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Talvez o BAII venha a refletir um Consenso de Pequim

Stephany Griffith-Jones, uma das principais peritas em crédito para o desenvolvimento, acredita que o novo Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas
mudará o paradigma no financiamento internacional

– Tem uma visão optimista quanto ao futuro do Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas (BAII).  Qual será o seu impacto nos bancos de desenvolvimento já existentes?
Stephany Griffith-Jones – Aquilo que  é muito importante é que o BAII seja bem gerido, que seja um bom banco de desenvolvimento eficiente no sentido convencional, mas também no impacto dos projetos para o desenvolvimento. Há uma grande probabilidade que assim seja. Tem alguns elementos positivos. Em primeiro lugar, trará financiamento adicional, o que é muito necessário porque há vastas carências em infraestruturas – estimadas em 600 mil milhões de dólares, no caso da Ásia. Esperamos que seja mais flexível e mais ajustado às características dos diferentes países. Talvez em relação aos países mais pobres haja mais flexibilidade e maior assistência técnica. No caso do Banco Mundial, ainda que os padrões estejam a mudar, está ainda muito sujeito a pressões das organizações não-governamentais. Isso também se verificará na medida em que há membros europeus no banco, o que de certo modo é saudável. Mas está também em causa uma mudança ao nível da governação global, uma vez que o papel dominante no BAII é assumido por países em desenvolvimento – China, em particular. Isto reflete realidades que os países ocidentais não se manifestam disponíveis a aceitar. O que é interessante é que, porque existem novas instituições como o BAII, os países desenvolvidos vão fazer um esforço maior. Por exemplo, finalmente a reforma do Fundo Monetário Internacional, que é limitada, está a realizar-se, e o Banco Mundial está a pôr mais dinheiro em infraestruturas. A minha expectativa é que haja competição para elevar a fasquia, com melhores projetos, aprovações mais rápidas, maior impacto no desenvolvimento e melhores avaliações. Há sempre o risco de, havendo demasiado agentes, haver competição que reduz a fasquia. Além disso, talvez com o tempo o BAII venha a reflitir um Consenso de Pequim, ao invés do‘Consenso de Washington”.

– A questão dos critérios parece uma faca de dois gumes…
S.G.J. – É bastante complexo. Por exemplo, a questão das alterações climáticas é real e importante, porque apenas temos um planeta e temos que respeitar os seus limites. Há necessidade de fontes renováveis, eficiência energética e, em traços gerais, de estratégias de desenvolvimento menos dependentes de fontes carbono-intensivas. Os principais desafios estão naturalmente, em grandes países como os Estados Unidos e a China e a impressão que tenho é que muitas vezes estes bancos de desenvolvimento têm mais facilidade em impor condições a pequenos países. Exigem coisas ao Mali que não exigem à Alemanha ou à China. As exigências têm de ser proporcionais à dimensão dos países e há quem defenda que, ao invés de impor padrões, é preciso trabalhar com os padrões dos próprios países: verificar que estão a cumprir os padrões que têm e, caso sejam insuficientes, fortalecê-los. É importante é que as leis nacionais sejam respeitadas. 

– O presidente do BAAI, Jin Liqun, escolheu para mote que o banco seja ‘curto e grosso, e verde’ [‘lean, mean and green’, originalmente]. O que é que isto quer dizer?
S.G.J. – O BAII tem já uma abordagem interessante no sentido em que não dispõe de um conselho de administração permanente. O Banco Europeu de Investimento funciona já assim, e o Banco de Desenvolvimento da América-Latina, antigo CAF, tem apenas uma reunião trimestral de administração, sendo dirigido por gestores sénior. É muito mais ágil e, num certo sentido, menos político. Se a equipa for boa, as coisas andam mais depressa, ao passo que o Banco Mundial tem uma administração permanente que avalia cada projeto em grande detalhe. O BAII é muito mais rápido na aprovação de projetos, e os países adoram isso.

