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Só resta ganhar

João MeloJoão Melo*

À excepção da Espanha, os favoritos do Mundial de futebol, Brasil, França e Argentina seguem para os quartos de final, juntamente com as boas selecções de Portugal, Inglaterra e Holanda, o surpreendente Marrocos e a tradicional selecção europeia de segunda linha que vai longe, este ano é a Croácia.

Desde que a UEFA repescou a Dinamarca para disputar um Europeu no lugar da Jugoslávia que se encontrava em guerra, reunir à pressa os atletas entretanto de férias a beber mojitos à beira da piscina nas Maldivas, aplicar sucessivas goleadas na competição e na final vencer a Alemanha, e desde que vi a Selecção de Fernando Santos chegar aos oitavos de final de um Europeu sem ganhar um único jogo, e ainda empatar mais um em eliminatórias até à final onde bateu a França com um solitário golito no prolongamento, espero tudo das carreiras das Selecções.

A França ligou o modo “a sério” e limpou a Polónia, nada de especial a assinalar fora o gozo de eu ter prometido pagar uma rodada de imperiais a toda a gente presente no café se alguém conseguisse dizer o nome do guarda-redes polaco. Ao tentar, alguns espirraram, outros cuspiram mas ninguém conseguiu. O senhor chama-se Szczesny, e o corrector de texto onde escrevia isto disparou um alarme a avisar que o gato estava a passear sobre o teclado. A língua polaca não é lá muito fã de vogais… No Japão vs Croácia nem o Morita nem “Horimeia” chegou para desfazer o empate, o jogo seguiu para penalties e o Japão perdeu. No Brasil vs Coreia suponho que o Paulo Bento não teria muito a dizer aos seus jogadores, haviam dado a vida em campo para ganhar a Portugal, agora estariam esgotados, portanto só restaria uma saída: “vão para dentro de campo e divirtam-se”, só que… alguém se diverte com o Paulo Bento? Bem sei que tem aquele sotaque meio espanholado próprio dos palhaços do circo mas depois leva tudo muito a sério e parece que está sempre chateado com alguma coisa; é mais assustador que engraçado. Meteu as suas pecinhas de Lego em campo à espera que durante algum tempo encaixassem no Brasil, aos 7 e aos 13 minutos o jogo quântico da canarinha tinha despedaçado a lógica da Coreia, e aos 15 esta já tinha perdido a vontade de brincar, só queria que aquilo acabasse depressa. O Brasil está noutra dimensão, para Coreia as bolas e balas choviam de todo o lado, nem sabiam donde vinham, dava dó ver os coreanos voluntariosos mas estonteados. Aos 36 minutos o Brasil enfiara 4, um golo a cada 9 minutos, e depois desacelerou; a Coreia livrou-se da sorte de uma Suíça, por exemplo.  

A Espanha andou aí a enganar meio mundo acerca do seu favoritismo, porque se virmos bem não fizeram um jogo que prestasse, contudo, munido da experiência que acima referi, fiquei sempre à espera de uma repentina soltura. Não soltaram, saltaram para fora da competição. Ainda bem, não porque os receasse, na verdade uma equipa mais aberta que Marrocos seria melhor para nós, mas porque ali é tudo feio, o hino é feio, o equipamento é feio, só o alternativo usado contra Marrocos não é feio, é pavoroso, em azul cueca Tebe, uma referência estética ao princípio dos anos 80, os anos do “verão azul”; faltou um autocolante do Naranjito na camisola… Marrocos fechou-se como uma amêijoa estragada, o ataque espanhol era mar a bater na rocha, não tinham linhas de passe, milhares de pernas a atrapalhar os caminhos da bola, e esta raramente levava perigo à baliza. Este jogo só teve uma coisa boa, o prolongamento com penalties para cansar ao máximo o próximo adversário de Portugal. Espero que não venham chorar para cima de nós com esse tipo de argumentos, os mesmos usados por Paulo Bento contra o Brasil.

