Início Entrevista Continuo a achar que Macau tem coisas interessantes

Continuo a achar que Macau tem coisas interessantes

Rui Leão é o novo presidente do Conselho Internacional dos Arquitetos de Língua Portuguesa (CIAPL). Uma conquista para a qual foi impulsionado por uma certa “cultura de estar, de fazer e de pensar” a arquitetura com “responsabilidade social” e ambição de “pensar a cidade”. Depois, confessa, há essa “angústia” de projetar para o mundo os desafios da arquitetura em Macau

 

Plataforma – Como é que surge este envolvimento com o movimento associativo, primeiro local, depois internacional?
Rui Leão – Quando voltei a Macau para trabalhar, em 1996, com o Manuel Vicente, havia numa série de ateliês portugueses essa cultura – extraordinária – que, de certa maneira, transportava uma certa maneira de estar, de pensar e de fazer, coletivamente, pensando responsavelmente a cidade. É uma cultura muito lisboeta, portuguesa, transportada para esta realidade de Macau. No fundo, os ateliês eram uma espécie de pequenos núcleos de pesquisa, que faziam um trabalho muito interessante em termos sociológicos.

 

– Mais interessante do que em termos urbanísticos ou estéticos?
R.L. – Também aí, mas não só enquanto arquitetura; havia mesmo reflexão sociológica sobre a cidade enquanto laboratório. O output em termos de produção de arquitetura era muito diferente do que se fazia e pensava em Portugal, porque a realidade era completamente diferente. O método de aproximação se calhar era o mesmo, mas não o resultado, porque mudavam a maneira de montar um processo e a forma de chegar a compromissos… Lembro-me de pensar que esta coisa extraordinária corria o risco de desaparecer e não deixar traço. Porque não existia – como hoje não existe – dimensão na cidade e na classe que permitisse a diversificação: uns a produzir; outros a pensar; outros a escrever, documentar e comunicar em revistas, conferências, papers…

 

– Essa intervenção pública não encolheu?
R.L. – Continua a haver esse exercício no espaço do ateliê. Se calhar não há mais projeção porque os arquitetos não são reconhecidos de forma a estarem sentados em determinados sítios. Na cultura portuguesa, ou lusófona, a arquitetura é fundamental, mas na cultura chinesa não é. As coisas escrevem-se de outra maneira e o arquiteto não tem essa dimensão.

 

– Como é que nasce o envolvimento no CIALP?
R.L. – A percentagem de arquitetos portugueses na associação de Macau é mais reduzida, mas entre a Associação Internacional de Arquitetos, a Arcásia e o CIALP, este último é onde as coisas se passam a um nível mais interpessoal, porque é mais pequeno e tem uma rede de identidade e de partilha muito mais afetiva. É o menos burocratizado e tem mais a ver com um certo convívio de proximidade. Graças a isso dediquei-me sempre mais ao CIALP, por achar que era o tipo de pontes que nos tinha sempre faltado. Fazíamos esse exercício de apreensão e rapport intercultural de forma pessoal, com o esforço de arquitetos interessados em saber o que se passava em Angola ou no Brasil, mas não ao nível da cultura arquitetónica.

 

– Essas pontes entre os arquitetos lusófonos são consistentes?
R.L. – O Brasil contribuiu muito para que Portugal fosse atrás das vanguardas, no século XX, e há arquitetos brasileiros que são ícones da nossa geração. Também existe a ponte entre o Brasil e Angola, mas as outras ligações são um bocado remotas. Tornei-me vice-presidente do CIALP em Matosinhos, em 2006, com uma nova geração que entrou em funções. Houve uma primeira geração que teve a ideia e se organizou para desenvolver esta rede, mas que funcionava muito como um grupo de amigos. Chegou uma altura em que era muito difícil crescer e foi muito importante a mudança das pessoas envolvidas.

 

– O que é que determina a candidatura à presidência?
R.L. – Primeiro, continuo com esta angústia de achar que em Macau se passam coisas interessantes, mas nós, pela escala e posição, estamos sempre numa condição de marginalidade. O que se passa é perdido, porque é sempre difícil explicar o contexto de Macau e os desafios da arquitetura. Depois, é um grande desafio fortalecer os laços neste universo de 100 mil arquitetos, que têm um denominador cultural muito forte, em países nos quais a arquitetura ainda passa muito por discutir ideias e refletir sobre a cidade. Nessas terras, é uma profissão ainda está muito preservada.

Entrevista 2

 

– Não tanto em Macau…
R.L. – Aqui a maneira como se fazem estes grandes resorts é um fordismo em que o arquiteto é completamente desresponsabilizado socialmente. O projeto é todo desmontado em peças e, no fundo, a arquitetura já não é para as pessoas. Nós sempre acreditámos que era possível criar um reequilíbrio social através da distribuição, do espaço público, da organização da cidade.

 

– A presidência do CIALP recupera essa discussão em Macau?
R.L. – Isso depende muito da classe dirigente. Como dizia um amigo meu, os arquitetos são as mulheres-a-dias do poder; a gente só limpa a casa se nos deixarem. Quando a arquitetura não é valorizada enquanto ação social, não há muito que possamos fazer. No Brasil, por exemplo, os arquitetos têm um poder extraordinário. Nos territórios lusófonos – cultura que se estende a quase toda a Europa – o arquiteto é também urbanista, o que não é verdade na China e em toda a Ásia. Há relativamente pouco tempo existem planificadores urbanistas, como antes existiam geógrafos, que faziam o levantamento e o cruzamento entre a economia e o território. Muitas vezes envolve-se o paisagista, o historiador e o economista, mas o plano urbanístico só pode ser coordenado por arquitetos, porque é ele que desenvolve o projeto e a reflexão sobre como encaixar as peças do plano, tanto na casa como na cidade. É uma questão que se debate em Macau e é importante continuar a fazê-lo.

