A China deve preocupar-se com o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS), dada a dimensão do país, mas Macau não deverá ser uma porta de entrada, acredita o analista Dingding Chen.
Há fortes possibilidades de elementos pertencentes ao Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS) penetrarem na China. O professor assistente de governo e administração pública da Universidade de Macau, Dingding Chen, considera que a organização ainda não é uma ameaça séria, mas pode vir a tornar-se.
O ISIS é uma organização jihadista no médio oriente, que se formou em 2003, com a invasão do Iraque pelos EUA. Depois de proclamar um califado islâmico em 2014, o grupo passou a chamar-se Estado Islâmico, apesar de não ser reconhecido internacionalmente. Proclamando autoridade religiosa sobre todos os muçulmanos, o ISIS pretende controlar várias áreas, começando pelo Levante.
De acordo com Dingding Chen, a China deverá estar atenta aos movimentos do ISIS, de forma a evitar ser surpreendida. E, ainda que de momento não seja uma ameaça séria, se “ganhar força” nos próximos três a cinco anos, pode trazer problemas ao gigante asiático. Porém, o futuro ainda é “incerto”, dado que actualmente parece haver “progressos” na luta contra o ISIS. “Está a retirar-se de algumas regiões no Iraque e na Síria”, afirma o académico.
O professor acredita que a “China já está a fazer algo, nos bastidores”, provavelmente em
parceria com outros poderes regionais como a Turquia, Iraque e a Síria. “Acredito que todos os actores estão a cooperar, de alguma maneira, neste assunto, já que o ISIS é uma ameaça para todos.”
Na China, a província muçulmana de Xinjiang pode tornar-se um problema e um foco de penetração do ISIS. Algumas notícias dão conta de suspeitas por parte do Governo Central de radicais de Xinjiang a viajarem para fora do país para se juntarem ao Estado Islâmico. No ano passado, suspeita-se que uigures tenham sido responsáveis por um ataque recorrendo a facas, na estação de comboios de Kunming, em Yunnan, que causou a morte de mais de 30 pessoas.
Porém, a China também é sensível às ameaças do ISIS, no Iraque. “A China investiu nos campos de petróleo no Iraque”, diz o académico, acrescentando: “Se o ISIS tomar conta do Iraque ou de grandes áreas da Síria, então pode ameaçar o investimento económico chinês nessas regiões.”
MACAU SEM PERIGO
A 27 de Fevereiro, um barco com imigrantes ilegais naufragou na costa de Macau, levantando suspeitas na imprensa de que estes fossem radicais uigures, com intenções de aderir ao ISIS. Segundo relatou o jornal Min Pao na altura, o barco “estaria a tentar trazer uigures de Xinjiang para Macau, com o objectivo de transferi-los para os países do sudeste asiático e eventualmente juntar-se ao ISIS”. Na sequência de tais relatos, a polícia de Guangdong deteve 40 uigures de Xinjiang, à espera em Cantão para entrarem em Macau. “As notícias diziam que estavam presos em Cantão, desde o naufrágio do barco.”
Os relatos da imprensa também davam conta de que o ISIS teria conseguido fazer entrar em Macau seis uigures em duas viagens, que tiveram lugar em Janeiro. Porém, apesar das notícias, o analista político não acredita que Macau tenha motivos para preocupação. “Mesmo que alguns membros do ISIS entrassem com sucesso no território, seriam facilmente reconhecidos. Não terão grande margem de manobra em Macau. O território é pequeno e não conseguiriam aqui esconder-se”, diz.
Aliás, o professor da Universidade de Macau acredita que a região vizinha será um alvo mais apetecível do que o território. “Em Hong Kong, podem facilmente esconder-se, já que é uma cidade com sete milhões de habitantes”, diz, contrapondo: “Em Macau, que é quase o equivalente a um pequeno distrito de Hong Kong, podes ser facilmente visto, especialmente se tiveres uma aparência física diferente e se falares uma linguagem diferente.” Além disso, o território não tem uma tão grande comunidade muçulmana que possa ser de interesse ao ISIS. Em Hong Kong, têm uma bem maior.”
OS VÁRIOS ACESSOS
Dada a dimensão da China, o professor da Universidade de Macau diz que existem várias portas de entrada para o país, sobretudo através do Afeganistão ou dos países da Ásia Central, “onde há uma fraca força policial e fracos quadros regulatórios”.
Assim, esclarece, tais elementos poderão entrar no país, recorrendo a passaportes falsificados. “Já li notícias sobre membros que falsificam passaportes turcos, de forma a fingirem ser turcos para entrar na China”, diz, acrescentando: “Isso pode ser uma fonte de perigo.”
Apontando a parte ocidental do gigante asiático como potencial porta de acesso, o académico explica que nessas zonas “os postos fronteiriços são quase abertos e de difícil fiscalização”. Aliás, o analista acredita que alguns elementos já tenham entrado na China, até porque há notícias confirmadas pelo próprio Governo Central. “Provavelmente, já aconteceu, mas por enquanto não sabemos o objectivo de tal entrada. Ainda nada de sério aconteceu”, diz, acrescentando: “Se for para repetir incidentes como o de Kunming, então seria uma grande ameaça para a China.”
Macau e Hong Kong não terão grandes motivos para se preocuparem. Quando muito, alguns elementos poderão tentar sair da China através do território. “Entram em Macau para viajar até à Malásia ou Indonésia.”
Ataques bombistas no território são também pouco prováveis. “Se fazes uma coisa dessas em Cantão, consegues gerar um tipo de pânico. Claro que uma pessoa maluca poderia fazê-lo em Macau, mas o ISIS tem um objectivo religioso e o território não é uma sociedade muçulmana, não têm audiência aqui”, esclarece. Recorde-se que em Março nove pessoas ficaram feridas depois de um ataque com facas, numa estação de comboios em Cantão. As autoridades acusaram extremistas de Xinjiang.
Ainda assim, o académico considera que, por ora, não se trata de uma grande ameaça para a China. “Se o ISIS tornar-se muito forte e tomar conta de grandes partes do Iraque e da Síria, tornando-se qualquer coisa mais semelhante a um Estado-nação, aí sim haverá problemas.”
Sobre uma potencial aliança entre os Estados Unidos e a China, o professor afirma ser pouco provável, pelo menos formal. “Não é do interesse dos Estados Unidos, porque se forem parceiros formais, precisam de trocar informações confidenciais com a China. Mais facilmente teriam a Turquia ou até mesmo o Iraque como parceiros, mas não a China.” E mesmo que o gigante asiático queira tal parceria, os americanos não estão prontos para tal, ainda que provavelmente “cooperassem de forma informal”.
E, mesmo estando alerta em relação aos avanços do ISIS, o académico considera pouco provável que a China mande tropas para o Iraque num futuro próximo. “Isso seria demasiado extremo e uma mudança radical na política chinesa.
Luciana Leitão