Portugal espetou 6 na Suíça, vamos ser honestos, porque Ronaldo não estava no 11 inicial. Em termos desportivos o melhor que podia ter acontecido à Selecção foi o que no jogo da Coreia pensámos ser o pior que podia ter acontecido: o desabafo de Ronaldo sobre Santos. Eh pá, que o Ronaldo não jogue um chavelho, vá que não vá, que esteja incluído na selecção dos jogadores com pior desempenho do Mundial, que se dane, agora que as suas atitudes me obriguem a ficar do lado deste seleccionador, é o cúmulo, não se faz! Fernando Santos viu-se finalmente forçado a dar um raspanete a Ronaldo, quanto mais não fosse para segurar o resto da equipa, senão como poderia comandar homens que veem o seu chefe esculachado por um deles? Seria o caos. Todavia não é nada fácil tomar posição, admito. Enquanto se cantava o hino, uma chusma impressionante de fotógrafos e operadores de câmara completamente nas tintas para a equipa portuguesa tentava captar Ronaldo no banco. Digam-me lá como é que os jogadores da Selecção e particularmente o treinador conseguem lidar com isto? Chiça, toda a gente esmagada pela importância mediática de Ronaldo, esfregam-nos na cara que Portugal só interessa por sua causa. Resultado? Os miúdos de enorme talento que temos na Selecção ficaram com ganas de provar o contrário. Intencional ou não, o que o capitão provoca é competição interna ao melhor nível. A bolha do futebol não quer saber de Ronaldo, o resto do mundo só quer saber de Ronaldo. Intencional ou não Fernando Santos deu livre-trânsito aos miúdos para fazerem o que lhes apetece e eles partiram a louça toda, aquilo que nós, os adeptos, sempre soubemos que eles têm capacidade para fazer. Dificilmente se percebeu uma orientação táctica no jogo contra a Suíça porque o velhote mandou às urtigas o típico espartilho de cautela e caldos de galinha. Talvez porque Portugal tem tanta qualidade individual, por um denodo momentâneo ou simples técnica de sobrevivência Santos percebeu que era melhor ser como o Tite, um gestor de emoções; não vale a pena muitas merdas tácticas com actores deste calibre porque só estraga, a disciplina, dinamismo e rotinas trazem eles dos clubes que os trabalham bem, aqui basta juntá-los. É por isto que os brasileiros não entendem o desinteresse de Abel Ferreira pela Selecção do Brasil, não vai lá fazer nada de trabalho táctico, serve apenas o ego, para atingir a glória ou queimar-se; treinar o Brasil é um cargo simbólico ao género “rainha de Inglaterra”. Então Santos viu desfilar o melhor futebol do Benfica, do FCPorto, Manchester Utd e City, por deferência a Ronaldo ainda retirou a possibilidade de um histórico poker ao incrível Gonçalo Ramos que facilmente poderia ter marcado 4 ou mais, e só aos 87 minutos meteu o eleito melhor jogador do campeonato italiano, e que após 5 minutos em campo molhou a sopa, Rafael Leão. Estes foram os protagonistas, o resto da equipa esteve à altura, a servi-los e a defender.

