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Europa deve responder à abertura da China

Paulo Rego*

A velocidade a que a narrativa chinesa se inverte surpreende muita gente; mas a verdade é que a realidade fala sempre mais alto; e a economia volta a sobrepor-se a desvarios ideológicos. O pragmatismo é uma das essências da cultura política do Império do Meio; e os números são o que são. A bazuca financeira, aprovada no último trimestre do na o passado, não serve afinal para estimular a economia; mas sim para salvar a banca do nó górdio da bolha imobiliária: construtoras estatais, atoladas em dívidas na banca estatal, ameaçavam falir a braços com empréstimos que os funcionários públicos não conseguem pagar. No fundo, não havia quem executar.

A queda nos índices de consumo é notória, e o terror da deflação está à porta; acompanhado pela desvalorização da moeda. A solução é promover o consumo interno; dobrar a aposta nas novas forças produtivas; e na economia verde. Contudo, nesta altura, a multiplicação de medidas anti-crise prova ser insuficiente para a recuperação económica chinesa, no curto e no médio prazo. Resta o comércio global; e uma abertura ao exterior já assumida como atitude unilateral, pese embora a reação a Ocidente seja, no mínimo, dúbia.

A China precisa, mas a Europa também. Não há tempo para revanches; este é o momento da reconciliação

Neste contexto, as regiões económicas especiais; em especial as regiões autónomas, ganham uma importância desmesurada quando comparadas com a desvalorização política que o Segundo Sistema sofreu por parte do Primeiro, na última década. Afinal, são as montras jurídicas, sociais e culturais para o esforço de recuperação das relações externas incontornavelmente abaladas; primeiro pelo discurso musculado e nacionalista; depois pela política de Covid; finalmente pela aliança estratégica com Putin, nas vésperas da invasão da Ucrânia. Pequim faz agora marcha atrás e assume, sem rodeios, a necessidade de atrair investimento estrangeiro e recuperar mercados globais. A crise é indisfarçável, como provam as conclusões da conferência nacional de trabalho comercial, realizada no último fim-de-semana em Pequim (ver página 14).

Nos Estados Unidos, o vice-presidente Elon Musk, espécie nunca vista de multimilionário autocrata, tem o pior discurso de que há memória para o multilateralismo e o comércio global, desde a Segunda Guerra Mundial. A Europa vacila entre governos que resistem na defesa da democracia liberal; e outros que cedem ao nacionalismo protecionista. E vai ter de assumir despesas antes impensáveis na construção de uma estratégia de defesa menos dependente da NATO e do dólar militar. É caso para dizer: volta Merkel, estás perdoada. Quando a antiga chanceler alemã explicou que o futuro estava a Oriente, porque com Tump em Washington não era possível o projeto europeu, teve razão antes do tempo. Não previu a guerra na Ucrânia; por isso foi mais tarde vilipendiada. Mas ninguém podia prever que o regresso de Trump seria ainda pior, entregue a uma oligarquia digital que não quer saber do Estado; muito menos da relação entre eles.

Há muito que defendo que, mais cedo ou mais tarde, a Europa teria de reavaliar a sua relação com a China. E este é o momento. A China precisa, mas a Europa também; não há tempo para revanches, mas sim para a reconciliação. O mundo não pode ser refém da dupla Trump-Musk, e do seu projeto de falência do Estado Nação, que terá na Europa os seus alvos principais. O maior produtor do mundo, e o maior mercado consumidor, têm um interesse comum: combater a loucura venal à solta em Washington. Bruxelas e Pequim defendem regimes diferentes e têm visões muito próprias do mundo – é certo – mas certamente percebem que deixar à solta o império messiânico é cair de joelhos num terreno que não interessa a ninguém.

Diretor-Geral do Plataforma*

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