O tema da diversificação da economia de Macau marca hoje uma presença permanente na agenda pública. Constitui, igualmente, uma orientação política dominante, sucessivamente confirmada por diversos agentes políticos locais. O Chefe de Estado chinês referiu-se-lhe em termos inequívocos na sua visita a Macau por ocasião das comemorações do 15o. aniversário da RAEM.
O objectivo da diversificação da economia não é novo, só as circunstâncias o são. O seu fundamento principal, reduzir a dependência da região relativamente ao sector do jogo, tem sido enunciado como um desígnio fundamental, um desejo forte e uma vontade determinada. O grau de prioridade dada ao assunto, para não dizer a sensação de urgência que prevalece no quadro das presentes circunstâncias da economia, não se tem traduzido, no entanto, num debate ou reflexão públicos estruturados e sistemáticos.
Em particular, quer-se aqui assinalar, os aspectos demográficos têm estado ausentes das intervenções públicas a que o tema tem dado origem. É comum esta limitação, ela não acontece só em Macau. Os fenómenos demográficos têm uma característica muito ‘incómoda’, se podemos formular o problema assim: os seus efeitos são, em geral, de longo prazo. Ora, os debates sobre políticas públicas estão, a maioria das vezes, focados sobre aspectos conjunturais, sobre problemas mais imediatos. O lento desdobramento dos fenómenos demográficos ‘cabe’ mal na análise. Quando considerados, os números demográficos constituem mais dados de referência do que variáveis a influenciar. Ademais, todas as administrações desejam apresentar soluções para os problemas que identificam. Isso não é fácil – ou muitas vezes sequer possível – quando falamos das variáveis demográficas. As tendências profundas da demografia não são fáceis de manipular ou alterar.
A administração produziu alguns cenários de crescimento populacional, é certo. Não cabe aqui lançar um julgamento sobre os pressupostos dessas projeções, ou da coerência entre elas. O facto que importa sublinhar é outro. Os laços entre o crescimento demográfico e os possíveis caminhos e calendários da diversificação raramente são considerados, se é que o são. Ora, a rapidez e a composição do crescimento populacional, e os seus efeitos nas condições reais do mercado laboral, hão-de necessariamente condicionar o processo de diversificação, o seu ritmo e características.
A diversificação, qualquer que seja o seu figurino, não se faz sem pessoas. Precisa de quem possua capacidade de iniciativa e risco, por um lado, e competências e empenhamento adequadas, por outro. Mas tal não basta, é também que se encontre um terreno favorável à sua acção, um enquadramento social e económico geral propício. Tal faz com que as relações entre a evolução demográfica, a evolução das qualificações da mão de obra, e a evolução estrutural da economia sejam complexas, profundas e, as mais das vezes, lentas e difíceis de transformar. Essa análise excede largamente o âmbito desta coluna.
Podemos, no entanto, independentemente de outras considerações mais elaboradas, verificar que conjuntura demográfica actual não é a mais vantajosa para uma qualquer diversificação do tecido produtivo, sequer para o crescimento económico sem o qual aquela não terá lugar. Qualquer cenário de crescimento, seja ele mais rápido ou mais lento, será dominantemente marcado pelo crescimento do sector do jogo e das suas actividades satélites. Requererá, em qualquer caso, a importação de um volume significativo de mão de obra do exterior.
Vejamos porquê. Em primeiro lugar, a dinâmica geracional dos residentes é desfavorável. O primeiro sinal disso mesmo pode encontrar-se na evolução da taxa de natalidade. Como se compreenderá, os nascimentos ocorridos num determinado período só produzem efeitos no mercado de trabalho cerca de duas décadas mais tarde. Ora, evidente é que a taxa de natalidade caiu brutalmente em Macau a partir de meados dos anos 80. Baixou de valores acima dos 20 nascimentos por mil habitantes, na segunda metade daquela década, para valores oscilando entre os 7 e 10 nascimentos, na primeira década deste século. Isto significa que a contribuição dos residentes para o mercado de trabalho entrou num período de contracção e o número de novos trabalhadores locais a entrar no mercado de trabalho tenderá a cair.
Sem surpresa, pois, o número de residentes com idades até aos 15 anos veio descendo na primeira década do século. Só começou a recuperar um pouco nos últimos cinco anos, por efeito do crescimento da natalidade referido anteriormente. É um segmento da população em idade pré-laboral e seu o crescimento está a ocorrer nos níveis etários mais baixos. Assim, a pequena recuperação da taxa de natalidade vista nos últimos anos não terá repercussões no mercado de trabalho antes de uns 15 anos e, mesmo assim, com valores modestos em termos absolutos. Ao mesmo tempo, o número de residentes entre os 15 e os 24 anos, correspondente à faixa etária onde se dá a quase totalidade das primeiras entradas no mercado de trabalho, vem também decaindo.
Inversamente, as faixas etárias mais idosas crescem rapidamente. De tal modo que o número de habitantes com mais de 55 anos já quase igualou o total de habitantes com menos de 24 anos. No ano 2000, estes representavam o triplo aqueles. E no ano passado, pela primeira vez se registou que o número dos que estão à porta do mercado de trabalho (15-24 anos) foi inferior ao número dos que se aproximam da saída do mercado de trabalho (55-64 anos).
Em qualquer circunstância, esses números significam que a contribuição ‘local’ será insuficientes para alimentar a procura adicional que o crescimento económico vai dirigir ao mercado de trabalho. Isto é, nos próximos anos, a contribuição líquida dos residentes para o mercado de trabalho tenderá a ser negativa, a não ser que, ou mesmo que, se alterem significativamente os padrões de idade de reforma ou as taxas de participação da população na força de trabalho. Em consequência, a sustentação do crescimento requer a importação de mão de obra.
Note-se que os dois principais fluxos que imigração são constituídos pelos trabalhadores não-residentes e pelos emigrantes oriundos da China a quem é concedida autorização de residência. Retiradas estas duas componentes, o saldo populacional têm permanecido estável abaixo do 400 mil habitantes. Não constitui, pois, base para sustentar um crescimento significativo; menos ainda, qualquer diversificação visível. O mesmo pode ser dito quanto ao número de imigrantes chineses autorizados a residir em Macau. Os valores cumulativos representados sugerem que poderão compensar parcialmente o défice local, mas não serão suficientes para sustentar um crescimento da economia.
A influência dos ciclos de investimento é visível na evolução do número de trabalhadores não residentes (TNR), cujos números cresceram extraordinariamente nos últimos 5 anos. E que registarão outra explosão com a concretização dos investimentos da 2a. fase do COTAI. Isso terá, todavia, como efeito reforçar o sector já dominante. De onde virão, e em que números, os que possam tornar viável a diversificação?
José I. Duarte
23 de outubro 2015