A. L. – Sabemos que no interior da Igreja publicavam vários materiais sobre santos. Além disso, houve várias publicações do [missionário] Robert Morrison [chegado a Macau em 1807] — publicou mais de 10 tipos diferentes de panfletos missionários referindo Jesus, impressos em blocos de madeira, e depois ele tinha a sua própria casa de impressão ocidental. Publicou o primeiro dicionário Chinês-Inglês, jornais e literatura Chinesa, livros de Geografia e História, além de ter publicado um jornal bilingue The Evangellous and Miscellanea Sinica [1833]. Publicou também o primeiro jornal chinês de Macau e da China Continental [1833]. Na História da China, acreditava-se que a primeira publicação noticiosa Chinesa tinha sido publicada em Cantão por um missionário alemão, mas eu descobri que se tratava de uma publicação de Robert Morrison, em Macau.

Esta é uma novidade nos livros de História?

A. L. – Sim, é bastante novo. Nunca ninguém tinha dito tal coisa. Em Pequim, já afirmaram que precisam de rever os manuais. E o Evangellous and Miscellanous Sinica é o primeiro jornal bilingue na China.

Por que optou por publicar o trabalho em Pequim?

Por ser um trabalho académico, achei que não teria audiência suficiente em Macau. Além disso, queria que mudassem os manuais de História. A parte referente a Macau está cheia de erros.

Que outros erros encontrou?

A. L. – Há vários. Por exemplo, a forma como a Igreja é representada é demasiado negativa. Penso que não tinham informação suficiente. Por exemplo, Robert Morrison fez muitas coisas positivas — introduzia nas suas publicações as regras de conduta chinesa para ensinar os estrangeiros a interagir com os Chineses, além de ter introduzido o debate sobre a liberdade de imprensa e ideologia ocidental.

Neste livro, tentei dar o crédito às pessoas certas, até a vários Portugueses, porque ajudaram a China a criar a sua impressão moderna. O primeiro grupo de pessoas com formação na área eram os que trabalham para o Abelha da China — alguns eram Macaenses, outros eram Portugueses — e Robert Morrison tinha a sua própria casa de impressão. Depois da Guerra do Ópio, Robert Morrison transferiu a impressora para Hong Kong.

É por motivos políticos que a História da China representa a Igreja de forma negativa?

A. L. – Penso que foi mais por falta de informação. Costumavam descrever os missionários como tendo a bíblia numa mãe e uma arma na outra. Muitos Chineses continuam a acreditar neste mal-entendido. Por exemplo, o próprio Robert Morrison tinha uma imagem muito negativa, que agora começa a mudar — não sou a única a fazer este tipo de pesquisa. Há inclusivamente livros publicados na década de 1990 que referem que Morrison ajudou a Companhia das Índias Orientais a vender ópio.

Olhando para a História da comunicação social de Macau, em que períodos a divide?

A. L. – Nos primeiros 50 anos, quando os Portugueses chegaram a Macau [início do século XVI], apenas tínhamos publicações dos missionários, em Chinês ou Latim, usando o formato do bloco de madeira e a impressão segundo o modelo ocidental. Porém, ainda que os missionários tenham introduzido a impressão moderna, naquela altura fizeram-no a título experimental. Nas primeiras décadas, os Portugueses não sabiam bem como governar a cidade, ao mesmo tempo em que havia censura na China — eram muito cautelosos.

Estes panfletos missionários eram censurados?

A. L. – Não eram permitidos. Ainda assim, conseguiram publicá-los, porque a China é demasiado grande, podes sempre publicar.

Depois de 1590, todas as publicações pararam. A Igreja levou a impressão ocidental para o Japão. Ainda houve algumas publicações, de acordo com o formato Chinês, mas o foco mudou para a China Continental. Até aos primórdios do século XIX, não publicávamos. Estivermos silenciosos nos séculos XVII e XVIII, até ao início do século XIX. Foi nessa altura que chegou Robert Morrison e começou a publicar. A primeira publicação de Morrison em Macau data de 1809.

