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Do regresso de Confúcio ao leninismo confucionista (III)

Jorge Oliveira, Consultor financeiro

Vimos nos artigos anteriores sobre este tema, como o Partido Comunista Chinês (PCC), depois de uma fase de combate ao confucionismo, o reabilitou para ajudar a manter a estabilidade social, oferecendo um quadro moral e ético alinhado com o discurso do PCC de incutir um comportamento ético entre os cidadãos e aumentando a sua legitimação política, apresentando-se como guardião e intérprete dos valores tradicionais chineses.

Durante várias lideranças, a fusão do confucionismo com o marxismo-leninismo parecia ir decorrer de forma incondicional. Sob a liderança de Xi Jinping (que se tornou o primeiro presidente da R. P. da China a visitar, em 2013, um templo confucionista em Qufu, cidade natal de Confúcio), não só esta reabilitação se mantém, como o confucionismo e o legalismo se tornaram particularmente importantes para suportar a dupla retórica de Xi de “governar pela virtude” e “governar a nação de acordo com a lei”.

Em 2017, para dar expressão concreta às ideias de Xi, o Escritório-Geral sob o Comité Central do PCC e o Conselho de Estado emitiram conjuntamente “Sugestões sobre a implementação de projetos para promover e desenvolver a excelência cultural tradicional chinesa”, que anunciaram iniciativas governamentais para promover a cultura chinesa e o confucionismo. Todavia, a reabilitação do confucionismo é condicional a que esteja subordinado aos interesses do PCC.

Um batalhão de “confucionistas socialistas” estudam a adequação e harmonização do confucionismo aos princípios marxistas-leninistas, de acordo com as diretrizes do partido. O objetivo deste “estudo” do confucionismo é legitimar a autoridade do PCC e, assim, procurar modificar o confucionismo “sob as posições, princípios e metodologias do marxismo, do leninismo e do pensamento de Mao Tsé-tung”. Alguns dos mais proeminentes “confucionistas socialistas” argumentam que o confucionismo é complementar à ideologia marxista e pode ser útil na prevenção da “liberalização ocidental” e na promoção “do patriotismo do povo chinês”. Em suma, sob Xi, o confucionismo serve para reforçar a sinicização do marxismo-leninismo, mas subordinado ao reforço da legitimação do partido. Por outro lado, e numa linha simétrica, é mantida a “economia socialista de mercado com características chinesas”, mas com subordinação de tudo e todos ao PCC, num reforço da vertente leninista do regime.

A liderança do PCC continua a sentir necessidade de, sem perder as raízes marxistas-leninistas, acentuar a vertente chinesa. E é este confucionismo adequado e funcionalizado que lhe faz a ligação profunda à wenming (civilização cultural) chinesa.

Esta alquimia, marcada pela tensão entre o conservador e o revolucionário, o passado e o “futuro”, e pela “fusão de ideologias” entre uma versão chinesa do marxismo-leninismo com os ensinamentos tradicionais confucionistas, levou o sinólogo americano Lucian Pye a definir, em 1992, a R. P. da China como um “Estado leninista confucionista”. Expressão que fez escola, cuja correção foi questionada durante alguns períodos da política de “reforma e abertura” da economia e da sociedade chinesa, mas que nunca foi mais correta que na caracterização do período da liderança de Xi Jinping, entronizado como “imperador-sábio” leninista-confucionista, combinando um governo de um homem só com a moralidade da antiguidade chinesa, visando a “prosperidade comum”.

*Artigo originalmente publicado no Diário de Notícias

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