No semestre que se iniciou em Janeiro, fecharam 35 cursos de Português na Universidade de Macau, além de terem sido dispensados dois professores em regime de tempo parcial. Numa entrevista conjunta, a diretora do departamento e a diretora da Faculdade de Artes e Humanidades garantem que é tudo normal. Fontes do PLATAFORMA falam de cortes, sobrecarga e pressão no local de trabalho
Os números não enganam. Do primeiro para o segundo semestre do ano letivo em curso, encerraram 35 turmas de Português — na vertente obrigatória, facultativa e incluída no regime que se chama ‘General Education’ (GE). No que toca aos cursos opcionais, de fora ficaram 70 alunos que já tinham feito a pré-inscrição e que, com o encerramento de seis turmas, tiveram de escolher outra cadeira. As responsáveis da Universidade de Macau garantem que se trata de um decréscimo normal no segundo semestre, mas fontes contactadas pelo PLATAFORMA referem-se a mudanças no seio de departamento, que se refletem em instabilidade, excesso de trabalho e pressão.
Neste semestre em curso, há 252 alunos em dez turmas que não se integram na licenciatura, a concluir um “minor” — especialização de 18 créditos — ou o português que consta do programa de “General Education”. Mas o PLATAFORMA sabe que poderia haver 322 — 70 alunos pré-inscreveram-se nas aulas de Português, na vertente facultativa, mas foi-lhes negada essa oportunidade por não haver turmas suficientes.
Segundo os números fornecidos pela própria Universidade de Macau, no primeiro semestre do ano letivo de 2014/2015, havia 120 cursos de Português, enquanto no segundo semestre, esse número desceu para 113. Em 2015/2016, se, na primeira metade do ano letivo, o número ascendia a 137, no semestre subsequente havia um total de 102 — menos 35 do que no semestre anterior e menos 11 do que no período homólogo do ano letivo transato.
No caso das aulas de Português na componente não obrigatória, Fernanda Gil Costa refere que neste semestre em curso fecharam seis turmas, estando, assim, a decorrer dez.
A diretora do departamento de Português afirma que o decréscimo é normal. “Sempre reduzimos no segundo semestre o número de cursos, porque os nossos alunos do terceiro ano [da licenciatura] vão para o estrangeiro. Temos sempre menos cursos do que no primeiro [semestre]”, afiança.
Quanto à não contratação de determinados docentes em regime de tempo parcial — que já se encontram há anos a trabalhar continuamente com o departamento — e a redução do número de horas a outros, a responsável afirma que se trata de uma decisão estratégica. “Tem a ver com os recursos que temos e como podemos geri-los.”
Do primeiro para a segundo semestre, há menos 66 alunos do terceiro ano da licenciatura em Português, na Universidade de Macau — encontram-se a estudar em Portugal. A professora afirma que também há muitos alunos que se inscrevem no primeiro semestre, mas depois desistem no segundo. “Normalmente, no início temos um número alto, mas depois não prosseguem. Começam a estudar Português para ter uma boa nota, mas depois desistem”, declara.
Além disso, continua a professora, a política da universidade é atribuir as turmas, em primeiro lugar, aos docentes contratados. “Os profissionais a tempo parcial não se podem dedicar da mesma maneira. Queremos ter o menor número possível destes docentes. Não é a melhor opção para os nosso alunos”, diz, acrescentando: “Estamos a tentar convencer as pessoas que lidam com questões orçamentais a substituir os trabalhadores a tempo parcial por outros a tempo inteiro.”
Nos últimos três anos, cinco professores da casa saíram, por motivos alheios à Universidade. “Dois estavam na idade da reforma e tiveram de sair; os outros três docentes eram brasileiros e tiveram de regressar”, afirma.
Entretanto, foi iniciado um novo processo de recrutamento para substituir essas perdas. “Substituímos dois ‘senior instructors’, que começaram já em Janeiro e, entretanto, estamos a tentar recrutar mais dois professores”, acrescenta a diretora da Faculdade de Artes e Humanidades, Hong Gang Jin. “Tínhamos 31 docentes a tempo inteiro em 2012 quando cheguei [ao departamento], e agora temos 28. O nosso primeiro objetivo é chegar a esse número [31] — e, supostamente, vamos precisar de mais posteriormente”, acrescenta Fernanda. São precisos recursos a todos os níveis. “Queremos bons docentes jovens, mas também professores [doutorados], sobretudo se queremos ajudar os docentes da China Continental [a ensinar Português] a crescer nas suas carreiras.”