O facto de Ronaldo não estar no 11 inicial tanto deu ganas aos companheiros como desfez a estratégia do treinador suíço, possivelmente à espera de jogar contra 10 e contra uma táctica de contenção. Ao fim de uma hora de jogo a alma dos suíços já tinha ido para casa, a mobilidade e tremenda eficácia do ataque português descobria-lhes mais buracos que os seus queijos. As coisas desenrolaram-se de forma tão maravilhosa que na altura de fazer substituições Santos deve ter pensado “ena, isto funcionou, e agora quem é que eu tiro?” Tirar o tipo “errado” podia deixar a nu que a estratégia para este jogo foi mais obra de um acto de sobrevivência, quiçá um acaso. Convinha optar pelo seguro conservadorismo, trocar jogadores de características similares, assim dá ideia que sempre houve uma intenção. E pronto, em termos desportivos não havia nenhuma razão para o Ronaldo entrar mas tinha de ser, o futebol não é só pontapés na bola. Infelizmente para o Ronaldo as circunstâncias que ele próprio criou fizeram com que nunca como antes se reparasse no seu desempenho, uma nulidade. Aos 37 anos um pai de família inteligente que ganhou tudo, que prazer descortinará em correr atrás de uma bola como um puto ou um cachorrinho? Só se for tolo. Urge gerir a energia, 99% das vezes que se faz pressão sobre o guarda-redes ou defesas adversários não resulta em nada; os miúdos ainda têm a ilusão de correr atrás do 1%, Ronaldo não se pode dar ao trabalho, mental e fisicamente já passou a porta para o lado do não retorno. A pressão que existira sobre a defesa suíça até Ronaldo entrar sumiu-se, e percebemos que se Ronaldo fosse titular, o resultado previsível seria uma angustiante incerteza. Também se viu que a questão não se circunscreve à gestão do esforço, é igualmente evidente a incapacidade física; bolas lançadas em perfeitas condições para a sua corrida que no passado resultavam em golos resultaram em ser sempre ultrapassado em velocidade, em reclamações de faltas fantasmas, e como deixou de recuperar para a defesa vê-se constantemente apanhado em fora-de-jogo, aliás neste quesito deve ter batido mais um record… É um problema dele, está amargo consigo próprio, com o universo, porém tem de encarar a realidade: sustentou a sua diferença desportiva no vigor físico, no apuramento da performance, uma excelente opção, diga-se, agora veio a factura. Citius, altius, fortius  sim, mas sempre foi a velocidade a fazer a diferença, mais rápido que todos a pensar e executar; hoje até pode pensar igual mas o corpo não reage igual, em conclusão, é o chip mental que terá de mudar.

Penso que o resultado tão desnivelado agravou os medos de Santos uma vez que a partir de agora tem escrito na testa ser um monstro devorador, o que o incomoda bastante. Veremos a sua abordagem frente a Marrocos que se fechou heroicamente contra a Espanha mas à custa de muito gasto energético. Espera-se que Portugal siga em frente e aí vai deparar-se com um cenário curioso, o vencedor do França vs Inglaterra. Os meus amigos brasileiros que se previnam contra possíveis decepções porque pode estar a ser cozinhada uma final entre a Argentina e Port… perdão, uma épica batalha final ao estilo Marvel entre Messi e Ronaldo. Assim nem me surpreenderia que a Inglaterra ganhasse à França porque para nós os ingleses seriam trigo-limpo farinha Amparo; no caso de a Argentina perder com a Holanda e a França ganhar à Inglaterra então não sei o que dará, até pode ser uma final entre os galos e os canários. O que restará a cada um dos super-heróis do futebol da última década após esta final do Mundial? Nada, acabou. Para o público é o fim de uma era que a FIFA desejaria fechar com chave de ouro. Franceses, ingleses, brasileiros têm tempo para serem campeões, a final entre Messi e Ronaldo é uma oportunidade única, Portugal e Argentina serão simplesmente as barrigas de aluguer para darem à luz tal evento.

Neste cenário Fernando Santos constitui-se uma figura-chave. Sofrerá uma tremenda pressão mundial para colocar Ronaldo a titular, e talvez até só o “deixem” chegar à final se desde logo der garantias disso. Na final arrisca-se a trazer o caneco para casa, a estar ligado ao maior feito da história do futebol português, e a calar tipos como eu. Está claramente em fim de carreira, os loucos anos 20 são muita areia para a sua camioneta. Se perder tem um fim digno, de facto conseguiu gerir bem o gigantesco problema chamado Ronaldo dos últimos tempos, e simultaneamente deixa concluída uma serena transição para a excitante geração de talentos que aí está; se ganhar tem um fim gracioso. Ronaldo não tem um fim digno nem gracioso se perder, só lhe resta uma hipótese, ganhar.

*Embaixador do PLATAFORMA

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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