O debate sobre o referendo e a resposta pela via judicial a uma iniciativa política trouxe de novo à baila o mito do paizinho e o fantasma freudiano do fim da nossa felicidade. Os habituais oráculos encarregam-se de recitar, com aquele encolher de ombros do professor primário que tem que explicar coisas óbvias aos petizes, que no dogma não se mexe e apontam os exemplos da perdição: Balcãs, Ruanda, Tunísia…
Mas é melhor não se perder tempo e ir diretamente aos clássicos, no caso ao grande educador do autoritarismo, Lee Kwan Yee, o antigo homem forte de Singapura que um dia mandou às urtigas a ligação federativa com a Malásia e empreendeu sozinho uma marcha rumo ao bem-estar (é verdade) e à harmonia tribal (igualmemte verdade), mas sob o estalar do chicote com o qual o poder trata os seus súbditos como débeis mentais.
Ainda na oposição, nos anos 1950, Lee defendia modelos “subversivos”, como este: “Se se acredita que os homens devem ser livres, então eles têm que ter o direito de liberdade de associação, de expressão e de publicação. Não se deverá permitir que alguma lei reduza a zero este processo democrático”. Já no poder, Lee, um confesso adepto da monarquia constitucional britânica, tinha outras ideias: “‘Um homem, um voto’ é a mais difícil forma de governo. Os resultados podem ser erráticos” (1984). Ou: “Se a democracia não funciona para os russos, um povo branco e cristão, podemos assumir que irá funcionar naturalmente com os asiáticos?” (1991).
Ou só mais este: “Com poucas exceções, a democracia não trouxe um bom governo aos novos países em desenvolvimento. Aquilo a que os asiáticos dão valor pode não ser necessariamente o que valorizam os americanos e europeus. Os ocidentais valorizam a liberdade e as liberdades individuais. Como asiático de cultura chinesa, os meus valores são por um governo que é honesto, efetivo e eficiente”, disse Lee em 1992, falando, é claro, sobre o seu próprio governo.
Só citamos Lee Kwan Yee porque estamos na Ásia. Estivéssemos na África do Sul (outro país onde era “muito complexa” a reforma política), e falaríamos, por exemplo, de Balthasar Johannes Vorster e das suas teorias acerca do princípio ‘Um homem, um voto’ (embora fosse mais interessante citá-lo na parte em que ele se queixou ao Kissinger que os “portugueses combatem com horário de escritório, das nove às cinco”).
Portanto, nada como um regresso aos clássicos, asserção que também serve para os organizadores do Ocuppy Central, em Hong Kong , para que não se fiquem a rir. Parece que, agora, o grande problema da organização é garantir casas de banho para os milhares que se manifestarão em Central. Tivessem eles memória, ou jogassem ao Who Want’s To Be a Red Millionaire, e saberiam que “a Revolução não é um convite para jantar”.