As mudanças do Direito
A decisão de não renovação dos serviços de alguns docentes em regime de trabalho parcial está também relacionada com a mudança do peso do Português, na Faculdade de Direito de Macau. “No ano passado, a Faculdade de Direito duplicou o número de aulas de Português [dos seus alunos]”, diz Hong Gang Jin.
Fernanda Gil explica as mudanças. “Quando cheguei, todos os anos, a Faculdade de Direito pedia ao departamento de Português para dar aulas a 80 ou 90 alunos. O que estava mal é que eles [do Direito] determinavam tudo — estavam a tomar decisões sobre quantos alunos era preciso por aula, sobre a necessidade de insistir no vocabulário jurídico”, diz. “Em Junho, fomos informados de que o departamento de Direito tinha decidido passar-nos os seus alunos, de uma maneira totalmente livre.”
Ainda que a decisão tenha sido bem acolhida pelo departamento de Português, vem causar uma pressão adicional. “É por isso que os professores a tempo parcial estão tão frustrados — tínhamos muito trabalho para lhes dar no primeiro semestre, mas o departamento de Direito entretanto também reduziu as sessões à noite”, garante Fernanda. Isso aliado aos tais 66 alunos que se encontram no atual semestre em Portugal levou a que os serviços dos docentes a tempo parcial não fossem tão necessários. “Quando os nossos alunos vão para Portugal, dois docentes a tempo inteiro ficam sem trabalho.”
Ainda assim, nas projeções em relação ao próximo semestre, Fernanda Costa admite que deverão ter novamente dificuldades. “Não lhe posso dar as projeções, mas antecipo que vamos ter as mesmas dificuldades do início deste ano. Provavelmente, vamos precisar destes funcionários a tempo parcial.”
Hong Gang Jin diz que continuam à procura de dois professores a tempo inteiro ainda este ano, para começar a trabalhar no próximo semestre no departamento de Português. “Oferecemos a vaga a uma pessoa que primeiro rejeitou, depois aceitou e a seguir desistiu”, diz. O processo de recrutamento tem sido bastante difícil. “Se reside no Brasil ou em Portugal, é muito difícil vir para Macau. Têm de pensar em mudar a família inteira”, continua Fernanda.
Para o próximo semestre, prevê-se um cenário ainda mais difícil. “Devemos ter mais aulas do que no ano passado, sobretudo devido aos alunos de Direito.” Sobre a potencial sobrecarga dos docentes da casa, Hong Gang Jin afirma: “Estamos a tentar encontrar a melhor maneira de não sobrecarregá-los.”
Recorde-se que no início de Dezembro, a Rádio Macau havia avançado que a Universidade de Macau iria acabar com a oferta da cadeira de português como opcional para os estudantes de cursos que não integram o departamento de estudos portugueses. Isso veio posteriormente a ser negado. Fernanda Gil Costa garante que não vai terminar. “Houve uma versão do GE (em revisão) que não contemplava o português como língua de opção, mas foi revista depois da turbulência de Dezembro passado.”
A “pressão” sobre os docentes
No interior do departamento de Português, há queixas de sobrecarga, pressão e excesso de alunos. A partir do início do próximo ano letivo, cada docente passa a ter entre 250 e 300 estudantes por ano a seu cargo, ao invés dos iniciais 120, que se contavam há dez anos. Entretanto, dois trabalhadores a tempo parcial viram os seus contratos de prestação de serviços não renovados neste semestre em curso.
Natasha Fellini dava aulas a tempo parcial de Português, na Universidade de Macau, há já oito anos, sem interrupções. Em Novembro, recebeu um e-mail — endereçado a vários outros docentes mas sem identificá-los, cujo remetente era a diretora do departamento de Português — pedindo a sua dispensa das aulas, por “contenção de despesas” e “encerramento de algumas aulas”. Ficou “triste”, mas não procurou saber os motivos precisos. E afirma que os docentes da casa deverão sofrer mais com estes cortes, ficando com “menos tempo para pesquisa”.
