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ARTE CONTRIBUI PARA A MUDANÇA SOCIAL

 

“Beyond Pixels”, a primeira exposição em cinco anos de Victor Hugo Marreiros, patente na loja Signum Living, revela por si só o atrevimento que aquele chama à arte. Em entrevista ao Plataforma Macau, o artista macaense considera a liberdade que sente em Macau, uma cidade que descreve como “loucamente inspiradora”, mais importante do que a democracia e defende que a arte “pode e deve” ser uma forma de revolução.

 

PLATAFORMA MACAU – O que é a arte para si?

VICTOR MARREIROS – É uma maneira de estar na vida. Perguntam-me se sou designer ou pintor, acho que são apenas títulos, eu sou simplesmente Victor. Estou mais ligado ao design gráfico, que é o que mais gosto. Já passei pela televisão, já fui cenógrafo, já pintei, já fiz fotografia, gostava de fazer vídeo. A arte para mim é um estado de espírito, a forma de aplicar a arte é consoante a minha vontade.

 

P.M. – Considera que os desejos de mudanças sociais contribuem para a busca de novas formas de expressão, nomeadamente artística?

V.M. – Os artistas trabalhando indiretamente ou por vontade própria conseguem influenciar ou, pelo menos, mostrar a sua visão, através dos seus trabalhos, mencionar, duvidar, inquirir, questionar sobre os problemas ou vivências sociais e políticas.

 

P.M. – A arte também pode ser uma forma de revolução?

V.M. – Pode e deve. A arte deve ter lugar para o experimentalismo, deve ter o atrevimento e coragem para novas formas e ideias, logo ajuda a contribuir para a mudança social, cultural e política.

 

P.M. – Como vê a relação entre a arte e as revoluções ou convulsões sociais?

V.M. – Acho que a arte, no mínimo, faz o papel de leitura que um político ou um professor tem mais dificuldade, porque se parte do princípio de que o artista é mais livre e que não tem a grande pressão da sociedade. A priori os artistas são mais livres para tocar em assuntos com mais leveza ou mais profundamente. A priori o artista tem um campo mais livre por ser intitulado de artista.

 

P.M. – A arte pode, portanto, ter um papel político e social?

V.M. – Sim, em qualquer parte do mundo e Macau não foge à regra. A arte já contribuiu e poderá contribuir para os assuntos sociais, culturais e políticos, mostrando o que os artistas sentem em relação ao que os rodeia, em relação à sociedade em que estão inseridos.

No passado eram os pintores que intervinham mais diretamente nos assuntos sociais, hoje acho até que são os gráficos que influenciam mais a parte social, cultural e política.

 

P.M. – Nos protestos em Hong Kong, a arte foi explorada como forma de intervenção social e política?

V.M. – Tenho acompanhado pela televisão o que se passa em Hong Kong e não sei se se tem procurado isso através da arte. Acho que o direito à manifestação é de qualquer local ou país civilizado, mas uma manifestação de quase três semanas com pedidos um bocadinho para além do que o próprio Governo de Hong Kong possa decidir, acho que já chega ao ponto de estar a incomodar a população. Respeito a vontade e liberdade, mas para mim já cheira a ocupação ilegal do espaço, deixando muitas famílias, muita economia de pernas para o ar. Há muitas formas de se chegar a um fim, a manifestação é uma delas, mas teimar só por esta via, acho que não será saudável.

 

P.M. – No âmbito deste movimento conhecido como “revolução da sombrinha” temos assistido também ao surgimento de várias expressões artísticas associadas. Como viu esta onda de criatividade gerada pela onda de protestos?

V.M. – Felizmente este movimento parece por enquanto ser pacífico e espero que assim continue, mas também pode ser uma pólvora que a qualquer momento pode causar grandes complicações. O aparecimento de manifestações artísticas é sempre bom, só prova que o artista está vivo e se interessa pela sociedade e pelos problemas sociais.

 

ESCREVER COM A IMAGEM

P.M. – A história e o real também o inspiram?

V.M. – A história é o passado, sem o passado não há presente e sem o presente não vale a pena sonhar com o futuro. Os meus trabalhos vão beber muito à história, cultura, a temas e acontecimentos que me marcam ou simplesmente a uma conversa ou anedota que tenha vontade de registar através das artes visuais, que são a minha forma de escrita.

Sou natural de Macau, português, macaense, tenho uma avó chinesa, fui educado numa cultura mais portuguesa, mas a minha vivência do dia a dia em Macau passa muito pela chinesa. E é óbvio que os temas que exploro têm inclinação para esses dois lados.

Não obstante, também tenho trabalhos sobre assuntos relacionados com outras partes do mundo, porque não sou nenhum porta-estandarte, pertenço ao mundo. Neste momento estou até a fazer um trabalho sobre Frank Sinatra, do mesmo género daquele sobre Puyi (Mr. Henry) e que será intitulado “My Way”.

 

P.M. – Houve algum momento da história que o tivesse pessoalmente marcado e que se cruzou com o seu trabalho?

V.M. – Não. Já pintei, tenciono voltar a pintar e os meus trabalhos de arte digital são feitos nos intervalos do meu trabalho de design gráfico a tempo inteiro. Mas posso destacar o 11 de Setembro, porque estava nesse dia em Veneza e quando vi as pessoas correrem para a televisão a primeira coisa que registei num guardanapo foi um esboço que deu origem a um dos quadros que estão na exposição. Não tomando partido político do assunto, procurei registar a consciência que tive de que aquele acontecimento iria mudar o mundo.

