Pergunto-me se os leitores de Macau já passaram por situações semelhantes a esta: alguém de fora pergunta de onde somos; respondemos Macau. Ficam um pouco confusos, até que dizemos que é uma cidade perto de Hong Kong. Já me aconteceu várias vezes. Se pensarmos bem, existem milhares de cidades no Google Maps, mas poucas são aquelas que realmente conhecemos. Então não é fora do comum um estrangeiro não saber onde fica Macau. Porém, em tempos, apesar da distância, e sem terem visitado Macau, muitos coreanos conheciam a cidade – e bem. Vale a pena saber porquê.
O Dr. Law Lok Yin, de Hong Kong, publicou um estudo onde explica que a Coreia, através da rede de intercâmbio cultural do Leste Asiático, ficou a conhecer melhor Macau. O que sabiam eles sobre a cidade? Que impressão tinham da mesma? Este artigo irá dar resposta a estas questões, com base no estudo de Law Lok Yin.
Uma era sem Amazon
Law Lok Yin usa como exemplo o académico coreano Yi Gyu-gyeong. Com base no seu conhecimento sobre Macau, podemos entender melhor a forma como os coreanos aprendiam sobre a cidade há centenas de anos atrás. Na obra de Yi Gyu-gyeong , intitulada “Discurso Dialético do ‘Espelho de Ostra’ Macau”, o autor cita “Conversas Aleatórias a Norte do Lago”, de Wang Shizhen (grande parte da obra dedicada a Macau), onde apresenta a História do nome da cidade, a sua geografia, sociedade, ocupação chinesa e estrangeira… quase como uma página completa da Wikipédia. Esta obra foi uma das principais razões pelas quais Yi Gyu-gyeong tinha interesse em Macau, mas como chegou até ela?
“Conversas Aleatórias a Norte do Lago” é uma obra chinesa, de uma era pré-Amazon. Não seria fácil para um coreano, mesmo com dinheiro, adquirir a obra. Embora Yi Gyu-gyeong não mencione como conseguiu acesso a tantos livros chineses, Law Lok Yin suspeita, com base no seu historial, que os tenha recebido através de familiares.
Lee Deokmoo, avô de Yi Gyu-gyeong, esteve envolvido numa missão diplomática coreana à China em 1778; época em que conseguiu adquirir uma série de livros chineses. Este período foi constituído por uma série de missões diplomáticas de Joseon (Coreia) à China Imperial. Na altura, a Coreia era um Estado cliente da China, e enviava todos os anos uma missão de homenagem à nação. Enviados, esses, que reuniam sempre vários livros chineses para terem acesso a vários conhecimentos, e Lee Deokmoo não foi exceção. Yi Gyu-gyeong recebeu estas obras do seu avô e, após uma leitura extensiva, escreveu um artigo sobre Macau.
Estereótipos antigos
Embora a maioria dos estrangeiros não saiba que existe uma cidade chamada Macau, aqueles que conhecem o nome têm uma ideia estereotipada da Região. Uma vez, em Pequim, o dono de uma pensão, quando soube que era de Macau, mostrou logo interesse em saber se eu conhecia várias técnicas utilizadas em jogos de apostas. O senhor tinha visto um filme com uma cena passada num casino de Macau, e as personagens eram tão hábeis a jogar que ficou a pensar que todos os residentes da cidade eram capazes do mesmo. Mesmo agora, com o rápido acesso à informação – basta ligar o telemóvel para entender que estes enredos são exagerados – o senhor foi influenciado pelo filme. Imaginemos então os estereótipos dos coreanos, numa altura em que a informação era muito mais escassa.
O primeiro é a ideia de que todos os navios estrangeiros vinham de Macau. Entre finais do séc. XVIII e meados do séc. XIX, navios de países como Estados Unidos e França visitaram a Coreia, causando dois incidentes: a expedição francesa à Coreia em 1866, e a expedição americana à Coreia em 1871. Desde então, começaram a tomar mais atenção a navios estrangeiros, reparando que estes partiam de Macau ou possuíam laços comerciais e económicos com a cidade. A Coreia, não querendo visitas de mais navios estrangeiros, pediu aos oficiais de Guangdong, e até escreveu uma carta ao imperador da China, para não permitirem que estes navios entrassem em águas coreanas.
De seguida associavam Macau ao catolicismo. Depois da facção do sul ter perdido o poder, na esperança de que o catolicismo ajudasse na reforma da nação, promoveram a religião por toda a península. Este movimento causou alguma preocupação entre os do norte, que decidiram então conter o desenvolvimento do catolicismo na Coreia. Os laços fortes entre Macau e a religião deram aos oficiais coreanos a ideia de que as pessoas tinham aprendido sobre o catolicismo através da cidade. De facto, existiu um famoso teólogo coreano que estudou em Macau, André Kim Taegon, tornando-se ao regressar no primeiro padre coreano. Macau prestou-lhe homenagem erguendo-lhe uma estátua (consultar o artigo de Law Lok Yin).
Estas duas ideias de Macau parecem mostrar que os coreanos viam a cidade como uma “base ocidental contra a Coreia”, onde os navios paravam antes de chegarem à península para promover a sua “heresia”. Os coreanos (pelo menos oficialmente) tinham uma má imagem de Macau. Não imaginava que, mesmo há centenas de anos atrás, Macau tivesse má reputação entre as pessoas de fora.
*Membro da Macaology