–  Tem esse objetivo de ser mais rápido?
S.G.J. – Sim, é a filosofia. O que é importante é que se institua que os projetos têm de ser bem concebidos e cuidadosamente avaliados. Talvez da parte chinesa haja um pouco menos de cautela. Há que ter cuidado com questões como a sustentabilidade da dívida e o risco político – alguns dos países potencialmente beneficiários estão em situações muito complicadas. O Banco Mundial perdeu muito dinheiro em África, em particular em países de baixos rendimentos, acabando por ter de perdoar as dívidas. A China talvez tenha menos experiência, mas no BAII será muito interessante porque estão lá britânicos e alemães, que já passaram pela experiência de perder dinheiro. Há que ser optimista e fazer muitas coisas, mas também que avaliar os riscos cuidadosamente. 

– O clima de incerteza para o investimento é muito forte em muitos sítios. Como é que isto se vai refletir?
S.G.J. – O ambiente económico mudou totalmente. Há três anos, quando surgiu a ideia de um banco dos BRICS [Novo Banco de Desenvolvimento], a China estava a crescer a 10%, o Brasil estava bem, a Índia e a África do Sul também. Atualmente, apenas a Índia está bem… Bom, a China ainda está bastante bem. Mas há muita incerteza e problemas. O Japão não está bem, nem a Zona Euro. Os Estados Unidos estão um bocadinho melhor mas a economia mundial está numa situação muito mais difícil. Mas vejo também aspectos positivos. De uma forma geral, há uma fuga dramática de capitais das economias emergentes, mas este tipo de bancos públicos, que historicamente atuam contra-ciclicamente, vão continuar a emprestar e a financiar o investimento a longo prazo, o que é extremamente importante. Caso contrário, há interrupção do investimento. 

Entrevista 2

– Os bancos públicos podem dar-se ao luxo de garantirem financiamento barato a projetos com pouca sofisticação financeira que cative financiamento privado?
S.G.J.– Essa discussão é importante. O setor privado diz sempre que quer segurança máxima, garantias máximas e lucros máximos. Ou seja, querem o mínimo risco e os maiores ganhos. Mas o setor público tem que querer exatamente o oposto: garantir o mínimo necessário para atrair o investimento privado e, se for apropriado, oferecer garantias contra riscos regulatórios. Agora, não tem que garantir nada que tenha que ver com risco comercial. Isso é da esfera privada. O capitalismo é isso – umas vezes fazem-se lucros, outras há prejuízos. Também é importante inventar mecanismos de forma a que, se o projeto correr muito bem, haja uma participação nos lucros [por parte dos bancos públicos]. Há sempre o risco de prejuízo, mas os lucros permitem aumentar os capitais e emprestar mais. É algo que compensa possíveis perdas.  Tudo isto tem que ser bastante simples. 

A impressão que tenho, da experiência da crise financeira, é que a complexidade dos instrumentos – que o setor privado, naturalmente, adora – frequentemente encobre os riscos. Sou muito cética em relação a essa alquimia das finanças; a ideia de que, subitamente, de muito pouco se retira assim tanto. Há grande alavancagem de qualquer forma. No caso do BAII, com um capital pago de 20 mil milhões de dólares pode-se emprestar 140 mil milhões de dólares. Se houver cofinanciamento privado, pode chegar aos 280 mil milhões. A taxa de endividamento é de 14 vezes. Os bancos americanos que contribuíram para a crise de 2008 tinham uma taxa de endividamento de 30. Essa alquimia tende a acabar mal. Tudo isto também ajuda na velocidade dos empréstimos; não se perde tempo a criar novos instrumentos. 

