Não voltam a ter BIR. Mas fixam direito de residência, ganham estatuto profissional, e são financeiramente compensados pela perda de condições de vida. O Governo de Macau acaba por reconhecer “falta de coordenação política” quando, no verão passado, retirou aos delegados lusófonos o Bilhete de Identidade de Residente, “sem comunicação diplomática nem sensibilidade política”, comenta fonte ligada ao processo.
Logo após a denúncia feita pelo PLATAFORMA, em Outubro do ano passado, a retirada do BIR aos delegados lusófonos foi discutida em Pequim.
Fonte diplomática lusófona explica que a contraparte chinesa mostrou-se “constrangida” ao ser confrontada com a “ausência de comunicação prévia” e a “falta de sentido político” da decisão que retirou aos delegados lusófonos “direitos adquiridos”, alterando as condições do convite que emana do Ministério do Comércio da China. Na altura, ficaram reféns de um papel agrafado ao passaporte; perderam benefícios financeiros, apoio à saúde e à educação do agregado familiar e, até, “conforto político”. Afinal, tudo se resolveu em pouco tempo.
Face às primeiras queixas, em Agosto do ano passado, o secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, respondeu que a Lei tinha de ser cumprida, não vendo sequer legitimidade jurídica para compensar os delegados pela perda de condições de vida que a retirada do BIR implicava. Contudo, logo em Dezembro, com envolvimento direto das autoridades chinesas, foram negociadas compensações (ver caixa).
A RAEM não volta atrás na retirada do BIR, mas enumera uma série de benefícios compensatórios, que acalmam a tensão diplomática, incluindo dúvidas na altura levantadas sobre a “aparente intensão de reduzir, ou mesmo anular”, a importância da instituição. Um antigo delegado no Fórum Macau explica ao PLATAFORMA que “as autoridades de Macau há muito vinham mostrando animosidade” em relação ao Fórum. “Penso que não compreendem verdadeiramente o que está em causa. Aliás, estavam muito focados em cortar custos e em reduzir a nossa margem de manobra”.
“Jamais esteve em causa exigirmos o BIR, nem sequer discutir o cumprimento da Lei, que é uma obrigação de todos e um direito da RAEM”
Dois advogados consultados pelo nosso jornal confirmam o que vários delegados lusófonos tinham já verificado: a leitura jurídica feita por Wong Sio Chak estava correta. De facto, as alterações introduzidas na Lei n.º 16/2021, que restringem as autorizações de permanência e residência, deixaram sem suporte legal a exceção criada para os delegados lusófonos, em 2003, em sede de Conferência Ministerial. Nessa altura, combinou-se que teriam direito a BIR, renovável por dois mandatos de três anos. Desde logo, prevenindo que não completariam os sete anos que dão direito ao BIR permanente.
Lei e consequência
“Jamais esteve em causa exigirmos o BIR, nem sequer discutir o cumprimento da Lei, que é uma obrigação de todos e um direito da RAEM”, comenta fonte diplomática lusófona. O problema, diz, “é que quando se mexe numa Lei como esta, é preciso medir todas as consequências e, por vezes, como neste caso, colmatá-las”. No fundo, houve “falta de coordenação política, como acabou por ser reconhecido”, comenta outra fonte ligada ao processo. “Até por parte do secretário-geral do Fórum”, Ji Xianzheng, que numa primeira instância limitou-se a explicar aos delegados que “não podia interferir na autonomia da RAEM”.
Certo é que quer Wong Sio Chak, quer Ji Xianzheng, acabaram mais tarde por se envolver diretamente na negociação de um pacote de compensações que vão do estatuto e da dignidade profissional aos subsídios de educação e saúde. Para além da recuperação do “conforto político”, entretanto abalado e da narrativa sobre a importância do Fórum, na qual Pequim insiste. Tudo isto no ano em que se comemoram os 20 anos do Fórum Macau, e numa altura em que se aceleram os preparativos para a realização, em Macau, da Conferência Ministerial – prevista para Outubro – tentando garantir presenças ao nível dos chefes de Estado da China e de todos os Países de Língua Portuguesa.
O PLATAFORMA pediu comentários a todo este processo, quer a Wong Sio Chak, quer a Ji Xianzheng. O secretário para a Segurança respondeu que “nada mais tem a comentar”. O secretário-geral do Fórum nada respondeu.
“Quando se mexe numa Lei como esta, é preciso medir todas as consequências e, por vezes, como neste caso, colmatá-las”
Os sete pontos da concórdia
O secretário geral do Fórum Macau assinou a carta enviada em Dezembro a todos os delegados lusófonos, oficializando os sete pontos com que são compensados por lhes ter sido retirado o direito ao BIR. Após “intenso trabalho de coordenação com as autoridades da RAEM”, diz a missiva ao longo da qual Ji Xianzheng usa sempre uma linguagem conciliatória. Em várias passagens, reconhece mesmo serem “legítimas” as queixas dos delegados lusófonos pela “perda de condições de vida” em consequência da retirada do BIR.
- – Documento profissional: passam a ter estatuto profissional próprio, com identificação emitida pelo Secretariado Permanente do Fórum.
- – Autorização especial de residência: documento emitido pelo Governo, semelhante aos cartões de identificação dos agentes diplomáticos e funcionários consulares da RAEM.
- – Facilidades nas fronteiras: o Gabinete de Apoio do Fórum passa a garantir fluidez nas deslocações à China; incluindo comunicação direta com a polícia fronteiriça e companhias aéreas.
- – Contratar a empregada: os delegados voltam a poder contratar trabalhadores domésticos não-residentes, apresentando os documentos previstos nos pontos 1 e 2.
- – Subsídio ao ensino: os descontos que o BIR garantia são financeiramente compensados, com limite anual por filho – 20.970 patacas no pré-escolar; 23.140 na primária; 25.480 no secundário.
- – Seguro médico: recuperam o cartão de acesso aos cuidados de saúde, e ganham um seguro complementar de saúde, com limite máximo cumulativo de MOP 30,000 por ano para cada membro do agregado familiar.
- – Direitos adquiridos: no caso específico das despesas com a educação e a saúde, os delegados que assinaram o documento “condições de vida”, antes de Dezembro de 2022, recuperam os direitos que tinham e vêm garantida a sua vigência até fim do mandato.