Há muitas críticas à ausência ou redução do número de horas dos docentes a tempo parcial. “É o sistema americano, o ensino passou a ser uma carreira. É quase tudo doutorado, mas os doutorados trabalham seis horas por semana para fazer uma suposta investigação”, diz uma fonte. “Os professores assistentes supostamente têm seis horas letivas semanais e o resto do tempo é suposto ser para investigação. São precisos part-times para dar a língua.”
Além disso, houve mudanças de gestão que colocam pressão sobre os próprios professores, desde que se mudaram para a ilha da Montanha. “O sistema americano impôs-se totalmente. Há burocracia, pressão, vigilância e controlo. Há ameaças de despedimento e os professores estão sempre a ser chamados”, diz, acrescentando: “Há professores com problemas porque chumbaram alunos que não sabiam sequer escrever uma frase. Surgiram problemas na renovação do contrato — os contratos são por três anos.” Sobre os docentes em regime de tempo parcial, afirmam que alguns receberam indicações iniciais de que “seriam despedidos”, mas foram posteriormente “recuperados” e re-encaminhados para o ensino na Faculdade de Direito.
Uma outra fonte disse ao PLATAFORMA que os professores não efetivos do departamento são sempre necessários. “Embora haja sempre essa condicionante de haver menos turmas [no segundo semestre], também é um facto de que há alunos que se quiseram inscrever e não lhes foi dada essa oportunidade.”
Uma outra fonte refere que, ao longo dos últimos dez anos, houve mudanças internas, que implicaram um aumento do volume de trabalho dos docentes da casa. Os docentes do departamento de Português começaram por ter uma carga de 12 horas de aula por semana, a cumprir no semestre. “Os professores podiam ter três turmas — com aulas de duas horas, duas vezes por semana, perfazia quatro aulas por turma.” Depois, foi-lhes imposto que as aulas passassem de duas horas a 90 minutos. “Com esta nova gerência na Universidade [o atual reitor Wei Zhao tomou posse em 2008], as aulas passassem a ser de 90 minutos e isso põe em causa a qualidade do ensino administrado aos alunos — se têm uma carga inferior de exposição à língua, o que os professores têm de fazer é dar as matérias de forma mais superficial.”
Assim, os docentes, que continuavam a ter de cumprir 12 horas por semana, assumiriam mais uma turma. “O professor passa a ter a mesma carga horária mas 80 alunos. Ao diminuir [a duração das aulas], vai haver mais uma turma para os professores, o que leva à dispensa de docentes externos.”
Pouco antes da transferência para o novo campus, assistiu-se a um aumento do número de alunos por turma. “Dantes tinham 20 alunos e agora têm 30 [há turmas com 38 alunos].” No primeiro semestre deste ano letivo, os docentes passaram a ter de cumprir 15 horas semanais, ao invés das anteriores 12. “Assumem-se 30 alunos [por turma], mantendo-se a carga do segundo semestre nas quatro turmas de 30 alunos, já com 150 alunos no primeiro semestre e 150 no segundo”, diz.
No próximo ano, entram em vigor de outras medidas. “São cinco turmas no primeiro semestre e cinco no segundo.” Assim, se num primeiro semestre, há dez anos, cada docente tinha a seu cargo um total de 120 alunos por aluno, passam agora a ter 300.
Acrescem a estas medidas todo um sistema de “pressão e vigilância imposto pelas cúpulas”, no início do ano, com funcionários de bloco na mão, para averiguar as horas a que os professores entravam nas salas de aula. “Depois, com a mudança para o campus da Ilha da Montanha, em que tudo é longe, surgiu uma circular determinando que as aulas não passam a ser de 90 minutos, mas têm de acabar 15 minutos mais cedo para os alunos chegarem às outras aulas”, refere.
A diretora do departamento de Português, Fernanda Gil Costa, confirma a mudança que irá ocorrer no início do próximo ano letivo, ainda que acredite que o número de alunos, em média, por ano, a cargo de cada docente, não seja superior a 250. “Quanto ao resto não confirmo; se há pressões sobre pessoas, as pessoas terão de as assumir e queixar-se em nome próprio”, diz.
Luciana Leitão