– Maior prudência não reduz os incentivos para o setor privado?
S.G.J.– Não. Obviamente, há que haver uma estrutura que atraente para o setor privado. Escrevi um documento de contexto para a criação do fundo de investimento europeu, um caso de parceria público-privada. Quando fiz as entrevistas sabiam que estava a trabalhar para a Comissão Europeia; portanto, as respostas estavam direcionadas para maximizar as garantias. É uma espécie de jogo entre os bancos de desenvolvimento e o setor privado. Se lhes oferecermos muito pouco não se envolvem, mas não queremos dar-lhes demasiado; não queremos usar fundos públicos para grandes lucros privados. Não é fácil em termos de enquadramento político; é preciso trabalhar com o setor privado mas defender o interesse público. O importante é que o impacto líquido no desenvolvimento seja significativo. Pelo facto de a China ter tido esta experiência de desenvolvimento, pode projetá-la neste novo banco de desenvolvimento mais dinâmico. 

– Como vê a articulação entre o AIIB e as iniciativas unilaterais da China, com o Banco Chinês de Desenvolvimento e o EXIM Bank? Há duas estratégias?
S.G.J. – Sim, mas não é muito diferente do que sucede, por exemplo, nos Estados Unidos. Esta tensão entre instituições nacionais e multilaterais não é típica da China. Talvez seja mais notada porque o país se tornou num agente tão importante. Mas, no passado, americanos, britânicos e alemães agiram da mesma forma. No geral, economistas do desenvolvimento que tendem para iniciativas multilaterais, como eu, preferem instituições mais multilaterais, apesar dos problemas que possam ter. Antes dizia-se que os chineses deviam estar mais envolvidos em instituições multilaterais. Agora estão; não se pode criticar. Isto é bom. Há uma maior sujeição a regras, não se age sozinho, é difícil impor um interesse único. É também mais complicado negociar, mas é melhor. Há tensões, claro. Inicialmente, o BAII vai ter um modelo de cofinanciamento com o Banco Mundial e já há quem diga que será mau se começarem a parecer-se demasiado. Outros entendem que é mau haver um afunilamento dos interesses segundo a perspectiva do Banco Chinês de Desenvolvimento. O ideal é haver uma mistura: aprender com a experiência do Banco  Mundial e incorporar lições da China que, por exemplo, tem sido um grande agente na promoção da energia solar.

– Há também vantagens na promoção das indústrias nacionais…
S.G.J. – Claro. Não é incomum. A China, porque tem uma dimensão tão grande e uma postura algo agressiva, faz-se notar. Mas do ponto de vista de países como o Chile, que importa painéis solares, é maravilhoso. Agora têm energia solar sem necessidade de subsídios. Os painéis são muito mais baratos. Um produtor de painéis solares alemão não estará feliz, mas o mundo funciona um pouco assim. Os países não são organizações não-governamentais. Para mim, o teste é sempre o de saber se os países em desenvolvimento estão a ganhar em termos líquidos. 

– Há financiamento chinês vinculado ao envolvimento de empresas chinesas. Os países-alvo que também querem desenvolver a própria indústria podem ver estes termos como problemáticos?
S.G.J. – No caso do BAII, a postura é muito liberal. As adjudicações podem ser feitas a empresas de qualquer país. Por exemplo, é possível comprar equipamento aos Estados Unidos, que nem é membro. É incrivelmente generoso. O mesmo sucede com a contratação de pessoal para os projetos. As histórias que ouvimos em relação ao financiamento chinês para África são de que a construção não é boa, os projetos são caros e não há recrutamento de mão-de-obra local. Haverá bons e maus exemplos, é preciso analisar caso a caso. Mas aquilo de que estes países em África gostam é que os chineses chegam e fazem, constroem portos e estradas, enquanto o Banco Mundial fala de elevar o nível de governação e melhorar os direitos humanos – o que é importante, claro. As reformas são necessárias, mas não estou tão certa de que seja boa ideia impô-las do exterior. É melhor ter as instituições a garantirem competências técnicas. O Banco Mundial costuma ser adorado pelos países em desenvolvimento porque tinha óptimos engenheiros. Mas deixou de financiar tantas infraestruturas e de ter tantas competências. Era algo bom para a economia real dos países. O BAII fará isto, o que será bom. Mas terão de ser projetos bons e competitivos, independentemente de quem seja o fornecedor. 

Maria Caetano

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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