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“INTERNACIONALIZAÇÃO DE MACAU PASSA PELA COMUNIDADE PORTUGUESA”

 

Os portugueses foram dos primeiros ocidentais a chegar à China. Em Macau criaram raízes, mas muitos partiram com a transferência do exercício de soberania. Hoje, a comunidade está a renovar-se com a chegada de novos quadros qualificados, que têm, porém, enfrentado dificuldades na fixação de residência. A presença portuguesa contribui para a internacionalização de Macau, defende a presidente da Casa de Portugal, Maria Amélia António, ao sublinhar que a comunidade marca a diferença do território e “não é nem quer ser um peso morto” às suas costas.

 

PLATAFORMA MACAU Os portugueses foram os primeiros lusófonos a instalar-se em Macau. Como mudou a comunidade ao longo do tempo?

MARIA AMÉLIA ANTÓNIO  – Mudou completamente. Portugal perdeu a partir de determinada altura da história esse papel de comerciante. Países com outra capacidade económica foram ganhando os mares a Portugal e também o comércio e Portugal perdeu de certa maneira esse papel e passou a ser muito mais o administrador.

 

P.M. Depois da transferência, muitos portugueses partiram. Porquê?

M.A.A. – Penso que partiu muita gente que trabalhava na função pública por receio do seu futuro, que tinha fundamento provavelmente numa sociedade que não tinha a abertura de Hong Kong.

Têm regressado algumas pessoas que se reformam em Portugal e que viveram aqui muitos anos e muitas vezes porque também têm cá filhos.

Há ainda uma vinda de gente mais nova, que acaba os seus cursos e regressa numa perspetiva de trabalho, isso acontece com jovens que nasceram cá ou que vieram para cá pequenos. Alguns estão a trabalhar, outros nem sempre conseguem as colocações que pretendem e alguns desistem e regressam a Portugal. Outros têm ficado e é essa a camada que constitui a renovação da comunidade portuguesa.

 

P.M. Depois da transferência, foi uma minoria que decidiu ficar?

M.A.A. – De gente vinda de Portugal acho que sim. Acho que foi sobretudo gente que estava em Macau há bastante tempo, desde o início da década de 80, quando veio para Macau muita gente nova e qualificada, como hoje, na sequência de uma crise económica também grande em Portugal.

 

P.M. Tem ideia da dimensão da comunidade portuguesa?

M.A.A. – Acho que é muito difícil chegar a esse número. Costumo fazer uma conta de merceeiro. Se temos cerca de 1000 associados e ao longo dos anos alguns foram embora, talvez uns 300, é suposto que estejam cá pelo menos 800. Normalmente numa família, o sócio é o marido ou a mulher, portanto, se uma família tiver no mínimo três ou quatro pessoas, se multiplicarmos esses 800 por três tínhamos 2.400 e por quatro cerca de 3000. Não tenho a mínima ilusão de que os sócios da Casa de Portugal não são nem metade da comunidade, porque o português raramente se associa.

 

P.M. A comunidade portuguesa já foi muito mais numerosa. Hoje há muitas outras maiores…

M.A.A. – E qualquer dia não sei se a americana e outras anglo-saxónicas também não passam à nossa frente ou se não passaram já. Até a comunidade francesa, que começa a crescer.

 

P.M. E porquê? Com a crise em Portugal, a comunidade não aumentou?

M.A.A. – A comunidade aumentou, mas não na proporção em que se fala. Penso que há aqui duas questões. Uma é que os próprios empregadores, ou seja, os casinos, tiveram muito tempo em que não olhavam para os portugueses como uma mão de obra a encarar. Só muito recentemente é que começaram a perceber que havia uma mão de obra qualificada mais fácil de integrar em Macau. E ainda são só algumas operadoras que olham para isso assim.

Tradicionalmente, os portugueses, pelas suas qualificações, vinham para Macau trabalhar na função pública. A emigração portuguesa para Macau foi sempre tradicionalmente qualificada, embora hoje haja gente a trabalhar em áreas menos qualificadas e muitas vezes até com habilitações a mais. A função pública deixou, no entanto, de ser o empregador, porque a comunidade expatriada não domina o chinês, e passou a ser o particular, dominado hoje pelas grandes operadoras, e recentemente começou o problema da residência.

O português hoje quer vir para Macau e a não ser que se disponha a esperar uma eternidade, tem de recorrer ao blue card e isto não faz sentido. A fixação destes novos quadros era importante para Macau não perder as suas características e identidade e para o desenvolvimento e diversificação da economia local. Não somos nem queremos ser um peso morto às costas de Macau.

Não se estão a criar condições de fixação e isso vai fazer com que estas comunidades diminuam e depois aumentem muito outras que não têm que ver nem com a história nem com a identidade de Macau e que são flutuantes.

Isto é muito mau e não se coaduna com as políticas definidas para Macau, porque se se quer que Macau seja um pólo de difusão do português e de interligação com os outros países de língua portuguesa, significa que tem de manter as suas características e identidade. E essa diferença que se pretende que Macau tenha faz-se efetivamente com a integração da comunidade portuguesa na vida e na sociedade e está-se a esquecer isso.

Fundamentalmente, o peso da comunidade é do ponto de vista cultural e de continuar a manter esta tal diferença de Macau. A internacionalização de Macau passa muito pela presença da comunidade portuguesa, que tem uma tradição e uma cultura muito mais aberta ao mundo e que marca muito da diferença em Macau.

 

P.M. E temos muitos negócios portugueses no território?

M.A.A. – Não. Os negócios grandes que envolviam empresas grandes, normalmente estatais ou com intervenção estatal, foi tudo vendido e, portanto, o que hoje temos e devíamos acarinhar é a iniciativa privada.

 

P.M. Que papel tem tido a Casa de Portugal?

M.A.A. – A Casa de Portugal nasceu em 2001, porque não existia nenhuma associação que congregasse a comunidade portuguesa. Ela foi cumprindo o papel de manter certos aspetos da cultura portuguesa, porque depois da transição houve um momento em que tudo desapareceu e não havia entidades com qualquer atividade cultural portuguesa. A Casa de Portugal veio preencher um pouco esse vazio. Começámos depois a apostar no ensino das artes que têm muito que ver com Portugal, porque através delas difunde-se a cultura. Os nossos cursos são frequentados por muita gente que não é portuguesa. E temos ainda formado muitos atletas que representam Macau em competições internacionais.

 

P.M. O que vão levar este ano à Festa da Lusofonia?

M.A.A. – Vamos levar a nossa barraca, o nosso ‘bairro’. Juntamos ali aquilo que sempre damos, produtos portugueses para as pessoas provarem, tradicionalmente a sangria e normalmente temos o queijo, o chouriço, o presunto e o pão. Este ano um desses produtos vai ser substituído por outro, que tem que ver com a escolha da decoração da barraca, mas quero que seja surpresa.

 

Patrícia Neves

 

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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