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GOVERNO DE MAPUTO JÁ REJEITA RECEITAS ECONÓMICAS DO FMI

 

Pela primeira vez em muitos anos de relacionamento com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Governo moçambicano parece estar predisposto a rejeitar

algumas das receitas do fundo e dos doadores sobre a gestão macro-económica e transparência em Moçambique.

 

Trata-se de uma nova forma de reagir, que parece só ser possível agora que o executivo está a encaixar receitas extraordinárias provenientes da tributação de mais-valias sobre ganhos de capital das indústrias extrativas. Na semana passada, o FMI emitiu o relatório do Instrumento de Apoio a Políticas (PSI), onde faz a segunda avaliação anual do está gio da gestão macro-económica em Moçambique. A par do relatório, foi publicada a Carta de Intenções, que é uma espécie de declaração de políticas – acordadas com o FMI – a ser seguida pelo Governo nos próximos meses. A carta e relatório do FMI deixam claro que o Governo rejeitou o conselho do Fubndo sobre duas questões centrais:

1. O FMI pretendia que o Governo estabelecesse uma regra orçamental explícita sobre o uso de receitas resultantes da tributação de mais-valias

geradas pelas indústrias extractivas; o Governo rejeitou di zendo que isso é uma questão que deverá ser deixada para o novo executivo, após as elei-ções, realçando que pode usar o dinheiro para financiar os seus gastos recorrentes (despe sa extraordinária). 2. A massa salarial do Governo este ano será de 11% do PIB, o que, diz o FMI, é muito alto; o Governo acha que não e recorda que parte do aumento da massa salarial, para além de pagar professores e pessoal da saúde, se deve à contratação relacionada com as eleições, acordadas com a Renamo.

Um outro episódio recente aconteceu no “diálogo político” entre o Governo e doadores, no quadro da revisão conjunta anual recente mente terminada (a revisão conjunta é um mecanismo de avaliação do progresso dos programas de combate à pobreza no contexto do apoio orçamental do chamado G19). O SAVANA soube que, nesse diálogo, um embaixador esteve, com insistência, a procurar uma clarificação mais substancial do Governo sobre o assunto Ematum. Em face dessa insistência, o ministro das Finanças, Manuel Chang, mandou esse embaixador calar-se, num episódio descrito como inédito. Diz quem lá esteve que Chang foi muito duro, deixando mesmo explícita uma mensagem: se esse país quisesse, que retirasse o seu apoio ao Orçamento do Estado.

Estes dois episódios demonstram uma nova maneira de o Governo se relacionar com o fundo e os doadores em matérias sobre políticas económicas e transparência.  Moçambique mantém com o FMI o terceiro PSI, um mecanismo de adesão voluntária e sem quaisquer condicionalismos, tanto mais que o fundo já não nos empresta dinheiro. Por isso, as suas recomendações podem ser facilmente descartadas mas isso nunca havia acontecido com tamanha veemência num passado recente. Com o boom das extrativas, cada vez mais o Governo cultiva a noção de que a redução da dependência é irreversível e com isso a reconquista da soberania na definição de como aplicar os recursos que coleta.

De acordo com as melhores previsões do FMI, no espaço de uma década Moçambique obterá receitas regulares de USD1.2 bilião (actual valor do apoio dos doadores) e, nessa altura, o grau de influência dos doadores na definição de políticas macroeconómicas e de redução da dependência será menor. No que tange à transparência, as coisas parece estarem a caminhar para o mesmo tom de “autodeterminação”.

A reacção de Chang à “intromissão desmedida” do embaixador confirma uma perceção que o Governo tem vindo a transmitir no que diz respeito particularmente ao caso Ematum e não só: a de que há uma predisposição para um maior endividamento e uma maior expansão da despesa; a de que as coisas foram feitas sem transparência mas como, posteriormente, o caso foi tratado na Assembleia da República, já não havia lugar para mais questionamentos, mesmo que o debate na AR tivesse sido à posterior, ou seja, depois do ato consumado (e não como o ministro Chang deu a entender, errada- mente, ao mundo em plena cimeira Africa Rising). Um dos riscos que essa nova forma de agir traz é o de atrasar reformas essenciais para a consolidação da democracia. No caso da boa governação, muitas das exigências dos doadores não passam de demandas  da opinião pública interna. Os doadores são apenas correias de transmissão em face dos ouvidos de mercador com que o Governo escuta a opinião pública local, restando saber se num quadro de menor dependência externa os políticos moçambicanos estarão mais sensíveis  às preocupações da sociedade civil. No últimos anos, o Governo ajustou a legislação anticorrupção, em-bora a reação penal continue ainda seletiva: as acções do Gabinete Central de Combate à Corrupção têm visado unicamente casos de pequena corrupção. A aprovação do novo Código Penal, com a componente relativa ao controlo da corrupção (que contém, como se sabe, dispositivos para penalizar, por exemplo, a violação de regras de conflito de interesses) é um teste que ajudará a perceber se o boom do encaixe financeiro não corresponderá a um abrandamento das reformas de políticas e de leis destinadas a imprimir uma maior transparência na gestão do bem público em Moçambique.

 

NOVAS ADVERTÊNCIAS DO FMI

 

O fundo continua a lançar advertências ao Governo no contexto da gestão macroeconómica. No rela- tório do PSI, o fundo alerta para a necessidade de a economia crescer mas de forma inclusiva, “gerando mais emprego”. A questão do endividamento externo tem estado no centro das atenções das mais recentes avaliações externas que incidem sobre as possibilidades de Moçambique reverter os atuais níveis de pobreza através de uma utilização mais racional das receitas que o país tem gerado. O caso da Ematum é recorrente, não terminando a discussão sobre se a dívida gerada para o estabelecimento desta empresa tenha sido oportuna em face da urgência de edificação de infraestruturas. Na carta de intenções, o Governo foi mais flexível quanto ao assunto Ematum, comprometendo-se a tratar aquela empresa como uma das 15 estatais criadas exclusivamente para fins sociais. Estas empresas apresentam planos e orçamentos e as suas contas são monitoradas pelo Ministério das Finanças. Embora reconhecendo as actuais lacunas de Moçambique em termos de infraestruturas, o relatório sobre o PSI adverte que é “essencial” que o país “modere o ritmo de novos empréstimos” . O relatório observa ainda que a dívida pública saltou de 33% do PIB em 2011 para 44% do PIB em 2013, em parte devido ao vínculo Ematum, e que Moçambique já se comprometeu para em empréstimos não concessionais na ordem de 528 milhões de USD (do Brasil) para desenvolver o sistema de transportes públicos Maputo-Matola, reconstruir a barragem Moamba-Major e a edificação da zona industrial de Nacala.

Num outro documento publicado na semana passada, o Relatório de Progresso sobre a Estratégia de Redução da Pobreza (PRSP-2011), o FMI voltou a chamar a atenção do Governo para o declínio da produtividade agrícola, a incapacidade da economia de criar empregos e o aumento da dívida pública. O FMI adverte que, embora o Governo esteja a cumprir a maioria dos indicadores formais constantes no PRSP, os resultados desejados não estão ocorrendo. Observando que a produtividade agrícola de cereais e legumes continua a cair, o documento acrescenta que “os principais desafios que Moçambique enfrenta ainda se relacionam com o aumento da produção e produtividade nos sectores da pesca e da agricultura”. O relatório PRSP também aponta para a falta de criação de emprego.

Marcelo Mosse

Exclusivo jornal Savana para o Plataforma Macau

 

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