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Dar face à plataforma

Paulo Rego*

Na entrevista que publicamos nesta edição (págs. 4 a 6) Ip Kuai Peng deixa muito claro que Pequim não reconhece a Macau nenhuma autonomia na política externa, sempre subsidiária do interesse nacional. 

É por isso que o Fórum Macau tem um escopo exclusivamente económico e comercial – não político. 

E é também essa a razão pela qual tem tido tanta dificuldade em afirmar-se e ser percebido. Porque, na verdade, o papel de Macau é claramente geoestratégico – não é, de todo, comercial. 

Mas é também por isso que, muito para além da amizade histórica, da língua e cultura portuguesas na RAEM, a visita de Ho Iat Seng a Portugal, em abril, representa muito mais que uma formalidade tradicional. 

Porque abre um novo ciclo nas relações bilaterais entre Pequim e Lisboa, numa altura particularmente tensa das relações de Pequim com o mundo ocidental. 

Neste contexto, merece destaque a chegada a Macau do novo cônsul de Portugal – pela forma como o fez. Alexandre Leitão teve a lucidez e a coragem de assumir, sem tibiezas, os quatro eixos estratégicos do seu consulado. O que é raro na diplomacia; responsabiliza o seu mandato; e permite que seja avaliado no médio e longo prazo. 

Mas sobretudo porque permite que todos percebam a relação institucional que quer ter com o Governo local, com os representantes de Pequim na RAEM; e com a comunidade portuguesa. 

Há muito tempo para seguir e avaliar essa visão estratégica, mas importa já fixar a sua devida relevância: 1 – estender e qualificar os serviços consulares (seja qual for a etnia e a língua de cada um); 2 – vincar o caráter único da língua e da cultura portuguesa, não como mero direito histórico, mas sim como mais-valia para a promoção turística e a diversificação económica; 3 – promover o intercâmbio económico, não só captando investimento chinês para Portugal, mas também encontrando oportunidades para o investimento português nesta plataforma para a Grande Baía e a China continental; 4 – apresentar Portugal como um país moderno, tecnologicamente avançado, e uma mais-valia para parcerias na economia sustentável: verde, sim; mas sobretudo azul.

Percebe-se que a comunidade portuguesa residente peça também mais calor humano. Tem saudades da vertigem relacional trazida por Vítor Sereno, e ainda porque esse lado emocional foi trucidado por Paulo Cunha Alves, que não deixa nenhuma saudade nesse campo. 

Seja qual for o equilíbrio que Alexandre Leitão agora decida, no campo dos afetos, estruturalmente não é isso que verdadeiramente importa. Do ponto de vista da visão estratégica, entra muito bem. Oxalá saia ainda melhor.

Este é também um momento muito particular da História política moderna; no contexto de uma nova espécie da guerra fria, em que o ocidente encosta a China do outro lado do muro, a par da Rússia. 

Felizmente, Portugal não comete esse erro, marcando uma diferença que certamente Pequim reconhece. As honras dignas de chefe de Estado concedidas à visita de Ho Iat Seng contrastam claramente com Bruxelas, onde a visita do Chefe do Executivo – no regresso a Portugal – foi transformada em mera visita de cortesia. Claramente, pela ausência de interlocutores de relevo. 

Aliás, no contexto da operação de charme do conselheiro de estado e ministro dos Negócios Estrangeiros chinês. Wang Yi quis abraçar os “amigos” europeus, mas sentiu o frio que sopra de Washington. 

Bruxelas está longe dos tempos em que a chanceler alemã, Ângela Merkel, virou costas ao trumpismo e lançou a escada a oriente. A pressão norte-americana contra a China é global; faz-se hoje sentir em todo o lado. 

E, também aí, em matéria tão sensível, que o ultrapassa, Alexandre Leitão consegue ser claro: Portugal entende os seus aliados, mas não aceita, “nem sente”, essa pressão; antes valoriza a relação com Macau e a parceria estratégica com a China. 

Por ser uma terra pequena, conservadora, muitas vezes inocente e provinciana, Macau tem tido muita dificuldade em compreender a questão de fundo na missão de ser plataforma. Que é muito maior que a RAEM – e a sua agenda interna – e sempre foi muito maior que esta ou aquela circunstância. Este é a momento de pôr os dois pés bem assentes nessa terra de oportunidade. Porque essa é, de facto, muito maior que nós todos e cada um de nós. O resto são só contas. Essas, façam-nas nos casinos.

*Diretor-geral do PLATAFORMA

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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