 

– A luta em Macau ainda é pela existência de planos urbanísticos…
R.L. – Estamos aqui ainda a perder tempo com isso mas, no Brasil, o facto de isso ser claro, política e socialmente, dá um poder enorme à classe. Como têm essa obrigação e responsabilidade, debatem uns com os outros, e uns contra os outros, o que a cidade quer ser e para onde deve ir.

 

– Isso influencia os decisores?
R.L. – Exatamente. Mas também constrói a nossa reflexão e conhecimento. São sítios de uma certa resistência contra a arquitetura objetualizada, que é uma espécie de pornografia em grande dimensão, muito na moda – graças a Deus agora menos, porque não há tanto dinheiro para isso. Felizmente, há sítios como Portugal e o Brasil onde se reage muito contra isso, porque os arquitetos têm profunda legitimidade em relação ao território e produzem esse conhecimento nos jornais e na televisão.

 Entrevista 3

Recuperar a ideia de que a China precisa de Macau

 

– Nesse contexto, surpreende um arquiteto de Macau presidir ao CIALP?
R.L. – Se calhar surpreende. Mas é interessante ver que no Brasil, por exemplo, ainda estão muito virados para dentro. Têm um país tão complexo e interessante, com tanto por explorar, que não estão focalizados nestes fóruns. Há um interesse muito grande em tudo o que se passa ali à volta, mas porque tem a ver com a extensão do seu próprio território. Cada vez que temos encontros percebo que estão numa conversa entre eles e param para tê-la connosco. Também lhes interessa, porque lhes aparecemos ali à frente, mas caso contrário aquele mundo resolve-se a si próprio. Em Macau, pelo contrário, estamos sempre a olhar para fora. Se contabilizar a correspondência que mantenho e os contactos que faço diariamente, se calhar estou mais ligado ao que está fora do que ao que está aqui dentro. Estamos sempre a fugir para fora, por causa da nossa escala pequena.

 

– Quais são as prioridades para estes três anos de mandato?
R.L. – O mais importante é dar continuidade aos últimos dois mandatos, durante os quais se estabeleceram muitos protocolos e pontes entre parceiros, tais como a Comunidade de Países de Língua Portuguesa; a União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa, a União Africana de Arquitetos, a Federação Sul-Americana de Arquitetos, ou a Docomomo Internacional. Estamos a negociar com mais algumas organizações.

 

– Farão sentido parcerias com o Fórum Macau, ou mesmo instituições chinesas?
R.L. – Faz todo o sentido. Não será a agenda central do CIALP, mas é uma ideia muito interessante a explorar. Muito do que se faz a nível da cooperação e do trabalho de articulação do Fórum Macau passa por projetos de infraestruturas, que têm a ver com impactos a nível social. Temos uma estrutura que representa em todos esses territórios os arquitetos, até até ao momento um bocado marginalizados nesse processo. Muitas estórias deveriam ter corrido bem, porque houve grandes investimentos, mas falharam ao nível de inserção social e cultural. Levar os projetos diretamente de Pequim, tem tido algum impacto negativo. Não estou a falar da mão-de-obra chinesa na construção – esse é outro tema – mas dos projetos que não encaixaram na realidade local.

 

– Alguns acabaram até por ser símbolos negativos de uma espécie de novo imperialismo chinês…
R.L. – Depois permitem-se essas leituras… Parece-me é o tipo de relação entre terceiro mundo e terceiro mundo. O que tem interesse, e a China teria muito a ganhar com isso, são relações também ao nível do conhecimento – não só de investimento e infraestruturação. Esses é que são gestos de interculturalidade, percecionando relações de afeto e não apenas de investimento ou de compra.

 

– Seria uma oportunidade para os ateliês em Macau projetaram investimento chinês na Lusofonia?
R.L. – Eu diria recuperar a própria ideia de que a China precisa de Macau para ser essa plataforma. O Fórum Macau devia ter o CIALP como parceiro incontornável. Também é por isso que fiz esta aposta.

 

– Esse contacto já foi feito?
R.L. – Existe um contacto preliminar, porque terá de ser tudo explorado. O secretariado tem nova gerência… É preciso ir conversando e organizando.

 

– Como é que os arquitetos de língua portuguesa olham hoje para este lado do mundo?
R.L. – O paradigma mudou completamente e há uma grande atenção em relação à China e um interesse muito grande de perceber os modelos asiáticos de sucesso: como fazer, como contratar, negociar… Não só na China, como na Coreia ou Singapura. Vejo essa curiosidade nos brasileiros, onde o esforço já se sente, por exemplo, ao nível das universidades.

 

– Qual é o papel que os arquitetos de Macau podem ter agora no CIALP?
R.L. – Temos um secretariado permanente em Lisboa – sediado na Ordem dos Arquitetos Portugueses – e outro no Brasil. A minha ideia de gestão é ter aqui um terceiro secretariado, mais forte, que possa coordenar as coisas. A Associação de Arquitetos tem neste momento uma direção mais nova, o que é muito importante porque a nossa geração é ínfima e a que está entre os 30 e 40 anos de idade é muito numerosa e pode fazer a diferença, também porque traz formas diferentes de fazer e de organizar. Ter aqui um grupo de trabalho torna também os arquitetos portugueses de Macau menos passivos, porque esta frente de trabalho funcionaria em paralelo e de braço dado com a Associação, mas na vertente da ponte com a Lusofonia.

 

Paulo Rego

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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