 

P.M. – Esta foi a sua primeira exposição em cinco anos. O que fez no entretanto e porque apresenta desta vez os seus trabalhos num espaço comercial?

V.M. – Sou responsável pelo setor de design gráfico do Instituto Cultural, tenho participado mais em concursos e exposições coletivas a nível internacional. Nos últimos anos não tenho concorrido a nada a nível local, quero deixar os lugares para os mais novos.

Não é normal expor numa loja. Fiz questão disso, porque gosto do projeto e como falamos tanto de indústrias criativas, estes trabalhos, sendo todos digitais, estão nessa linha.

 

P.M. – E que faceta do Victor Marreiros se encontra nesta exposição?

V.M. – A da expressão figurativa que encontrei para descrever o meu dia a dia. Tenho criado uma linha cada vez mais estilizada ao longo destes quase 30 anos no Instituto Cultural como designer gráfico. O Seong Hei [marca de cigarros utilizada numa das suas obras] apareceu, por exemplo, quando senti no meu íntimo a necessidade de fazer algo mais figurativo.

Não sou muito academicamente correto, porque, ao nível da expressão, dou saltos para trás e para a frente consoante a minha vontade. Ou seja, quando faço um cartaz ou participo num concurso, o meu trabalho pode não ser o que está mais na moda nem o que tem mais possibilidades de ganhar prémios, mas é o que eu quero. Gosto ainda de experimentar coisas novas. Eu expresso-me de formas diferentes e não escondo isso.

 

P.M. – Disse que gostava de se aventurar na videoarte…

V.M. – Sim, mas sem pressa, antes disso ainda vou voltar à pintura. Pela experiência adquirida nas artes visuais, na comunicação gráfica, acho que deveria tentar explorar esta outra forma de registo, mas como realizador, não como câmara. Mas terá o seu tempo. Não gosto de trabalhar para a data.

 

P.M. – A nível da pintura, o que pensa explorar?

V.M. – Em termos das artes visuais acho que irei ainda passar por uma fase de técnica mista, digital mais algo, que gostava de experimentar. Há muito que não pinto, porque saltar do computador para o pincel é como quem faz ginástica e diz que são só 30 minutos por dia, mas não são. Seria uma pena não voltar à pintura, por isso irei voltar a tocar no assunto, mas num estilo mais experimental.

 

ARTISTAS POUCO ACARINHADOS

P.M. – Como vê o estado atual das indústrias criativas em Macau e a sua relação com o desenvolvimento da cidade?

V.M. – O neón não estraga o que estava e o que está. Macau foi, é e julgo que será, com a história que tem, com as suas características próprias, um local bom para a criatividade sem reticências. Tem temas que nunca acabam, a miscelânia cultural, a própria liberdade que se sente, o próprio apoio do Governo, é um bom local para um criativo. É uma cidade loucamente inspiradora, o erotismo da noite, o jogo, a nostalgia do património, os neóns, o próprio sistema de equilíbrio. Há temas por tratar, filmes por fazer, todo este ambiente é propício. Quando falamos sobre o mercado, não poderei dizer o mesmo.

A própria sociedade não está virada para a compra de quadros, mais para o LV e o Ferrari. Há quem diga que era bom que os artistas locais pudessem expor como os artistas internacionais, em certa medida concordo, mas, por outro lado, discordo. Também há uma tendência para dizer que ‘santos da terra não fazem milagres’, não acredito. Somos poucos, mas há artistas locais tão bons a nível regional como internacional. Espero que a população os saiba respeitar e uma forma de os acarinhar é comprando quadros.

O Governo tem trabalhado muito pelas indústrias criativas, o que por si é difícil tendo em conta as características de Macau, mas há formas de apoio que podem ser melhoradas. Também não é a melhor forma de reconhecer um artista quando, por exemplo, um concurso de uma empresa oferece um primeiro prémio de 5000 patacas. Não estou a ser mercenário, mas se um primeiro prémio só merece 5000 patacas, então não vale a pena dizer que estamos a desenvolver uma terra de indústrias criativas.

Macau tem muitos monumentos, então faço uma pergunta: Quantos foram feitos por naturais de Macau? Conta-se por uma mão. Porquê? O artista de Macau não tem nível? Acho que é mentira.

As indústrias criativas serem uma alternativa ao jogo é quase impossível, é pôr uma baleia com uma formiga, agora por algum lado temos de começar. É um caminho longo a percorrer e não falo só do Governo, mas também dos empresários.

 

P.M. – Acha que Macau ficará imune aos protestos de Hong Kong?

V.M. – Não,  já está a sofrer com isso, está a perder no número de turistas, nos negócios de restauração, bares, já se sente isso. Tudo o que se passa em Hong Kong toca em Macau.

A nível político e social, acho que não chegará a Macau, porque Macau é uma terra de brandos costumes, e espero que não chegue. Há formas de reivindicar e a manifestação não é a única forma. E pedir ao Governo uma coisa que ele por si não tem margem para decisão é perder tempo.

 

P.M. – Acredita que Macau e Hong Kong poderão um dia vir a ter democracia? 

V.M. – Acho que o mais importante é as pessoas sentirem-se livres e em Macau ainda me sinto livre e no dia em que não me sentir não estarei aqui. Para todos os efeitos Macau e Hong Kong seguem as regras da China, têm a sua autonomia, mas pertencem à China. Respondo à pergunta com outra pergunta: Quando Macau era português, o governador foi eleito? Não foi. Quando Hong Kong era inglês, o governador foi eleito? Não foi. Então o que estamos a fazer? Estamos a brincar aos cowboys?

 

Patrícia Neves

 

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