Macau serviu como um laboratório para as publicações internacionais — começando por Morrison, mas depois também os Portugueses e os Americanos. A dada altura, até os Alemães publicavam em Macau. Desenvolveram-se aqui vários formatos de jornais que mudaram toda a China.

Antes destes estrangeiros, as publicações na China Continental usavam apenas o formato de folheto, até ao dia em que Morrison começou a publicar em Chinês e em papel. Foi nessa altura que implementaram uma nova forma de imprimir jornais — com os blocos de madeira, podes imprimir um, 100 ou 1000 exemplares, que não recebes dinheiro por isso. Segundo o modelo ocidental, precisas de um mínimo de exemplares, caso contrário perdes dinheiro. O chamado capitalismo da impressão começou aqui.

O conteúdo dos jornais Chineses e ocidentais era muito diferente?

A. L. – Os missionários publicavam conteúdos sobre Deus, até que chegou Robert Morrison e ele introduziu o conceito ocidental de jornalismo. Ele escrevia notícias. Os Britânicos publicavam coisas sobre o comércio, debates no parlamento britânico e tudo o que conseguiam encontrar sobre a China Continental. Por seu turno, os Portugueses tinham mais notícias ligadas à Igreja, além de notícias sobre Portugal, e sempre que conseguiam qualquer coisa sobre a China Continental também publicavam. Os Chineses publicavam sobre o conceito ocidental. A maioria das primeiras publicações chinesas eram geridas por missionários, mas fingiam não ser publicações da Igreja.

Por que escolheu este período da História?

A. L. – Quero escrever até 1999, mas vai levar muito tempo. Entretanto, tenho estado sempre a compilar informação. O próximo livro a sair vai centrar-se no período entre 1840 e 1910, que é outra era, muito particular. Nesta altura, apenas havia publicações em Português e Inglês, não havia publicações de Chineses locais. Só em 1898 houve uma publicação bilingue e depois dessa os Chineses sentiram necessidade de criar outras.

E o período até 1999 é muito diferente?

É mais parecido com o que temos agora.

Olhando para a imprensa dos dias de hoje, considera que, dada a História, poderíamos ser hoje uma referência?

A. L. – Sinto alguma tristeza, porque Macau era tão importante. Aqui havia liberdade. Ainda que tivéssemos algumas restrições, por sermos território Chinês sob o regime de censura Português, as pessoas conseguiam inovar. Era um laboratório para a impressão Chinesa dos dias de hoje, além de um grande laboratório para o jornalismo internacional. Mas, por não termos população suficiente e por o mercado ser demasiado pequeno, outros sítios, especialmente nesta parte do mundo, começaram a desenvolver a sua própria impressão e deixámos de ser pioneiros.

A censura ainda opera hoje em dia em Macau?

A. L. – Não temos censura, segundo a lei. Gozamos de alguma liberdade, exceto na China Continental. A censura que existe é mais auto-imposta e a pressão vem do setor político e empresarial. Não temos censura, mas os setores político e empresarial exercem alguma pressão, que leva a auto-censura.

Vê isso na imprensa Chinesa, Portuguesa e Inglesa?

A. L. – Sim, todos têm os seus próprios focos de pressão. Nalguns casos pode vir do próprio proprietário, mas acredito que o mais importante é não deixar que o Governo interfira diretamente. Mas não podemos impedir a pressão indireta.

Com Macau a ser pioneira, e dada a influência ocidental, não é estranho que o jornalismo hoje praticado no território seja muitas vezes considerado quase paroquial?

A. L. – É por isso mesmo que digo que é triste. Já não somos um laboratório para inovação. Cheguei a ler artigos que referiam que as pessoas de Macau eram os melhores talentos do mundo, no que toca aos conhecimentos de impressão. Aliás, a meio do século XX, Hong Kong queria contratar pessoas de Macau para a sua casa de impressão. Porém, se fomos pioneiros na parte técnica, não fomos na parte dos conteúdos.

Luciana Leitão

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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